«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

AINDA MANDELA ...

A marca e o legado de Mandela
sobrevivem em todo o mundo


Nicholas Kristof
The New York Times
Nelson Mandela (1918-2013)

Meu fato favorito sobre Nelson Mandela é que ele convidou a um dos carcereiros brancos que ajudou a mantê-lo preso por 27 anos para assistir à sua posse como presidente da África do Sul. Foi um sinal da magnanimidade, cordialidade e da total falta de ressentimento que marcaram esse homem. A história teve muitos grandes dissidentes e revolucionários, mas poucos se tornaram líderes nacionais. As qualidades que caracterizam um rebelde, ou seja, coragem, obstinação e até a irracionalidade, não tendem a produzir um grande presidente.

Mandela enfrentou muitas pressões para ser mesquinho, humilhar aqueles que o humilharam e até assassinaram seus amigos, mas resistiu a elas. Foi o homem mais notável que conheci. Ele exemplificou o serviço e o sacrifício público mais do que qualquer outra pessoa da sua geração. Era advogado com uma carreira promissora que poderia ter escolhido trabalhar dentro do sistema, mas deixou tudo de lado para lutar pelo povo do seu país. Quando foi levado a julgamento, enfrentando uma possível pena de morte, foi desafiador como sempre.

Depois, durante os 27 anos na prisão, diversas vezes foi lhe oferecida a chance de ser libertado antes do prazo. Na verdade, o governo chegou a implorar para ele aceitar a liberdade condicional, porque atrás das grades ele havia se tornado um empecilho. Mandela recusou-se aceitar propostas que não lhe dessem liberdade totalmente incondicional - o que acabou conseguindo.

Colocar seu país em primeiro lugar também significou problemas familiares, incluindo o divórcio da sua mulher Winnie. Significou confrontar antigos aliados que achavam que ele concordava com as desigualdades econômicas e raciais e cedera demais. E significou assumir apenas um mandato como presidente, para mostrar que a África do Sul seria governada pela lei e não por presidentes perpétuos. Ele deu um exemplo de governança.

Quando especialistas discutem porque a África cambaleou no período pós-independência, um fator comum citado é a frágil governança e a péssima liderança. Houve poucos exemplos brilhantes de grandes líderes na África, com exceção em Botswana. Mandela tornou-se um presidente tão bom quanto o revolucionário que lutou pela liberdade e seu exemplo foi estimulante e contagiante. Por toda a África e em todo o mundo ele foi uma inspiração de liderança e serviço público. Ele superou as expectativas e talvez não seja coincidência o fato de líderes africanos terem sido muito melhores no período pós-Mandela.

Ele também enviou uma mensagem para o resto do mundo. Quando estava na prisão e mais precisava de ajuda, o mundo se calou. Dick Cheney chegou a votar contra uma resolução no Congresso americano, em 1986, que apelava pela libertação de Mandela. Uma atitude tacanha. E somos tacanhos também quando não nos manifestamos a favor de dissidentes em países como a China e o Bahrein. Eventualmente, a liberdade prevalecerá em Pequim e no Bahrein, como ocorreu na África do Sul.

As contribuições de Mandela para a conciliação entre brancos e negros são muito conhecidas, mas talvez o seu incansável trabalho na luta contra a aids, seu empenho para a paz em nações em guerra e a promoção do respeito aos direitos dos homossexuais sejam menos famosos. Num continente que costumava reprimir vigorosamente gays e lésbicas, Mandela foi um vigoroso defensor da igualdade e do casamento gay e foi em razão da sua influência que a África do Sul tornou-se o quinto país no mundo a legalizar a união de pessoas do mesmo sexo.

Nelson Mandela foi um líder não apenas para a África do Sul, mas para o mundo. Uma figura poderosa pode ter falecido aos 95 anos. No entanto, se você viajar pelo mundo, verá sua marca, seu legado, seu espírito. Mandela vive

Tradução de Terezinha Martino.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Internacional - Sábado, 7 de dezembro de 2013 - Pg. A14 - Internet: clique aqui.
_______________________________________________________________________________
ANALISANDO DE OUTRO LADO...

As contradições de Mandela

Zakes Mda*
The New York Times
Zakes Mda - escritor e poeta sul-africano

Eu me lembro de Nelson Mandela. Não, não o estadista ancião universalmente adorado que resistiu com sucesso à megalomania que vem com a deificação, que morreu na quinta-feira, aos 95 anos, mas o jovem advogado que costumava se sentar na minha sala de visita até altas horas da noite, debatendo o nacionalismo africano com meu pai, Ashby Peter Mda.

Em 1944, eles estavam entre os líderes que fundaram a Liga da Juventude do Congresso Nacional Africano (CNA). Esses jovens consideravam o CNA, que àquela altura já existia havia mais de três décadas, moribundo e ultrapassado. Sentiam que havia a necessidade de levar movimento de libertação para a luta armada. Eles eram conhecidos por tentar calar aos gritos aqueles que, ao seu ver, estavam "se vendendo" ao participarem de estruturas criadas pelo apartheid para o povo negro supostamente expressar suas aspirações políticas.

O que me chocou, mesmo então, foi que Mandela era um homem de contradições. Podia ser paternalista, especialmente conosco, crianças, mas era também rígido e disciplinado. Embora fosse o revolucionário incendiário que citava Marx e Lenin a todo momento, era também um tradicionalista cossa com tendências aristocráticas.

