Igreja para quê?
“A
Igreja existe para todos, não apenas para aqueles que têm fé”
Céline Hoyeau
La
Croix – Paris (França)
30-05-2020
Entrevista
com Tomáš Halík
Padre
católico, filósofo e teólogo checo de renome internacional
A pandemia é um “sinal dos tempos” para a
Igreja, chamada a sair
de seu confinamento espiritual
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TOMÁŠ HALÍK |
Como
você viveu o confinamento e o que você tirou dessa situação pessoalmente?
Tomáš
Halík: Durante o período letivo universitário, minha vida é muito
movimentada, entre aulas na universidade, no exterior, a direção da paróquia e
a Academia Cristã Tcheca, sem esquecer a participação em projetos de pesquisa
internacionais. Assim, todo verão, há vinte anos, passo um mês na floresta, em
total solidão: não tenho acesso à mídia ou à internet, fico apenas meditando,
estudando e escrevendo. Sem esse silêncio, eu não teria sobrevivido
fisicamente, mentalmente e, acima de tudo, espiritualmente. O confinamento
imediatamente me pareceu um "eremitério substituto". Na realidade,
não foi nada disso: passei o tempo dando palestras on-line para estudantes e
meditações para meus paroquianos. No entanto, tentei reservar tempo todos
os dias para meditar serenamente e continuar o que tentei desenvolver nos
últimos anos: uma "kairologia", isto é, uma interpretação
teológica dos eventos sociais e culturais, uma leitura contemplativa dos
"sinais dos tempos". É algo que me parece indispensável na
situação atual.
Essa
crise tem, para você, algo semelhante ao "confinamento" que você
viveu sob o regime comunista, na Igreja clandestina?
Tomáš
Halík: É verdade que, em parte, me lembrou os onze anos em que servi
"clandestinamente" como padre sob perseguição comunista. Também
naquela época, celebrei a Páscoa em casas particulares, em uma mesa comum, sem
música, órgão ou incenso. Mas a dissidência cultural e religiosa não era tão
isolada na Checoslováquia nos anos 70-80 do século passado. Muitos filósofos e
teólogos vieram a Praga oficialmente por motivos turísticos e realizaram
conferências em apartamentos particulares - Paul Ricoeur, Jacques Derrida,
Walter Kasper, Hans Küng... Não era mais o terror dos anos 1950, quando a
geração de nossos professores tinha conhecido na prisão e nos campos de
concentração stalinistas a experiência de pequenas assembleias secretas com um
pedaço de pão contrabandeado etc. Alguns interpretaram isso como uma lição de
Deus para purificar a Igreja do triunfalismo do passado. Então, após sua
libertação, no final dos anos 1960, eles imediatamente entenderam o espírito
do Vaticano II, aquela Igreja simples, ecumênica e aberta
com a qual haviam sonhado durante sua detenção.
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PRIMAVERA DE PRAGA Invasão de tanques soviéticos em 21/08/1968 encerrou a Primavera e deu início a 20 anos de ocupação na Checoslováquia |
Você
também faz parte desta herança. O que o levou à fé em um dos países mais ateus
do mundo?
Tomáš
Halík: Eu cresci em uma família intelectual em Praga, caracterizada
por um espírito de humanismo laico. Em minha casa, considerávamos o
cristianismo como parte da herança cultural do passado. Nas décadas de 1950 e
1960, a Igreja havia sido expulsa da vida pública, e eu não conheci nenhum
católico praticante antes da idade adulta. Minha jornada de fé passou por
vários estágios. Começou com um fascínio estético pela arte, pela
arquitetura eclesiástica e música espiritual. A contestação política do
regime, que impôs militarmente uma ideologia ateísta, também teve um papel
importante. Depois veio a inspiração intelectual através da literatura -
Graham Greene, François Mauriac, Georges Bernanos, Léon Bloy, G.K. Chesterton
etc. Durante a primavera de Praga, em 1968, conheci toda uma geração de
padres, teólogos e intelectuais católicos que estavam voltando da prisão.
Foi então que a Igreja assumiu um rosto humano para mim. Foi também a época em
que fui para o Ocidente pela primeira vez - para um intercâmbio na Holanda, depois
na Grã-Bretanha, onde eu estava bem na época da ocupação da Checoslováquia pelo exército soviético. Era agosto de 1968. Pensei em ficar no exterior. Mas a
carta de amigos que me contaram que muitos tchecos emigraram e que a oposição
estava muito enfraquecida me fez voltar.
