«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 19 de março de 2011

A filosofia na mira do mercado


Antonio Gonçalves Filho

Livro do filósofo José Arthur Giannotti [foto acima], que convida a um mergulho no pensamento ocidental, sai no momento em que as editoras redescobrem esse filão - e preparam lançamentos de peso

Embora ostente como título Lições de Filosofia Primeira, o recém-lançado livro do filósofo paulista José Arthur Giannotti não é apenas uma introdução ao pensamento no sentido convencional do termo, mas a obra de quem se impôs uma tarefa de demolir ideias feitas num mundo em que a filosofia já começa a ser confundida com negócio. O lançamento do livro de Giannotti coincide com um movimento convergente de editoras - grandes e pequenas - em busca de um novo modo de publicar filosofia no Brasil, deixando de lado livros de consumo fácil para abarcar obras densas.

Dois exemplos do investimento pesado das editoras na área são as coleções das obras completas de Aristóteles - 75 livros que a WMF/Martins Fontes começa a publicar em maio - e a de René Girard, o mais ambicioso projeto da É Realizações, que comprou os direitos e está traduzindo 60 títulos do filósofo francês. Girard, autor da teoria do desejo mimético como forma contagiosa que leva à violência, ganha cada vez mais adeptos num território minado de pensadores cooptados - e corrompidos - pelo poder político.

Um deles, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), ameaça a supremacia de Nietzsche na lista dos best-sellers de filosofia - o criador de Zaratustra ainda lidera o ranking, segundo editores consultados. Nos últimos tempos, Heidegger tem recebido tanta atenção das editoras que a Academia Brasileira de Filosofia decidiu promover um seminário sobre ele em abril, antes de encaminhar ao governo federal sugestão de projeto de lei que obrigue suas obras publicadas no País a estampar na capa a seguinte advertência: "Este livro tem conteúdo nazista". O presidente da Academia, o professor carioca de Filosofia João Ricardo Moderno, e Giannotti fazem a mesma pergunta: como um pensador do porte de Heidegger pôde se associar ao nazismo? Giannotti vai dar sua resposta no livro que prepara como segundo volume da série iniciada com Lições de Filosofia Primeira. A obra tem o sintético título de Contraponto: Heidegger/Wittgenstein.

O filósofo Peter Sloterdijk, estrela absoluta do catálogo da Estação Liberdade, que publica seus livros no Brasil, já se manifestou há alguns anos a respeito de Heidegger no polêmico Regras Para o Parque Humano. Nele, o alemão denuncia a herança nietzschiana e heideggeriana do pastoreio e domesticação dos homens com possíveis resultados catastróficos em nossa era antropotecnológica de reforma genética. Seu mais recente manifesto chama-se Ira e Tempo e está no prelo. Nele, Sloterdijk trata da ira como forma de energia psicopolítica capaz de promover a autoafirmação humana num mundo polarizado entre fundamentalistas e liberais. "Todos os seus livros venderam muito bem", garante o diretor editorial Angel Bojadsen, prometendo para breve o primeiro volume da trilogia Esferas, opus magnum de Sloterdijk que estuda a nova experiência do espaço no interior das macroesferas sociais. O filósofo alemão, professor em Karlshue, já ameaça o "espaço" dos pensadores franceses, revela Bojadsen, atestando que o interesse pelo desconstrucionista Derrida diminuiu consideravelmente nos últimos meses.

"Hoje em dia vejo mais historiadores de filosofia do que propriamente filósofos", comenta Giannotti, acrescentando ser a crítica à sociedade contemporânea feita pelos pensadores, de modo geral, "abstrata e pessimista", tendendo a imputar a culpa ao capital por tudo o que há de errado no mundo. Se a democratização do acesso à filosofia é um fato - como prova a profusão de novos títulos nas estantes -, por outro lado, segundo o filósofo, há uma tendência a "dissociar a prática filosófica das grandes questões que hoje nos atingem". Nietzsche seduz, segundo ele, não só porque escrevia bem como pela ilusão da ideia de potência que dá ao leitor (Vontade de Potência, aliás, acaba de ganhar edição da Vozes).

"Nietzsche não é um filósofo da pacificação", diz Giannotti. "Ele pensa como um martelo", conclui, não poupando seguidores como Heidegger, leitura perigosa para quem ignora que seu discurso nazista aparece travestido na forma visceral de seu transe filosófico.

"Insisto na advertência do selo nas capas, denunciando o conteúdo da filosofia de Heidegger, porque propaganda nazista é crime no Brasil", justifica-se João Ricardo Moderno. A exemplo de outros filósofos europeus, ele lembra a simpatia de Heidegger pela SA de Röhm e as organizações estudantis que ela controlava. A filosofia dele, argumenta Moderno, é ainda mais perigosa por ter apoiado Hitler - Heidegger convocou o povo alemão às urnas para voltar no Führer, em 1933 - e ter sobrevivido à queda do Terceiro Reich, influenciando neonazistas e simpatizantes de regimes totalitários.

"As editoras, naturalmente, melhoraram muito o nível de suas traduções e o mercado se profissionalizou, mas a publicação de Heidegger obedece a uma lógica comercial, enquanto há obras clássicas, fundamentais, que são esquecidas por vender mal", observa Moderno. O fundador da Editora É, Edson Manoel de Oliveira Filho, pretende dar sua contribuição, publicando brevemente a coleção Grandes Comentadores de Platão e Aristóteles, organizada pelo professor Carlos Nougué, seis volumes que vão de um comentário à metafísica aristotélica por Alexandre de Afrodísias aos estudos de Santo Tomás de Aquino sobre a obra do filósofo - complementando, de forma indireta, a coleção de obras completas de Aristóteles, a ser publicada pela WMF/Martins Fontes. Esta começa com Os Econômicos em maio e a Retórica no segundo semestre. Segundo o editor Alexandre Martins Fontes, que publicou os cursos de Foucault e Barthes (seus maiores êxitos comerciais), 15% do seu catálogo (de 2 mil títulos) são dedicados à filosofia.

