Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolos – Homilia

Evangelho: Mateus 16,13-19

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Enzo Bianchi
Monge, teólogo e biblista italiano

A Igreja é plural e se nutre da diversidade

Esta solenidade reúne em uma única celebração Pedro, que segundo os evangelhos sinóticos foi o primeiro apóstolo chamado por Jesus, a «rocha» da Igreja, e Paulo, que sem ser discípulo de Jesus nem formar parte dos Doze coube-lhe a honra de ser considerado o missionário por excelência e de receber o título de «Apóstolo». Os escritos do Novo Testamento não descrevem sua morte, porém uma antiga tradição recorda que ambos padeceram o martírio em distintos lugares da cidade de Roma, no mesmo dia; duas vidas oferecidas em sacrifício por Jesus e pelo Evangelho.

Esses dois apóstolos estão, assim, unidos na celebração litúrgica, mesmo quando suas histórias terrenas não estejam isentas de mútuos enfrentamentos (cf. Gl 2,11-14). A comunhão entre eles, vivida na parresía (= sinceridade, destemor) evangélica, nem sempre foi fácil.
Ícone São Pedro e São Paulo 1
Pedro

Simão Pedro era um pescador de Betsaida da Galileia, um homem que alimentava sua fé principalmente no culto sinagogal aos sábados; desde que foi chamado por Jesus, sua fé começou a nutrir-se do ensinamento daquele mestre que falava como ninguém jamais havia falado. Sempre ao lado de Jesus, aparece em certas ocasiões como porta-voz dos outros discípulos, entre os quais ocupava uma posição proeminente.

Não se pode falar da história de Jesus sem mencionar Pedro, que foi o primeiro que ousou confessar a fé em Jesus como Messias. Os discípulos, como muitos entre a multidão, perguntavam-se se Jesus seria um profeta, inclusive, «o» Profeta dos últimos tempos (cf. Jo 6,14; 7,40), ou se, por acaso, seria o Cristo, o Messias.

A confissão pública de Pedro deveu-se a uma força interior, uma revelação que somente podia vir de Deus. Crer que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, não é possível a partir unicamente da interpretação das Escrituras. Foi Deus mesmo quem revelou a Pedro a identidade de Jesus, e este, por sua vez, reconheceu em Simão a pedra sobre cuja fé pode assentar-se a Igreja.

Porém Pedro, qualificado como «bem-aventurado» por Jesus, não estará isento de ser infiel ao seu Senhor. Imediatamente depois dessa confissão de fé, manifestará seu pensamento demasiado mundano acerca do caminho de Jesus que leva à paixão, até o ponto que Jesus será obrigado a chamá-lo «Satanás» (Mt 16,23) e, ao final da vida terrena de Jesus, declarará por três vezes que jamais o conheceu (cf. Mt 26,69-75): o medo e a vontade de salvar a si mesmo o empurraram a afirmar que «não conhece» a esse Jesus, um conhecimento que Pedro havia recebido nada menos que de Deus. E Jesus lhe havia garantido que rogaria por ele para que sua fé não fraquejasse (cf. Lc 22,32).

Após a ressurreição, no entanto, Jesus o confirmará em seu posto, ainda que exigindo-lhe confessar por três vezes que o amava: «Simão, filho de João, tu me amas?» (Jo 21,15.16.17). Na raiz precisamente desta pergunta, está o fato de que Pedro se converterá em apóstolo de Jesus Cristo, o pastor de suas ovelhas, primeiro em Jerusalém, depois nas comunidades judias da Palestina, prosseguindo em Antioquia e, finalmente, em Roma, onde, a exemplo de seu Senhor e Mestre, entregará sua vida. E, em Roma, Pedro encontrará Paulo, não sabemos se no dia a dia do testemunho cristão, ainda que, certamente, no grande sinal do martírio.
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Paulo

Paulo é o apóstolo diferente, colocado junto a Pedro em sua alteridade, como para garantir que a Igreja, desde seus primeiros passos, é plural e se nutre da diversidade. Judeu da diáspora, originário de Tarso, foi a Jerusalém para fazer-se escriba e rabino na escola de Gamaliel, um dos mais famosos mestres da tradição rabínica. Paulo era fariseu, experto e zeloso da Lei de Moisés, e não conhecia Jesus nem seus primeiros discípulos, chegando, inclusive, a destacar-se na perseguição do nascente movimento cristão. No caminho de Damasco, encontrou-se, também ele, com Jesus Ressuscitado, converteu-se e recebeu a revelação, como ele mesmo confessa: «A Deus agradou
revelar-me o seu Filho» (Gl 1,15-16).

Paulo define a si mesmo como um «aborto» (1Cor 15,8) comparado com os demais apóstolos, que haviam visto o Senhor ressuscitado, porém exige ser considerado como enviado de Jesus Cristo igual a eles, porque pôs a sua vida a serviço do Evangelho, fez-se imitador de Cristo também em seus sofrimentos, prodigalizou-se em viagens apostólicas por todo o Mediterrâneo. Sua paixão, sua inteligência, seu empenho em anunciar o Senhor Jesus aparecem em todas as suas cartas, assim como, em Atos dos Apóstolos. Ele é o «apóstolos dos gentios» (Rm 11,13), do mesmo modo que Pedro é «o apóstolo dos circuncisos» (Gl 2,8).

Pedro e Paulo, ambos apóstolos de Cristo, ainda que tão diferentes. Pedro, um pobre pescador; Paulo, um rigoroso intelectual, Pedro um judeu da Palestina, de uma obscura aldeia; Paulo, um judeu da diáspora e cidadão romano. Pedro, lento em entender e, por isso mesmo, em atuar; Paulo consumido pela urgência escatológica...

Foram apóstolos com estilos diferentes, viveram a Igreja de modo, às vezes, dialético, senão oposto, porém, ambos procuraram seguir o Senhor e sua vontade, e juntos, precisamente graças à sua diversidade, souberam dar um rosto à missão cristã e um fundamento à Igreja de Roma que preside na caridade. Por isso, a iconografia apresenta-os unidos em um abraço ou sustentando, entre os dois, a única Igreja que juntos contribuíram a construir: uma sinfonia que é memória e profecia da única comunhão eclesial, na qual Pedro abraça Paulo e Paulo deve abraçar Pedro.

Traduzido do espanhol por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: BIANCHI, Enzo. Jesús, «Dios con nosotros» que cumple la Escritura – Ciclo A. Salamanca: Sígueme, 2010, páginas 213-216.

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