Sua
fé estava intimamente ligada a esse contexto de resistência...
Tomáš
Halík: Sim. Logo após meu retorno, meu colega imolou-se com fogo
para protestar contra o início da colaboração e o enfraquecimento da
resistência. Fiquei muito abalado e organizei um réquiem para ele. Levei
sua máscara mortuária para a igreja, depois para a faculdade de arte, e foi
um momento crucial para mim. Eu tive algum tipo de diálogo interior com meu
colega falecido. Como se o gesto dele me lançasse um desafio ao qual eu tinha
que responder. Ao que eu teria doado a minha vida? Acho que foi o começo da
minha decisão de me tornar padre, mas naquela época havia apenas um
seminário na Boêmia, controlado pela polícia secreta. Apenas candidatos sem
formação universitária eram admitidos. Mas estava terminando meus estudos em
filosofia e sociologia. Durante a entrega do diploma de doutorado, em meu
discurso agradeci aos professores que haviam sido expulsos da universidade por
razões políticas e encerrei com uma citação de Karel Capek: "A verdade
importa mais que o poder, porque é permanente".
Você
sabia que isso lhe causaria problemas...
Tomáš
Halík: É claro. Eu estava na lista negra do regime: até o final
do comunismo, não tive permissão para ensinar na universidade, publicar ou
viajar para o Ocidente, e fui submetido a vários interrogatórios pela
polícia secreta. Exerci várias profissões, em particular fui psicoterapeuta de
alcoolistas e dependentes químicos (de 1984 a 1990 no Centro Hospitalar de
Praga, ndr). A única maneira de me tornar padre era eu estudar
teologia secretamente e ser ordenado clandestinamente em Erfurt, na Alemanha
Oriental. Nem minha mãe ficou sabendo. Foi pouco antes da entronização de
João Paulo II, em outubro de 1978. Entrei para um conselho clandestino de
padres e leigos que refletiam sobre a estratégia da Igreja naquelas condições
difíceis e sobre o futuro, e me tornei um colaborador próximo ao cardeal
Tomasek, que era um símbolo de resistência ao regime.
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František Tomášek (1899-1992) arcebispo de Praga de 1978 a 1991 |
Você
conheceu a dificuldade de ser cristão sob um regime abertamente ateu. As coisas
se tornaram mais simples hoje, apesar da indiferença e do relativismo?
Tomáš
Halík: Prefiro responder com uma anedota judaica. Na sinagoga,
estava escrito: "Quem entra com a cabeça descoberta, faz o mesmo que
adúltero". No dia seguinte, alguém escreveu: "Experimentei ambas as
coisas, mas são incomparáveis!". Eu fiz a experiência do comunismo e da
democracia liberal: não há nada de comparável! Naquela época, acima de tudo,
precisávamos de coragem, hoje precisamos de sabedoria, para
discernir com cuidado, longe de qualquer visão maniqueísta do mundo.
O
que permite que essa sabedoria cresça? Quais são seus recursos espirituais?
Tomáš
Halík: O principal para mim é a contemplação. Devemos acalmar
nossas primeiras reações imaturas ao que está acontecendo ao nosso redor e
dentro de nós. Nosso "homem exterior", nosso ego, frequentemente
permanece no limiar e não quer nos deixar passar. Mas Jesus diz: "Eu sou a
porta".
Acima da
minha cama, há uma grande imagem moderna de Cristo ressuscitado, mostrando suas
feridas.
Antes de
adormecer e ao acordar, medito sobre essas feridas. As feridas de Jesus são
a porta do Pai. E as feridas do nosso mundo são as feridas de Jesus:
* essa
pandemia,
* a crise
ecológica,
* a pobreza,
* os abusos
na Igreja...
Não podemos
ignorá-las, sem isso não temos o direito de dizer com o apóstolo Tomé: “Meu
Senhor e meu Deus!". São o lugar onde encontramos Jesus hoje. Eu
não acredito em um Deus sem feridas, em uma fé sem feridas, em uma Igreja sem
feridas.
