«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

As escolas pós-pandemia

Coronavírus terá efeito colateral de ampliar desigualdade na educação

Alexandre Schneider*

Estudantes não podem ser vítimas de processo em que
se finge que se ensina e se aprende
Coronavírus terá efeito colateral de ampliar desigualdade na ...
Sem lápis, canetas e caderno para desenhar, Raphaela dos Santos, 4 anos, contou que a brincadeira
que mais gosta são os jogos no celular

Foto: Marlene Bergamo / Folhapress

Ao redor do mundo a pandemia do novo coronavírus desafia estudantes, pais, professores, escolas, redes públicas e privadas. Neste momento há mais dúvidas que certezas em relação:
* ao método mais adequado para garantir a aprendizagem por ensino remoto,
* quando e como deve ser realizado o retorno às aulas presenciais e
* o que deve ser feito no retorno para recuperar as aprendizagens dos alunos.
* Por fim, há ainda a dúvida em relação ao impacto da pandemia na educação básica: o que muda?

Se temos uma certeza nos dois hemisférios é a de que a desigualdade educacional será ampliada nesse período. A articulista do The New York Times Dana Goldstein listou três estudos interessantes sobre o impacto da epidemia da Covid-19 no desempenho dos 55 milhões de estudantes americanos. Nenhum deles nos dá notícias alvissareiras.

O primeiro deles, do Annenberg Institute da Universidade de Brown, indica que os estudantes norte-americanos devem voltar às escolas em setembro com uma perda de aprendizagem da ordem de 30% em leitura e de 50% em matemática.

Pesquisadores da Universidade Harvard e da Universidade Brown realizaram uma pesquisa para avaliar o efeito do uso de um software de matemática antes e depois da pandemia com 800 mil alunos. De janeiro a abril o desempenho dos estudantes de baixa renda caiu 50%, enquanto os de estudantes que vivem de comunidades de renda mais alta não tiveram alteração de desempenho. Já em junho a queda foi de 78% para os de baixa renda.

A consultoria McKinsey também produziu uma análise indicando que os estudantes “perderão” sete meses, com os estudantes negros e latinos perdendo em média 10 meses de aprendizado por causa do fechamento das escolas.

Por compreender os efeitos da pandemia na ampliação da desigualdade educacional, a cidade de Nova York decidiu não reprovar estudantes este ano. Aqueles com desempenho abaixo do esperado serão acompanhados e terão atividades de reforço nas férias e no próximo ano letivo.
Sem internet, merenda e lugar para estudar: veja obstáculos do ...
Alunos do sertão nordestino recebiam merenda em centros educacionais - com aulas suspensas,
passam fome e sede. Projeto voluntário coloca em prática ações emergenciais para ajudar a população.

Foto: Divulgação/Amigos do Bem

No Brasil, onde a desigualdade é ainda maior do que a americana, é urgente adotar medidas capazes de recuperar as aprendizagens dos estudantes. Se o dilema de um pai de classe média é dividir o computador que usa para trabalhar com o filho que realiza tarefas da escola, os mais pobres não têm sequer um espaço em casa para estudar.

É preciso coragem para flexibilizar o currículo, escolher aquilo que deve ser ensinado até o fim deste ano com qualidade, entender este ano letivo e o próximo como um ciclo e garantir que todos aprendam o esperado em dois anos letivos.

Nossos estudantes não podem ser vítimas de uma prática cruel: o simulacro, um processo em que se finge que se ensina e se aprende.

No momento em que escrevo esse artigo chega a notícia de que Pequim cancelou a volta às aulas porque foram registradas transferências comunitárias de Covid-19 na cidade. O Brasil, onde a epidemia é mais grave que na China, está abrindo suas cidades.

Qual o melhor caminho no caso da educação? Começar pela educação infantil, para facilitar a volta ao trabalho das mães? Ou pelos maiores, onde o risco de transmissão é mais baixo? Usar o critério técnico ou o político?

Aprendemos algumas coisas nesta pandemia, como a capacidade de reinvenção e de entrega dos professores, que na maioria das vezes com recursos próprios têm se desdobrado para dar aulas ou elaborar materiais para uso remoto.

Nenhum profissional é hoje tão acompanhado quanto o professor. Com os filhos em casa, pais e responsáveis têm clareza de que a docência não é trabalho para amadores.

Também aprendemos a necessidade de repensar a relação entre tecnologia e educação:
* O fetiche das salas de aula hiperconectadas deverá ser substituído pelo uso mais intensivo da tecnologia como suporte à aprendizagem e
* a uma mudança na organização das aulas, com menos tempo dedicado à transmissão de conhecimento e mais às atividades coletivas.

A fotografia que emerge na educação após 90 dias de isolamento não é bela. Mas nos dá a oportunidade de compreender o tamanho das nossas desigualdades educacionais e enfrentá-las.

Basta eleger a redução dessas desigualdades educacionais como meta, em detrimento da compra de sistemas e aplicativos milagrosos.

