O “bicho papão” de sempre
Sempre
que pessoas autoritárias querem se impor, tiram do bolso a ameaça do “comunismo”
Maurício
Horta
Mais um mito cai por
terra:
os militares não
deram o golpe de 1964 para evitar que o
comunismo dominasse o
Brasil
“Marxistas estão organizando camponeses no Brasil”,
estampava a primeira página do [jornal] The New York Times, no dia 23 de
outubro de 1960. O jornal tinha enviado seu correspondente Tad Szulc ao
engenho Galileia, nos campos canavieiros de Pernambuco, onde nasceram as Ligas
Camponesas – sociedades de ajuda mútua de camponeses que surgiram em 1955
com o mero intuito de prover caixões dignos para seus mortos, mas que chegaram
aos anos 1960 como o maior movimento rural do País. Nas palavras exaltadas de
Szulc, as Ligas tinham feito do Nordeste brasileiro um criadouro para a
“organização e doutrinação” de comunistas, com objetivo de criar um “exército
político de 40 milhões”.
Essa história era familiar para a opinião pública americana e
refletia um medo comum entre militares brasileiros – o de que comunistas
estavam preparando uma guerra revolucionária para fazer do Brasil uma grande
Cuba. A movimentação das Ligas no campo e de sindicatos com dirigentes
comunistas nas cidades seria um sintoma disso. Mas não era para tanto. Embora a
revolução cubana e a figura romântica de Che Guevara pudessem inspirar jovens
idealistas, a luta armada estava fora dos planos das esquerdas brasileiras.
João Goulart - apelidado de "JANGO" |
João Goulart não era comunista
Para começar, Jango não era comunista. Marxistas ortodoxos defendem o fim
da propriedade privada dos meios de produção. Já Jango era um advogado
proprietário de terras gaúchas. Mas esse tipo de detalhe não importava. Nos
tempos de Guerra Fria, bastava dialogar com a esquerda para ser comunista. A
base eleitoral de Jango sempre foram trabalhadores e as camadas mais pobres. No
Ministério do Trabalho de Getúlio (1953-1954), apoiou sindicatos, não reprimiu
greves e tentou dobrar o salário mínimo. Acabou demitido. No Planalto,
aproximou-se dos movimentos sociais para pressionar o Congresso nas ruas a
aprovar reformas. Acabou deposto.
Seu partido, o PTB, também passava longe do comunismo. Pelo contrário, foi criado por
Getúlio Vargas, em 1945, para disputar com os comunistas o eleitorado de trabalhadores
urbanos. Enquanto o PCB [Partido Comunista Brasileiro] falava em “luta de
classes”, o PTB usava o Ministério do Trabalho para domesticar os sindicatos.
Assim, Getúlio ficou para a história como “pai dos pobres – e mãe dos ricos”.
Conforme o País se industrializou, uma ala do PTB deu uma
guinada em direção a um nacionalismo de esquerda. Quando governou o Rio Grande
do Sul (1959-1963), Brizola encampou as companhias americanas que forneciam
eletricidade e telefonia no Estado, e ameaçou uma guerra civil para garantir a
posse de Jango, em 1961. Mas esse nacionalismo radical não se confundia com
comunismo. Estava muito mais próximo do anti-imperialismo do egípcio
Nasser, do indiano Nehru e do indonésio Sukarno, líderes que rejeitavam a
liderança tanto dos EUA quanto da URSS na Guerra Fria.
Partido Comunista escolheu a via legal e eleitoral
Até o velho PCB perdeu o espírito revolucionário. Em 1958, o Partidão renunciou à
revolução armada. Em vez de lutar contra a burguesia, seu novo objetivo era
chegar ao poder pela via legal, apoiando um governo nacionalista eleito.
Jango era o aliado perfeito. Uma vez no poder, o PCB passaria a lutar contra o
“imperialismo” (o capital estrangeiro) e o “feudalismo” (o latifúndio). Empurrara
com a barriga a “ditadura do proletariado”, com prazo indeterminado.
“Com a posse de Goulart, a ideologia do PCB parecia encontrar
uma base real de sustentação política”, afirma Marcelo Ridenti, professor de
sociologia da Unicamp. “O chamado populismo de esquerda e o PCB tinham
muitos pontos de contato. Ambos reivindicavam a libertação do povo para a
construção de uma nação brasileira, independente do imperialismo e livre do
atraso feudal remanescente no campo.”
![As Reformas de Base, o Golpe de 1964 e o Anticomunismo - A Verdade ...](https://averdade.org.br/novo/wp-content/uploads/2015/01/capa-%C3%BAltima-hora.jpg)
Inventando um “inimigo interno”
Mas a direita civil e militar tinha seus motivos para ver a
radicalização de outra forma. Desde meados da década de 1950, a Escola Superior de
Guerra e outros think tanks [pensadores, criadores de opinião] de
direita divulgavam o temor de que uma guerra não convencional estava em
curso no Terceiro Mundo, com o objetivo de implantar o comunismo. Já tinha
acontecido na Indochina (1946), em Cuba (1956-1959) e na Argélia (1956-1962).
Esse conflito não envolveria Estados, mas um “inimigo interno”, que
agiria em todos os níveis da sociedade. Seus meios seriam a doutrinação,
a mobilização de massas e a luta armada. No Brasil, só faltaria o
último elemento. [Repare: é a mesma cantilena dos
tempos de agora, no Brasil!]
Tudo ficava mais ameaçador para a direita com a popularidade
da Revolução Cubana entre a esquerda. “Ela foi muito bem recebida por
todas as correntes ditas progressistas no início da década de 1960, da esquerda
católica aos comunistas, dos trabalhistas aos socialistas”, afirma Ridenti.