Você
foi psicoterapeuta por muito tempo. O que a psicologia lhe deu?
Tomáš
Halík: Minha formação, inspirada em particular em Jung, me
ajudou na minha prática de confessor. Também me permitiu identificar
diferentes tipos de religiosidade, frequentemente relacionados a diferentes
bases psicológicas.
Alguns usam
a religião como uma ferramenta para defender uma identidade cultural, por
exemplo. Às vezes são rígidos, autoritários... Para outros, porém, a religião é
vivida por si mesma, como um caminho espiritual, e esses são mais tolerantes,
sensíveis e de mente aberta. A religião pode ser um remédio, mas, também,
pode ser uma arma.
Isso
se relaciona com o que você escreve sobre a fé e a dúvida, que são como
"irmão e irmã"?
Tomáš
Halík: A fé sem pensamento crítico pode levar ao fanatismo e à
intolerância. Até o ateísmo crítico (não estou falando de ateísmo
dogmático estúpido, que é de fato uma pseudo-religião) pode ser um
"servo da teologia": pode ajudar a purificar nosso pensamento de Deus
da idolatria, das projeções de nossos medos e de nossos desejos. Precisamos
da dialética entre fé e dúvida. Não tanto dúvidas sobre Deus, quanto dúvidas
sobre nosso conceito de Deus, sobre o qual projetamos muitas
expectativas. Parece-me que não deveríamos esperar da fé que ela forneça
respostas para todas as nossas perguntas. Antes, devemos encontrar nela a
coragem de entrar na penumbra do mistério e levar as muitas questões abertas e
os paradoxos da vida. A fé não deve deixar de procurar e fazer perguntas,
não deve se petrificar em uma ideologia, nem abandonar sua abertura a um
futuro escatológico.
Como
o cristianismo ainda pode ser uma fonte para as nossas sociedades?
Tomáš
Halík: A época do cristianismo foi superada. Somos uma
voz entre outras na sociedade civil, mas essa voz deve ser clara. Devemos
entrar no debate público sobre temas sociais importantes. A metáfora do
Papa Francisco sobre a Igreja, "hospital de campo", me parece muito
significativa. Um ótimo hospital deve fazer um diagnóstico, terapia, cura e
imunidade. Hoje existem tantas ideologias muito perigosas e precisamos de um
sistema imunológico.
A crise da
globalização da última década fez aflorar nacionalistas e demagogos,
perigosos populistas de ambos os lados do Atlântico. E temo que as
consequências econômicas e sociais da pandemia afetem o cenário político
internacional. O Ocidente subestima muito a guerra híbrida travada pela
Rússia de Putin. Com sua propaganda e apoio financeiro, sustenta os
nacionalistas e destrói a confiança na União Europeia. Essa propaganda
geralmente funciona para os católicos conservadores. A
desintegração da União Europeia seria o suicídio coletivo das nações europeias.
As igrejas, as universidades devem ser um antivírus contra essas doenças.
Se a Igreja
deve desempenhar um papel terapêutico e ser um "hospital de campo",
não pode ficar satisfeita com seu ministério pastoral clássico na paróquia e
com as formas tradicionais de sua atividade missionária. Na minha opinião, em
uma sociedade pluralista secularizada, deve ampliar e aprofundar radicalmente o
que os capelães já fazem em hospitais, prisões, exército, sistema de ensino.
Ou seja, estar ali para todos, e não apenas
para aqueles que tem fé.
Oferecer a todos um acompanhamento espiritual
sem proselitismo,
arrogância clerical ou paternalismo, em
um diálogo e parceria reais,
sem se colocar unicamente na posição de quem ensina,
mas também aceitar
aprender com os outros.
Para mim, é
o modelo da futura Igreja. Se quer permanecer Igreja e não se dobrar sobre si
mesma como uma seita, deve sofrer uma mudança radical em sua percepção de si
mesma e de seu ministério no mundo.
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Uma das mais consagradas obras de Tomáš Halík |
Como
a sua vida o trouxe a essa reflexão?
Tomáš
Halík: O catolicismo francês nos ajudou muito a interpretar
teologicamente nossa situação durante o comunismo. Nossa experiência como
padres na Igreja clandestina lembra de muitas maneiras a missão dos "padres-operários".
