«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 7 de março de 2011

''O trânsito no Brasil é uma multidão de surtados''


Entrevista com
Roberto DaMatta (foto acima)
  
O brasileiro não suporta a igualdade. Essa é a imagem sugerida por um dos intelectuais mais eminentes do país, o antropólogo Roberto DaMatta, para explicar a origem da atitude do servidor do Banco Central Ricardo Neis, que atropelou um grupo de ciclistas em uma rua de Porto Alegre.
Com uma carreira dedicada à tarefa de explicar o Brasil e os brasileiros, DaMatta sustenta que carregamos um sentimento aristocrático, que nega a igualdade com o outro. No trânsito, isso se traduz na dificuldade para seguir regras e para aguardar nossa vez. Na entrevista a seguir, concedida por telefone na tarde de sexta-feira, DaMatta aborda o atropelamento da Capital sob a luz dessa tese, desenvolvida por ele no recém-publicado Fé em Deus e Pé na Tábua - Ou Como e Por Que o Trânsito Enlouquece no Brasil [para uma sinopse e apresentação deste livro, acessar: http://www.rocco.com.br/shopping/ - digite o nome do autor ou título do livro, uma janela se abrirá com várias obras do autor, escolha e leia].
A entrevista é de Itamar Melo e publicada pelo jornal Zero Hora, 05-03-2011.

Eis a entrevista.

O que leva alguém a cometer um ato como o atropelamento de ciclistas?

Há uma questão que permeia as sociedades que transitam para a modernidade, que é a dialética entre familismo e universalismo, entre regras particulares e regras universais. São essas regras que possibilitam a democracia liberal, ainda um nome feio no Brasil, o que permite o golpe de Estado e o atropelamento de ciclistas. Todos nós, não só esse criminoso que teve um surto psicótico, surtamos no trânsito. O trânsito no Brasil é uma multidão de surtados. Ele permite que a gente enxergue com clareza que os brasileiros sentem mal-estar diante da igualdade. Não é diante da desigualdade que temos mal-estar.

Qual seria a causa desse mal-estar?

Temos uma matriz aristocrática, ibérica e patrimonialista, que nunca discutimos. Achamos que o Estado vai mudar isso, mas os caras que dirigem o Estado, que se transformam em governadores, em deputados, em juízes, são os nossos irmãos, os nossos primos, os nossos tios. A mudança a partir do Estado é uma falácia. Obviamente, esse sujeito tem um incômodo com a igualdade, a igualdade no sentido de que o trânsito obriga você a esperar a sua vez. Não somos educados para isso. Não temos uma pedagogia da igualdade no Brasil.

Então esse episódio revela algo sobre o comportamento do brasileiro em geral?

O trânsito revela o comportamento e os valores do brasileiro. É evidente que, na cabeça desse sujeito, quem está de automóvel é superior ao pedestre. Há uma hierarquia projetada em um espaço que, na realidade, é igualitário.

O brasileiro não enxerga isso?

Não enxerga. Em outras situações igualitárias, como a fila do banco, você passa na frente se for primo de quem está no guichê. Temos um desconforto muito grande com componentes da modernidade democrática, liberal e igualitária, um desconforto com o anonimato, a meritocracia, a paciência de esperar sua vez, de não reclamar.

Dentro desse contexto, que papel o carro assume no imaginário do brasileiro?

O carro vira o emblema, a couraça do brasileiro. Quando a pessoa entra no seu carro, está em uma carruagem com 250 cavalos na sua frente. O carro é uma espécie de casa. Ele se sente um aristocrata. Como o trânsito é uma situação igualitária, impessoal, se ele buzina, o sujeito manda ele tomar banho. Então ele se enfurece porque se sente ofendido.

Esse é um fenômeno exclusivamente brasileiro?

Enxergo esse fenômeno em todos os lugares, só que nos outros lugares as pessoas têm consciência disso e educam os meninos, desde a escola, a esperar na fila.

No Brasil, como ficam o pedestre e o ciclista?

O ciclista, o motociclista, o carroceiro e o pedestre têm uma hierarquia complicada. Porque o ciclista também, sem querer minimizar o incidente, que foi um crime, anda por onde ele quer. Acha que está isento de regras. Quase todo ciclista que encontro está na contramão. É a mesma coisa com os pedestres. É uma atitude tipicamente aristocrática. A pessoa não dá lugar para o outro. O outro não existe. Como é que você pode viver em uma sociedade igualitária em que o outro não existe?

A forma de alterar esse comportamento seria a partir da educação?

A única maneira de alterar é, primeiro, discutir. Tomar consciência, admitir que a gente tem um viés aristocrático que precisa ser discutido. A mudança está no redesenho de comportamentos, de valores. Por isso falei em pedagogia. Não é só na escola. É todo um sistema educacional, uma consciência de que os outros também existem. Nós estamos com os outros, e não contra os outros.

O senhor entende que o atropelamento dos ciclistas pode ter algum efeito positivo, no sentido de favorecer essa discussão?

O choque provocado por essa situação é equivalente a uma rasteira, a tomar um tiro nas costas. Tem de ser aproveitado como uma lição.

O que isso está dizendo sobre Porto Alegre, sobre o trânsito e sobre o Brasil?

As pessoas em geral vivem sua vida e não vão repensar suas atitudes. Mas aqueles que têm um desconforto, como eu com a desigualdade, esses repensam.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 07/03/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41177

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