Mas não havia risco real de que se instalasse no Brasil
uma Cuba do Sul. Uma coisa era celebrar o simbolismo do Davi latino contra
o Golias americano. Outra coisa era pegar em armas pela revolução. Enquanto
o Brasil foi uma democracia, a luta armada ficou de fora. Em vez disso, a
esquerda abraçava a estratégia pacífica do PCB de se aliar a Jango e pressionar
por reformas nas ruas. Foi somente com o golpe de 1964 que grupos debandaram
do Partidão e abraçaram o modelo de revolução de Fidel Castro. Se essas
pequenas e malsucedidas guerrilhas tentaram fazer do Brasil uma segunda Cuba,
foi em grande parte em reação ao próprio golpe.
Fonte: Super Interessante – História – Dossiê “21 mitos sobre a
Ditadura Militar” – 02 de outubro de 2018 – Publicado às 16h44 – Acesso em:
30/06/2020 – às 17h00 – Internet: clique aqui.
O
comunismo como um perigo inventado
no
Brasil
Alex Ribeiro
Historiador, Cientista Político e Jornalista
“O comunismo
constitui-se o
inimigo mais perigoso
da civilização cristã”,
disse Getúlio Vargas
![]() |
Comitiva de Getúlio Vargas (ao centro) durante a passagem por Itararé (SP) a caminho do Rio de Janeiro após a Revolução de 1930 Fonte: Agência Senado |
“O comunismo constitui-se o inimigo mais perigoso da
civilização cristã”, disse Getúlio Vargas antes de implantar o chamado
Estado Novo em 1937 no Brasil. O discurso contra os simpatizantes ao regime
comunista assim se solidificava no País e ainda reflete nos dias atuais.
Um dos grandes desafios em relação ao comunismo é a falta de
informação sobre esta ideia que sempre foi colocada em oposição ao capitalismo. As eleições de 2018 escancaram
esta desinformação realizada nas redes sociais e reproduzida para boa parte da
população.
O comunismo, mesmo, jamais foi aplicado
Apesar de toda narrativa contra, o comunismo sempre ficou
no campo das ideias e
nunca chegou perto de sua formulação ideal no mundo e muito
menos no Brasil. De
acordo com Dicionário de Conceitos Históricos, o termo é um conjunto
articulado teórico que baseia um tipo de sociedade e também uma ação política
fundamentado na luta da classe trabalhadora com as classes dominantes.
![ABCs do Socialismo – O Minhocário](https://ominhocario.files.wordpress.com/2016/07/6-2.png?w=558)
Confusão entre comunismo e socialismo
A ideia do comunismo também é confundida com o socialismo. Os dois termos não foram diferenciados
pelos seus principais idealizadores: Karl Marx e Friedrich Engels.
Como surgiram nos movimentos políticos do século XIX, alguns
grupos seguiram
caminhos diferentes:
* Uns queriam optar pela derrubada do sistema capitalista para
adoção imediata do comunismo e
* outros pretendiam chegar ao poder com medidas mais pacíficas
e de reformas progressistas – estes começaram a ser chamados de socialistas.
O socialismo foi o ideal de vários movimentos espalhados pelo
mundo se espelharam
em uma das figuras da Revolução Russa: Lenin. A Guerra Fria e outros movimentos
ocorridos na Ásia e América Latina tiveram os ideais soviéticos como espelho e
não a passagem pacífica do capitalismo ao comunismo como era argumentado por
Marx e Engels.
![]() |
Gen. Pedro Aurélio de Góis Monteiro (1889-1956) |
Fazendo a cabeça dos católicos e da classe média
Vale lembrar que as práticas sobre um ideal comunista eram
diferentes em muitos lugares. No Brasil, muitas vezes nem se chegava a ser
um projeto de poder. Quando alguns grupos surgiam com apreço a políticas
públicas progressistas, de imediato eram associados ao comunismo e havia uma
narrativa, fortalecida pela repressão e propaganda, que o sistema iria contra
as famílias e os cristãos.
De acordo com Lilia Schwarcz e Heloisa
Starling,
o discurso feito na época de Vargas,
consolidou um imaginário anticomunista
em boa parte da população católica
e das classes médias e altas.
Esse imaginário foi fortalecido pelo General Góis Monteiro
que defendeu a suspeição de direitos individuais dos políticos e lideranças
populares que tinha apreço pelos ideais comunistas. O mesmo membro das forças
armadas também foi responsável pela mesma repreensão na Ditadura Civil Militar
Brasileira (1964-1985). Os anos de chumbo no Brasil repudiavam as pessoas
que iriam contra o regime, que eram chamados de terroristas e consequentemente
associados ao comunismo.
Isso foi postergado na campanha de 1989, na qual o então
candidato à presidência da República Fernando Collor de Melo alertava o perigo
dos ideais comunistas e “da nossa bandeira jamais será vermelha”. [E todo mundo sabe o que aprontou Collor de Melo para o nosso
país!]
Com esses discursos qualquer grupo que estampa a cor
vermelha em sua bandeira é taxado de comunista. Este sistema, que ficou
preso no campo das ideias, virou um temor
apocalíptico. A análise ficou tão delicada que vários atos
realizados por sindicatos e grupos que representam a classe trabalhadora são
taxados de “desocupados” e “vagabundos”. Onde parece que reivindicar alguma
coisa do sistema vigente é ser contra o país, a não ser que esteja trajado
das cores verde e amarela – práticas realizadas em campanhas por Vargas,
militares e Collor, e sabemos como terminaram essas histórias.
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