Até hoje, permaneci fiel a essa unidade do sacerdócio e da profissão civil -
sou reitor da paróquia universitária e professor de uma universidade laica. O
fato de eu não ter sido formado no seminário nem ter vivido em um presbitério,
mas ter passado a vida entre pessoas comuns me ensinou a conhecer os problemas,
as demandas e a linguagem do mundo laico. E o que faço agora é o resultado de
todos esses anos.
Você
não se identifica no que é chamado de "nova evangelização"?
Tomáš
Halík: Parece-me que essa ideia de João Paulo II foi um pouco mal
compreendida. Baseou-se no estilo das missões de evangelização
estadunidenses. Eu não acredito que essa espiritualidade emocional, com o
hambúrguer em uma mão e a Bíblia na outra e o Aleluia! seja a maneira mais
adequada de se comunicar na Europa. Para mim, a nova evangelização
consiste mais em levar a cultura contemporânea a sério e considerar os pontos
de encontro reais com essa cultura. Desenvolvendo em particular uma cultura da contemplação, que não seja desconectada da
ação: as pessoas têm sede e quando não a encontram na Igreja Católica, vão
procurá-la em outro lugar, nas religiões orientais, no yoga etc. Mas temos isso
em nossa tradição católica, Taizé me parece um bom exemplo.
Como
pensar em Deus hoje e como anunciá-lo?
Tomáš
Halík: O maior pecado da história da teologia e da pregação da
Igreja é acreditar que seja fácil falar de Deus. Essa superficialidade da
devoção barata abriu caminho para um número infinito de noções ingênuas, mas
também perversas e envenenadas de Deus. O teólogo Karl Rahner lembrou,
felizmente, que aquele Deus do tipo que 60 a 80% das pessoas imaginam, não
existe. Evitamos buscar Deus nas tempestades, nos terremotos e nas
pandemias. Os ateus alegam, com razão, que um Deus desse tipo, que inflige
castigos cruéis a seus filhos, é apenas uma projeção de nossos medos e desejos.
Como o
profeta Elias no monte Horeb, temos maior probabilidade de encontrar Deus em
uma brisa leve, ou nas expressões, não ostensivas, de amor e de solidariedade, e no heroísmo
cotidiano gerado nas horas escuras das calamidades. E nessas expressões de amor
e de serviço que restauram a esperança e a coragem de viver que a verdadeira
santidade se manifesta.
Embora Deus
permaneça um mistério, esse mistério nos é aberto graças à humanidade de Jesus.
A humanidade de Jesus é a janela através da qual vemos Deus à obra. Está
aberta não apenas a Deus, mas também a nós, seres humanos, em particular aos
pobres, aos mais fracos, a todos aqueles que precisam de nosso amor e da nossa
proximidade.
A
pandemia nos confrontou com a questão do sentido. É uma oportunidade para o
cristianismo poder dizer sua mensagem, a sua esperança?
Tomáš
Halík: Esse período em que as nossas igrejas ficaram fechadas é um
aviso profético para mim: a menos que a Igreja empreenda a reforma
solicitada pelo Papa Francisco - uma reforma não apenas estrutural, mas,
acima de tudo, uma virada em profundidade, no coração do evangelho - essas
igrejas vazias e trancadas não serão a exceção, mas a regra.
A crise do
cristianismo eclesial não é causada principalmente por forças externas – a
laicidade, o materialismo. Portanto, não pode ser detida nem pelo "catolicismo retrô" atual (essa tentativa
de retornar a um mundo desaparecido), nem por uma "modernização"
vazia e superficial, que simplesmente se limitaria a se conformar ao
"espírito do tempo". "O espírito do tempo” não é certamente o
Espírito Santo: é a língua deste mundo à qual os cristãos não deveriam se
conformar, como escreveu São Paulo. Em vez disso, deveriam ouvir os
"sinais dos tempos" e compreendê-los bem: são a linguagem de Deus nos
eventos da história da qual fazemos parte. Reconheço que não é fácil
distinguir entre o que é "humano, demasiado humano", superficial e
efêmero em nossa história, e o "momento oportuno" (o kairós),
que devemos aceitar e ao qual devemos responder como um desafio lançado por
Deus à nossa fé.
