Destruindo o nosso futuro!
Brasil
foi responsável por um terço da perda de florestas virgens no mundo em 2019
Camilla Costa
De janeiro a dezembro de 2019,
o Brasil perdeu cerca de 1.361.000 hectares
(13.610 km²)
de floresta tropical virgem, ou seja,
um terço do que foi perdido em todo o planeta
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As queimadas já são a etapa final de todo um processo de degradação e destruição da floresta Amazônica |
É o que
afirma um relatório do Global Forest Watch, organização que mantém uma
plataforma online de monitoramento global de florestas.
As florestas
primárias, ou virgens, são aquelas que se encontram em seu estado original
— não afetadas, ou afetadas o mínimo possível, pela ação humana. Por serem mais
antigas, elas têm mais diversidade de espécies, armazenam mais carbono e são
consideradas essenciais no combate à mudança climática.
Em 2019, segundo o
novo relatório da Global Forest Watch, o mundo perdeu 3,8 milhões de
hectares de florestas primárias tropicais — uma área quase do tamanho da Suíça,
ou o equivalente a um campo de futebol a cada 6 segundos.
No
Brasil, 95% da perda ocorreu na Amazônia, de acordo com a organização, que
utiliza dados do monitoramento por satélite feito pela Universidade de
Maryland, nos Estados Unidos, em parceria com o Google, a Nasa e o Serviço
Geológico dos Estados Unidos.
Analistas
do Global Forest Watch apontaram, como principais razões da perda, para o
desmatamento por:
* ação humana
(criação de pastos, especulação de terra) e
* incêndios.
Em segundo
e terceiro lugar, a República Democrática do Congo e a Indonésia tiveram
pequenas reduções na área de floresta virgem que perderam no ano passado.
E a Bolívia
chegou ao quarto lugar da lista, por causa dos incêndios que devastaram áreas
de alta biodiversidade no país em agosto de 2019.
![gráfico de países que mais perderam florestas virgens](https://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/10ACD/production/_112610386_10-paises-perdida-bosque-por-nc.png)
Incêndios
foram “sintoma” de desmatamento
As
florestas tropicais virgens costumam ter espécies muito antigas de árvores, que
armazenam mais carbono.
Segundo
especialistas, elas podem levar centenas de anos para se recuperar. Isso
se forem deixadas intocadas após processos de desmatamento ou de degradação —
resultantes de eventos climáticos, como secas, ou da ação humana, como
queimadas e corte de árvores — que podem deixar a floresta gradualmente mais
vulnerável e incapaz de funcionar.
No entanto,
ao contrário do que ocorreu na Bolívia, os incêndios no Brasil em 2019 não
tiveram uma grande contribuição na perda de floresta virgem, segundo a analista
da Global Forest Watch, Mikaela Weisse.
“A maior
parte dos incêndios que vimos no Brasil no ano passado não aconteceu nas
florestas virgens, mas, sim, em áreas que já estavam desmatadas e que
fazendeiros estavam preparando para o pasto e para a agricultura”, disse à BBC
News Brasil.
![gráfico do que é possível encontrar em um campo de futebol](https://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/E3BD/production/_112610385_bioma-hectarea-amazonas-pt-nc.png)
Segundo o
órgão, as queimadas que chamaram a atenção do mundo a partir de agosto de 2019,
“parecem ter sido um sintoma da perda de florestas primárias, mais do que uma
causa direta”.
“Na
Amazônia, só 20% dos incêndios que observamos ocorreu em florestas ainda
virgens, 30% ocorreu em áreas onde já havia acontecido perda de mata e os
outros 50% aconteceram em áreas que já não tinham florestas ou onde a floresta
era secundária (em processo de recuperação).”
As perdas
brasileiras sinalizam uma expansão das fronteiras do desmatamento, que
estão de acordo com o que cientistas do Brasil também estão observando,
especialmente próximo a áreas de conservação e territórios indígenas.
“Desde 2013
vemos um aumento do ritmo da abertura da mata virgem. E nos últimos anos,
especialmente, isso se acelerou”, disse à BBC News Brasil o especialista em
sensoriamento remoto Cláudio Almeida, coordenador do programa de
monitoramento da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Mudança
no estilo de desmatamento
“Mas também
houve uma mudança. Lá na década de 80 o sujeito passava o correntão, derrubava
as árvores e pronto. Nos últimos 10 anos ele vai degradando a área. Começa a
tirar madeira em um ano, queima um pouco em outro. Só no final faz um corte
raso e, por fim, queima tudo.”
Na segunda
metade de 2019, segundo Almeida, um cruzamento de dados feito por analistas do
Inpe mostrou que entre os dez municípios com o maior número de queimadas,
nove tinham também o maior número de alertas de desmatamento contabilizados no
sistema Deter.
“Isso
mostra que existe uma relação forte entre um e outro. O incêndio era o ponto
final do processo de desmatamento. No período seco, a pessoa derruba a
área, ela fica secando e em agosto, setembro, aquela biomassa é queimada.”
Diferenças
na medição
O
monitoramento de perda de floresta primária da Global Forest Watch detecta
perturbações em trechos de mata maiores que 0,09 hectares (0,0009 km²), com
vegetação a partir de 5 metros de altura, com causas que vão desde o corte
seletivo de madeira até o fogo rasteiro.
Não há
diferenciação entre os processos de desmatamento, que é como se considera o
corte raso de um trecho de floresta, e de degradação.