A Editora É mantém ainda uma coleção de títulos considerados de difícil comercialização, mas de fundamental importância para o entendimento do pensamento contemporâneo, a Filosofia Atual. Nela foram publicados 15 títulos, todos eles acompanhados de um DVD explicativo sobre a obra de filósofos como o canadense Bernard Lonergan (1904-1984), o espanhol Xavier Zubiri (1898-1983), o metafísico francês Louis Lavelle (1883-1951) e o alemão Eric Voegelin (1901-1985). "Temos apostado nos estudantes de pós-graduação, mas não me preocupo muito com as vendas quando gosto de um filósofo", diz o editor da É, que vai dobrar até 2012 o número de livros de seu catálogo atual (130 títulos), apostando no boom editorial de livros filosóficos no Brasil. Outra estratégia da editora é a publicação de obras completas, como a do filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva e do francês René Girard, sobre quem organiza em setembro um seminário internacional, lançando nada menos do que 22 títulos de e sobre o filósofo.

Outra editora que aposta em filósofos pouco divulgados é a carioca Contraponto, a exemplo da Perspectiva, Zahar e as universitárias. Ela tem 120 títulos no catálogo e vai ampliar a oferta das obras do alemão Hans Jonas (1903-1993), do inglês John Burnett (1863-1926) e do austríaco (naturalizado inglês) Karl Popper (1902-1994), pioneiro racionalista que tematizou a ciência. O editor César Benjamin garante que Popper é o carro-chefe da Contraponto, apostando num catálogo permanente de long-sellers, como a WMF/ Martins Fontes, ou seja, títulos essenciais que vendem a longo prazo - e garantem o prestígio das editoras.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. Sabático - Sábado, 19 de Março de 2011 - Pg. S3 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110319/not_imp694018,0.php

A sombra dos clássicos nos modernos

Metafísica aristotélica é usada para entender o mundo contemporâneo,
num estudo que vai dos gregos a Wittgenstein

Antonio Gonçalves Filho

O que se conhece hoje por metafísica era chamado por Aristóteles de "filosofia primeira" - e foi isso que inspirou o filósofo José Arthur Giannotti na hora de batizar seu novo livro. Por uma dessas inexplicáveis coincidências, ele sai no momento em que a WMF/Martins Fontes lança toda a obra do filósofo grego (inclusive os apócrifos) e a Editora É ultima a publicação dos comentaristas de Platão e Aristóteles. Claro que Giannotti esclarece, logo na apresentação do livro, que se trata de uma introdução "meio enviesada" à filosofia primeira de Aristóteles. Interessa ao filósofo - sobretudo - a ressonância dos clássicos na obra de dois contemporâneos, Heidegger e Wittgenstein. "Não é uma introdução, mas uma reflexão sobre a metafísica", esclarece.

E por que, então, a eleição de Heidegger e Wittgenstein? "Porque os dois recusaram o discurso tradicional da filosofia", responde. Seu livro seria uma tentativa de corrigir alguns erros de gramática filosófica - entre os quais a miopia política de Heidegger e o namoro de Wittgenstein com o totalitarismo soviético. Naturalmente, os dois não lideram o elenco principal dos filósofos estudados na obra - eles serão analisados num segundo volume -, mas o autor escolheu a dupla porque, a despeito da diferença radical entre os dois, Heidegger e Wittgenstein ainda funcionam como balizas da filosofia contemporânea - ajudando, de quebra, os editores a vender mais livros de filosofia do que imaginavam há uma década.

Giannotti admite deixar um "buraco enorme" que vai da filosofia medieval à crítica que se desenvolveu a partir de Kant. Sua "introdução ao filosofar" se detém em filósofos mais adorados do que entendidos pelas novas gerações, como Nietzsche, cuja filosofia nasceria, segundo o autor - e o próprio pensador alemão - de sua doença, de sua "falta de confiança na vida". Nietzsche, que anunciou a morte de Deus, antecipou Heidegger, mas não impediu que os europeus continuassem buscando divindades, segundo Giannotti.

Por outro lado, a imagem dos filósofos clássicos (Platão, Aristóteles) estaria em "plena decadência" em nossa era de "profissionais" da filosofia que, a exemplo dos sofistas, vendem conhecimento nos templos do saber para consumo imediato. "Os alunos querem falar mais que os mestres e a transformação do saber em mercadoria - a filosofia como ópio do povo - nos impede de fazer críticas profundas à sociedade contemporânea", diz. Temos de ser mais modestos e ligá-la à tradição, recomenda. "Não se pode ser um profissional do saber sem conhecer Plotino ou ignorar as formas de pensar extraordinárias que estão, hoje, nas mãos do grande capital, como a biologia e a astronomia."

Giannotti, 81 anos, professor emérito da USP, observa ainda que não há na filosofia contemporânea nenhum estímulo para que o pensador se comprometa com uma prática moral ou obrigações cívicas. Desde os filósofos da Escola de Frankfurt, o discurso político foi se encolhendo a ponto de cair no mesmo fosso conservador que criticava. Esse bloqueio à teoria marxista merece ser pensado, conclui.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. Sabático - Sábado, 19 de Março de 2011 - Pg. S3 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110319/not_imp694019,0.php

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