A pandemia
levantou questões espirituais tanto nas pessoas de fé, confrontadas com esse
grande mal, quanto naquelas que se dizem não-crentes, que tendem a se
questionar o sentido da vida. As Igrejas não deveriam se perguntar antes de
tudo como reintegrar as pessoas que estão além de suas fronteiras visíveis
(algo que provavelmente não é uma meta realista), mas sim pensar sobre o tipo
de responsabilidade que podem exercer em relação a elas.
Como
você analisa a crise pela qual o cristianismo está passando (abusos sexuais,
igrejas vazias)?
Tomáš
Halík: O verdadeiro problema vem do fato de a Igreja não ter
conseguido entender ou reagir adequadamente à revolução sexual na década de
1960. Em vez de responder, desenvolvendo uma teologia do amor e da
sexualidade, baseada nas fontes profundas do misticismo cristão, tendeu a
regredir em direção a uma religião de injunções e proibições. A tentativa
de disciplinar a sexualidade o mais severamente possível assumiu uma dimensão
tal que o sexto mandamento (Não desejar a mulher do próximo) pareceu ser o
primeiro - e talvez o único. Passou a se perceber os católicos como aqueles que
sempre falam sobre preservativos, aborto, uniões homossexuais... Até que o Papa
Francisco teve a coragem de denunciar essa "obsessão neurótica" e
nos lembrar do que constitui o coração do cristianismo:
* a
misericórdia,
* o amor
compassivo e solidário com todos, especialmente com os marginalizados,
* a responsabilidade
pelo planeta.
A reação
natural do mundo laico foi: olhem o que está acontecendo em sua casa! Seguiu-se
a isso uma onda mundial de revelações sobre os abusos sexuais. Também foi
revelado que muitos dos que se manifestaram mais enfaticamente contra a
homossexualidade o fizeram para mascarar seus problemas em tal contexto. Muitas
vezes eram pessoas que levavam uma existência "dupla". Quando o papa
começou a falar sobre a verdadeira causa de tal situação – o abuso de poder
na Igreja, o clericalismo - quando, em sua exortação Amoris laetitia,
tentou rever a religião dos fariseus cristãos substituindo-a por uma ética de
misericórdia e da compreensão para com as pessoas em dificuldade, encorajando a
confiança na voz da consciência, despertou um ódio raivoso nos fariseus e nos
escribas de nosso tempo.
O período
em que essas feridas ocultas começaram a ser visíveis no mundo - os últimos
anos do pontificado de Bento XVI e depois no de Francisco - é outro "sinal
dos tempos": coincide com um real despertar das consciências sobre a
dignidade da mulher na sociedade e na Igreja. Se o ignorar, a Igreja
corre o risco de perder grande parte das mulheres, como perdeu sua
influência sobre a classe trabalhadora devido à sua reação tardia aos problemas
sociais da revolução industrial. Devemos dar mais espaço ao seu carisma na
Igreja.
O
que deveria ser inventado?
Tomáš
Halík: Na Páscoa, critiquei a tendência dos católicos de substituir
a celebração eucarística pelo consumo de missas online. A presença real de
Cristo na Eucaristia requer a presença real dos fiéis ao redor do altar e a
presença real dos cristãos na sociedade. No entanto, não podemos voltar com
nostalgia para um mundo desaparecido que não voltará. Eu acredito que uma
forma de cristianismo esteja morrendo. Mas o coração do cristianismo não é
justamente a mensagem da morte que deve preceder a ressurreição? E a
ressurreição não é uma reanimação, o retorno a um estado anterior. Os
Evangelhos nos dizem que Jesus foi transformado, até os seus foram incapazes de
reconhecê-lo à primeira vista. Ele teve que provar sua identidade com suas
feridas.
Eu acredito na “ressurreição” do cristianismo
no futuro – na sua reforma,
no seu aprofundamento e na sua transformação.
Isso
dependerá de como a Igreja será capaz de se comunicar com essas pessoas em
busca de sentido. A teologia deve levar a sério a experiência de
pessoas que estão à margem da Igreja e além de suas fronteiras visíveis. Jesus
não está apenas presente em nossa pregação, em nossos sacramentos, mas vem a
nós, como fez para os discípulos de Emaús, como estrangeiro. “O Espírito
sopra onde quer”.
Traduzido
do francês por Luisa Rabolini.
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