Por isso,
os números divulgados pelo órgão costumam ser diferentes dos dados obtidos pelo
sistema Prodes, do Inpe, no Brasil.
Ambas as
medições, no entanto, podem ser consideradas importantes, e até mesmo
complementares, segundo Cláudio Almeida, do Inpe.
“O Prodes é
um sistema bastante preciso, mas só mede o final do processo, o desmatamento
total de um trecho de floresta primária. Ao longo desse processo ocorrem vários
estágios de degradação. Enquanto existe algum tipo cobertura florestal, o
Prodes não pega”, explica.
Isso
significa que, em muitos casos, a perda de floresta virgem apontada pelo
Global Forest Watch é ainda o início de um processo de desmatamento que o
sistema brasileiro só vai contabilizar mais adiante.
O Prodes
detecta, por imagens de satélite, áreas maiores que 6,25 hectares (0,0625 km²)
em que houve desmatamento por corte raso. Os dados são contabilizados entre
julho de um ano e agosto do ano seguinte. Já a Global Forest Watch contabiliza
a perda de florestas entre janeiro e dezembro de um determinado ano.
![gráfico de perda de floresta primária no Brasil](https://ichef.bbci.co.uk/news/624/cpsprodpb/131DD/production/_112610387_perdida-bosque-primario-brasil-por-nc-1.png)
Uma destas
diferenças entre os dois sistemas pode ser observada nos dados de 2016 e 2017.
A Global Forest Watch registra uma perda recorde de florestas virgens no
Brasil, causada principalmente por incêndios em larga escala.
“Nesse
caso, no entanto, eles eram de fogo rasteiro, que queima por debaixo das
árvores e, muitas vezes, é menos visível para os satélites. E estavam mais
relacionados à seca provocada pelo El Niño de 2015, uma das piores já
registradas. E causaram degradação nas florestas”, disse à BBC News Brasil o
botânico Jos Barlow, professor da Universidade de Lancaster, no Reino
Unido, e pesquisador da Rede Amazônia Sustentável (RAS).
O Prodes
também mostra aumento do desmatamento nestes anos, mas não um pico tão grande.
Em parte, por causa da diferença no período analisado e também porque nem todos
aqueles trechos de floresta virgem que sofreram incêndios terminaram por ser
completamente desmatados.
Desmatamento
continua em tendência de aumento
Os dados do
Prodes mostram que, entre agosto de 2018 e julho de 2019, o Brasil
perdeu 1,01 milhão de hectares (10,1 mil km²) de Amazônia, o maior volume dos
últimos 11 anos.
Ainda não
há números consolidados para o período seguinte, mas o Sistema de Detecção do
Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), que emite os alertas de
desmatamento e orienta as ações de fiscalização, mostra que entre agosto de
2019 e março de 2020, 507 mil hectares (5 mil km²) foram desmatados — quase o
dobro do mesmo período no ano anterior.
Ambientalistas
atribuem o aumento às políticas do presidente Jair Bolsonaro, que
afirmou em algumas ocasiões que atividades como agricultura e mineração,
inclusive em áreas protegidas e territórios indígenas, poderiam tirar a região
da pobreza.
Em resposta
a críticas dentro e fora do país após os incêndios em 2019, Bolsonaro autorizou
o envio das Forças Armadas para combater os incêndios florestais na região, e
criou o Conselho da Amazônia, coordenado pelo vice-presidente, general
Hamilton Mourão.
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Dados preliminares do Inpe mostram que desmatamento continuou crescendo no primeiro semestre de 2020 |
No entanto,
um decreto recente do governo foi criticado por colocar as rédeas das ações
de fiscalização e combate ao desmatamento nas mãos das Forças Armadas —
tirando-as do Ibama, que passou a ser subordinado aos militares.
“Mandar o
Exército parece contraintuitivo se você está deixando de financiar as
agências ambientais que faziam bem o trabalho há tantos anos. Mandar o
Exército parece uma medida de curto prazo pra ter impacto na mídia
internacional, mas não parece algo que vá resolver o problema da degradação e
do desmatamento na Amazônia”, diz Jos Barlow, da Universidade de Lancaster.
O governo
anunciou que, até o dia 21/05, “26 pessoas foram presas por delitos ambientais
e outros crimes durante as ações do Exército, e que foram aplicadas multas no
valor de R$ 8,7 milhões”. Além disso, foram apreendidos motosserras, tratores,
caminhões e embarcações.
O Exército,
no entanto, descartou a destruição do equipamento apreendido, que
críticos dizem ser uma sinalização de que o governo não estaria realmente
disposto a combater as atividades ilegais.
Segundo o
engenheiro agrônomo André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (IPAM), os dados indicam que o desmatamento deste ano
vai superar o do ano anterior, mesmo com as ações do governo.
“No ano
passado o governo começou a agir em outubro, no fim do ciclo de desmatamento.
Esse ano, parece que começou a agir mais cedo, vamos ver se terá resultado”,
disse à BBC News Brasil.
“No ano
passado, por conta da comoção com os incêndios, viu-se alguma ação de comando e
controle que ajudou a baixar a taxa de desmatamento em outubro e novembro. Mas você
precisa criar as condições para incentivar quem quer produzir sustentavelmente.
Colocar o Exército na floresta ajuda, mas não é suficiente.”
A
reportagem questionou a vice-presidência sobre os planos para o desenvolvimento
da região e sobre as críticas às ações de fiscalização, mas não recebeu
resposta.
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