* Alexandre Schneider é pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

Fonte: Folha de S. Paulo – Coronavírus – Saúde – Domingo, 14 de junho de 2020 – Página B2 – Internet: clique aqui.
Escolas deveriam se tornar ponto de apoio às famílias na periferia ... 
Escolas deveriam se tornar ponto de
apoio às famílias

Adriano Sousa*

Instituições de ensino poderiam fazer distribuição de cestas básicas
no lugar das merendas e dar apoio psicológico

Caminhamos para cem dias sem aulas presenciais nas redes de ensino básico regular de São Paulo e também nas diversas iniciativas de educação popular, como a Uneafro-Brasil, que preparam jovens negras, negros e periféricos para entrarem nas universidades públicas e particulares (neste caso, principalmente as que oferecem bolsas do ProUni e Fies).

Entre as alternativas para “salvar” o ano letivo no ensino básico e manter os estudantes focados na preparação para os principais vestibulares, as ferramentas de EAD (educação a distância) têm despontado como “solução” em tempos de pandemia.

O contexto é grave e até as escolas particulares que tomaram essa medida enfrentam dificuldades. Seu quadro docente está se capacitando às pressas para transportar o ensino presencial para o virtual, em novas plataformas que se multiplicam.

E se é assim nas escolas particulares, que contam com mais estrutura,
no ensino público a dificuldade é infinitamente maior:
como garantir ensino a distância para uma massa de estudantes
que não possui acesso à internet e que, quando se conecta,
o faz a partir de aparelhos defasados e com pacotes de dados limitados?

Quando se discute acesso ao ensino virtual, conseguir estudar em casa tem se mostrado um privilégio de poucos: no Brasil,
* 33% dos domicílios não têm internet e
* 58% não têm nem mesmo acesso a computadores,
segundo dados da pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), publicada em 2019 e referente a 2018.

Esse percentual inclui jovens que estão preocupados com o presente de suas famílias, que perderam o emprego e a renda e se depararam com uma situação crítica, e que agora também correm o risco de serem obrigados a realizar o Enem, mesmo sendo visivelmente os mais prejudicados pela pandemia.

Trata-se da realidade que atinge em cheio trabalhadores e trabalhadoras brasileiras, moradores das periferias urbanas e dos rincões rurais do país, territórios onde vive uma população de maioria negra e indígena. Como se preparar para o futuro se o presente é uma ameaça?
Alunos de hoje serão formados em mundo revirado pela pandemia - 13 ...
A pedagoga Simone Inácio, com os filhos, Isadora e Isaac, fazendo atividades em casa
Foto: Danielle Lobato / Agência Mural / Folhapress

No ensino básico público, uma alternativa seria tornar as escolas prioritariamente ponto de apoio às famílias:
a) com distribuição universal de cestas básicas para os estudantes no lugar das merendas e
b) a efetivação, em regime de urgência da Lei Federal 13.935/2019, promulgada no final do ano passado pelo Senado, que institui a obrigatoriedade da presença de assistentes sociais e psicólogos nas escolas.

Esses profissionais atuariam nos territórios reforçando a rede de assistência social municipal, orientando a população sobre como acessar renda e serviços, além de apoiá-la psicologicamente nesse momento de relações pessoais fraturadas.

Essas questões deveriam ser prioritárias, pois, segundo depoimentos de professores da rede municipal de ensino da região de Sapopemba, por exemplo, a cada 30 alunos matriculados nas plataformas digitais em média 5 participam das atividades. Somente após a pandemia realmente controlada e com o reforço em aulas presenciais poderemos ter um ensino-aprendizagem de qualidade.

No âmbito da educação popular, o foco tem sido justamente o apoio material e alimentar e as orientações de saúde e psicológicas para alunos e familiares. Como exemplo temos as campanhas Agentes Populares de Saúde e Combate ao Genocídio pela Covid-19, promovidas pela Uneafro-Brasil, oferecendo respectivamente orientações de saúde e arrecadando valores convertidos em cestas básicas para as comunidades periféricas das áreas dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro onde o movimento atua.

Na frente de educação, engrossamos a organização de cursinhos populares, de entidades estudantis de todo o país e da plataforma Nossas na campanha Sem Aula, Sem Enem, que pauta o adiamento da prova para 2021, assim que os anos letivos tenham, de fato, se encerrado.

De todo modo, entendemos que para aqueles que conseguem se preparar para o Enem é essencial o acesso à internet e, por isso, nos juntamos ao mesmo grupo na campanha de financiamento 4G Para Estudar, que pauta o acesso à internet para jovens negros e periféricos a partir de financiamento coletivo para compra de dados de celular.

A campanha tem sensibilizado amplos setores da sociedade, tendo atingido sua primeira meta – R$ 100 mil – em menos de 24h. Agora o grupo trabalha para aumentar a arrecadação até R$ 350 mil, para incluir mais cursinhos e aumentar a cobertura mensal de dados dos estudantes dos pré-vestibulares já contemplados. O funcionamento do Núcleo Virtual da Uneafro, por exemplo, depende em muito do sucesso dessa iniciativa.

De todo modo, percebemos o quanto a educação popular, mesmo com suas limitações materiais, pode fornecer meios para pautar um outro papel para a escola pública, no auxílio geral à população, e o questionamento da exclusão digital de nossos jovens de periferia. Prova de que a organização dos movimentos negros e periféricos muito tem a oferecer para a superação das desigualdades no país.

* Adriano Sousa é Bacharel em história e mestrando em história social na USP; atua como educador popular e coordenador da Uneafro-Brasil na zona leste de São Paulo.

Fonte: Folha de S. Paulo – Coronavírus – Saúde – Domingo, 14 de junho de 2020 – Página B5 – Internet: clique aqui.

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