Por exemplo, Kaiser e George Matanzima, chefes do grupo étnico thembu, que lideraram o sistema de bantustões do apartheid em territórios separados para sul-africanos negros, não eram somente seus parentes, mas também seus amigos. Apesar de muitos acharem que os irmãos Matanzima haviam traído a causa da libertação negra, Mandela não os denunciaria cabalmente.

Talvez aqui já possamos ver a centelha de tolerância com visões contrárias pela qual ele, mais tarde, se distinguiria. É irônico que na África do Sul atual haja um segmento cada vez mais contundente de sul-africanos negros que sentem que Mandela vendeu a luta pela libertação aos interesses brancos. Isto surge como surpresa para a comunidade internacional, que informalmente o canonizou e acha que ele desfrutava de uma adoração universal em seu país.

Corrupção

Depois de Mandela ter iniciado negociações para pôr fim ao apartheid e conduzir a África do Sul a uma nova era de liberdade, com uma Constituição progressista que reconhece os direitos de todos (incluindo homossexuais, outra contradição admirável para um aristocrata africano), houve euforia no país, é claro.

No entanto, isso foi há muito tempo. Com a corrupção galopante da elite governante atual e o fato de que muito pouco mudou para a maioria das pessoas negras, a euforia foi substituída pela desilusão. A nova ordem que Mandela ajudou a criar, prossegue esse raciocínio, não mudou fundamentalmente os arranjos econômicos no país. Ela traria prosperidade, mas a distribuição dessa prosperidade pendeu a favor do establishment branco e sua nova elite negra dependente.

Hoje, os apparatchiks políticos são os novos bilionários, liderados por um presidente - Jacob Zuma - que utilizou descaradamente milhões de dólares do contribuinte para reformar sua residência privada para acomodar seu crescente harém e uma falange de filhos.

O movimento para culpar Mandela não é, de maneira nenhuma, uma grande onda, mas têm veemência suficiente para atrair atenção. Ele é liderado por ativistas individuais cujas principais plataformas são o Facebook, o Twitter e outras mídias sociais. Em seu sentido formal, por organizações como a September National Imbizo, que acredita que "a África do Sul é um país supremacista branco antinegro conduzido pelo CNA de acordo com os interesses do povo branco. Somente os negros podem se libertar".

A alegação é de que o acordo alcançado entre o CNA e o governo do apartheid branco foi uma fraude perpetrada contra o povo negro, que ainda não conseguiu recuperar as terras roubadas por brancos durante o colonialismo. O governo de Mandela, dizem os críticos, concentrou-se na cosmética da reconciliação, enquanto nada mudava materialmente nas vidas de uma maioria de sul-africanos.

Frustração

Esse movimento, embora não seja representativo da maioria dos sul-africanos negros, que ainda adora Mandela e o CNA, está ganhando força, em especial nas universidades. Eu entendo a frustração desses jovens sul-africanos e compartilho sua desilusão. Entretanto, não compartilho sua perspectiva sobre Mandela.

Vejo nele um político habilidoso cuja política de reconciliação salvou o país de um banho de sangue e trouxe um período de democracia, direitos humanos e tolerância. Eu o admiro por sua compaixão e generosidade, valores que não são geralmente associados a políticos. Também o admiro por sua integridade e lealdade.

No entanto, temo que, para Mandela, a lealdade tenha ido longe demais. A corrupção que vemos hoje não surgiu repentinamente após seu mandato presidencial. Ela criou raízes durante o seu governo. Ele foi leal a seus camaradas além da medida e, portanto, fechou os olhos para algumas de suas transgressões.

Quando ele era presidente, escrevi sobre o sistema de apadrinhamento nascente e sobre o capitalismo de compadrio. Para seu crédito, quando lhe escrevi uma longa carta enunciando minhas preocupações, ele me telefonou na mesma semana e marcou uma reunião para mim com três de seus ministros de gabinete poderosos.

Embora não houvesse saído nada de substancial da reunião, o simples fato de Mandela ter escutado atentamente as queixas de cidadãos comuns e os levado a sério o bastante para organizar uma reunião dessas, foi extraordinário para qualquer presidente.

Em anos posteriores, Mandela se tornou vítima da mesma corrupção de que eu estava reclamando. Ele estava cercado por toda espécie de personagens, amigos e parentes, alguns dos quais estavam ávidos para lucrar em seu nome. Entre eles estava seu neto, Mandla Mandela, um chefete tribal que, segundo várias reportagens, teria vendido antecipadamente a uma rede de televisão os direitos de transmissão do enterro do avô.

Mandela deixa um legado altivo de liberdade, de direitos humanos, de tolerância e de reconciliação. Infelizmente, alguns de seus compatriotas o estão espezinhando. Não posso falar em seu nome e dizer que ele sofria com o que via acontecer em seu país em seus últimos dias. Não falei com ele durante anos antes de ele morrer. Contudo, posso dizer que o Mandela que eu conhecia teria sofrido bastante. 

Tradução de Celso Paciornik.

* Zakes Mda é escritor e poeta sul-africano.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Internacional - Sábado, 7 de dezembro de 2013 - Pg. A18 - Internet: clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.