VISÃO GLOBAL - Revolta no Oriente Médio e África
Thomas L. Friedman*
The New York Times
Há fatores menos óbvios na revolta
Além das questões conhecidas como desemprego e tirania, a eleição de Obama e o Google Earth têm ampla influência
Além das questões conhecidas como desemprego e tirania, a eleição de Obama e o Google Earth têm ampla influência
Os historiadores do futuro passarão bastante tempo tentando entender como a autoimolação de um mascate tunisiano, Mohamed Bouazizi, em protesto contra o confisco de sua carroça de legumes, foi capaz de dar início a revoltas populares em todo o mundo árabe e muçulmano.
Conhecemos as grandes causas - a tirania, o aumento no preço dos alimentos, o desemprego entre os jovens e as mídias sociais. Mas, depois de visitar o Egito, tenho elaborado minha própria lista relacionando o que eu chamaria de "fatores menos óbvios" que alimentaram esta revolta em massa. Ei-los a seguir:
[1º] O fator Barack Obama: os americanos nunca compreenderam verdadeiramente o quanto foi radical - aos olhos do restante do mundo - o fato de termos eleito para a presidência um americano negro de sobrenome Hussein.
Estou convencido que a oportunidade de ouvir o discurso de Obama no Cairo em 2009 fez com que muitos jovens árabes dissessem a si mesmos: "Humm, vejamos. Ele é jovem, eu sou jovem. Ele tem a pele escura, eu também. O sobrenome dele é Hussein, e o meu também. O avô dele era muçulmano, o meu também. Ele é presidente dos EUA e eu sou um jovem árabe desempregado sem voz, voto ou possibilidade de decidir meu futuro". Eu incluiria isso entre as forças que abasteceram as revoltas.
[2º] O Google Earth: embora o Facebook tenha recebido todas as atenções no Egito, na Tunísia e no Bahrein, não podemos nos esquecer do Google Earth, que começou a perturbar a política do Bahrein em 2006. Neste país, a questão da desigualdade na distribuição das terras é um problema sério, principalmente para os xiitas que querem se casar e construir seus lares. Em sua edição de 27 de novembro de 2006, o Washington Post publicou uma reportagem sobre a situação: "Mahmoud, que mora numa casa com os pais, quatro irmãos e os filhos deles, disse que ficou ainda mais frustrado quando procurou o Bahrein no Google Earth e viu amplas extensões de terra desocupada, enquanto dezenas de milhares de xiitas, em sua maioria pobres, eram espremidos em pequenas áreas de alta densidade demográfica.
[3º] Israel: a rede árabe de TV Al-Jazira tem hoje uma grande equipe cobrindo a situação em Israel. Eis algumas das reportagens que têm sido transmitidas por ela ao mundo árabe: o ex-premiê israelense Ehud Olmert foi obrigado a renunciar por causa das acusações de que ele teria aceitado ilicitamente envelopes cheios de dinheiro oferecidos por um judeu americano que o apoiava. E, recentemente, Israel retirou a nomeação do general Yoav Galant para o posto de chefe do Estado-maior depois que ambientalistas israelenses levaram à abertura de uma investigação que resultou na conclusão de que Galant teria se apropriado de terras públicas perto de sua casa.
Isso deve ter provocado certa reação no Egito, onde a venda de terras aos aliados do regime num golpe que proporcionou imensos lucros tem sido amplamente comentada no Cairo. Quando o país vizinho leva à justiça seus principais líderes por acusações de corrupção enquanto líderes de seu próprio país são corruptos, é impossível não notar a diferença.
[4º] A Olimpíada de Pequim: nos anos 50, China e Egito eram grandes civilizações submetidas ao imperialismo e mergulhadas na mais profunda pobreza, principalmente no caso da China, diz Edward Goldberg, professor de estratégias de negócios do site The Globalist. Mas, atualmente, a China ergueu a segunda maior economia do mundo, e o Egito ainda depende do auxílio internacional para sobreviver.
[5º] O fator Fayyad: o premiê palestino, Salam Fayyad, apresentou ao mundo árabe uma nova forma de governo. Ela diz: julgue-me pelo meu desempenho, pelos serviços públicos que ofereço e não simplesmente pela minha insistência em "resistir" ao Ocidente e a Israel. Se somarmos tudo isto, o resultado é claro: temos uma poderosa convergência de forças impulsionando um amplo movimento por mudanças.
Estamos apenas no começo de algo imenso e, se não apresentarmos uma política mais enérgica, a diferença entre um bom resultado e um mau resultado para os EUA dependerá de como o rei da Arábia Saudita, com seus 86 anos, vai administrar tantas mudanças.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
* É COLUNISTA E ESCRITOR
Fonte: O Estado de S. Paulo - Sexta-feira, 4 de março de 2011 - Pg. A14 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110304/not_imp687494,0.php
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