«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A economia nas Escrituras Sagradas

Gianfranco Ravasi
Il Sole 24 Ore
17-11-2014

A economia é uma ciência humanística, sendo a regra de gestão (nómos) da casa (oíkos) pessoal, familiar e mundial. A koinonia, termo grego que indica a "comunhão fraterna" dos bens, uma espécie de "comunismo" ideal, modelado sobre a repartição dos pertences entre todos os membros da comunidade segundo critérios de igualdade absoluta.

 A opinião é do cardeal italiano GIANFRANCO RAVASI,
presidente do Pontifício Conselho para a Cultura

Gianfranco Ravasi
Cardeal e biblista italiano
Somos sobreviventes de uma fase em que o termo "finanças" tornou-se sinônimo de "economia" com uma operação reducionista de efeitos deletérios, destinada, em última instância, a confundir meios e fins, instrumento e projeto.

De fato, como se registra até em nível filológico, a economia é uma ciência humanística, sendo a regra de gestão (nómos) da casa (oíkos) pessoal, familiar e mundial. A consequência dessa finalidade que torna o horizonte da economia muito mais amplo do que a mera funcionalidade instrumental das finanças é o contato necessário com a antropologia, a ética e até mesmo com a religião.

Como escrevia Amartya Sen no seu famoso livro Etica ed economia (Ed. Laterza, 1988) [edição brasileira: Sobre ética e economia, Companhia das Letras, 1999, 144 p.], "a separação da economia da ética é um empobrecimento da economia, cujo leito original deveria ser a filosofia moral, terreno em que muitos economistas temem avançar".

Com estatutos metodológicos diferentes e, portanto, com uma operacionalidade própria, economia e religião devem se pôr a partir de angulaturas diferentes a serviço da humanidade. Isso é o que é afirmado repetidamente nos documentos pontifícios mais recentes como a Caritas in veritate (2009), de Bento XVI, e a Evangelii gaudium (2013), do Papa Francisco, e é isso que é elaborado em vários ensaios de índole teológica.

O cristianismo, a esse respeito, está particularmente envolvido por causa da sua matriz estrutural que tem no seu centro a "encarnação" pela qual Deus e homem, em Cristo e na Igreja, são profundamente unidos por um projeto de justiça e de amor. Ele é denominado na linguagem simbólica bíblica de "o reino de Deus", uma categoria não teocrática, mas histórico-espiritual.

Por isso, como escrevia Chesterton sugestivamente, "toda a iconografia cristã representa os santos com os olhos abertos sobre o mundo, enquanto a iconografia budista representa cada ser com os olhos fechados" na contemplação interior.

O ponto de partida para a reflexão essencial que agora propomos nos é oferecido por dois livros interessantes, embora de recorte diferente. De um lado, colocamos um verdadeiro rastreio sistemático, histórico-crítico e hermenêutico da ética econômica própria das Sagradas Escrituras judaico-cristãs. Elas são analisadas nesse ensaio tanto em nível diacrônico – e, portanto, segundo um arco evolutivo que, do Israel bíblico, chega ao cristianismo judaico-cristão e paulino –, quanto em um olhar sincrônico final, em que se reúnem os nós permanentes da questão.

Eles dizem respeito ao juízo não unívoco sobre o bem-estar, a gratuidade do dom divino, a reciprocidade na caridade, a relação de cuidado com a criação e os seus bens, e o clássico tema da providência. Quem esboça esse desenho textual e sistemático é o professor de teologia e economia do Providence College (Rhode Island, EUA), Albino Barrera, que já tem às suas costas uma ampla bibliografia sobre o assunto.

De outro lado, remetemos a um texto mais móvel e direto: trata-se de um diálogo entre um renomado biblista envolvido em nível pastoral eclesial e de solidariedade internacional, Giuseppe Florio, e um importante e animado economista da universidade romana de Tor Vergata, Leonardo Becchetti.

Este último se expressou várias vezes, de modo incisivo e original, sobre o nexo entre ética e economia, não temendo avançar também no horizonte da felicidade entendida como porto não marginal da própria práxis socioeconômica.

O frescor do debate entre dois especialistas de disciplinas diferentes, mas não alheias entre si, torna esse texto muito agradável. Por sorte, não são poucos os economistas e os teólogos que, nesses últimos tempos, se assomam para além das suas cercas de fronteira para dialogar: gostaria apenas de assinalar a preciosa e sugestiva contribuição do economista Luigino Bruni, da Libera Università Maria Santissima Assunta (Lumsa), de Roma, sobre cuja pesquisa poderemos intervir no futuro.

Mas voltemos à nossa consideração de índole geral sobre as próprias fontes da fé cristã. Em nível estritamente histórico-crítico, muitos estudiosos se preocuparam em reconhecer as coordenadas socioeconômicas dentro das quais se desdobrou a história do Israel bíblico ou a do cristianismo, adotando esquemas interpretativos também heterogêneos (marxistas ou liberais). Lembramos apenas uma interessante Sociologia do cristianismo primitivo, publicada em 1979 pelo alemão Gerd Theissen (Ed. Queriniana, 1987) [Edição brasileira: Sociologia da Cristandade Primitiva, Editora Sinodal, 1987, 179 p.].

Certamente, a Bíblia revela diversos modelos sociopolíticos ligados aos condicionamentos históricos e às várias reivindicações que se queria testemunhar. É o caso da experiência vivida pela comunidade cristã das origens e exaltado por Lucas nos Atos dos Apóstolos. Ela é definida como koinonia, termo grego que indica a "comunhão fraterna" dos bens, uma espécie de "comunismo" ideal, modelado sobre a repartição dos pertences entre todos os membros da comunidade segundo critérios de igualdade absoluta.

O ponto de referência era o apelo do livro bíblico do Deuteronômio: "Não haverá necessitados entre vocês" (15, 4); mas também o eram certas experiências de partilha dos bens presentes no judaísmo (a comunidade de Qumran, no Mar Morto) e no próprio mundo pagão (pitagóricos e estoicos). Justamente Friedrich Engels salientava que essa práxis hierosolimitana [de Jerusalém] não era equiparável à proposta marxista, sendo diferentes as motivações de fundo.

Na base do projeto cristão – que, aliás, era possível em uma sociedade restrita e economicamente simplificada –, havia, de fato, a fé comum no mesmo Deus, cuja paternidade nos torna todos filhos seus e irmãos entre nós. Havia o reconhecimento da necessidade que todos têm da salvação, para a qual não existem privilegiados, e havia uma relativização dos bens materiais em relação ao valor supremo da justiça e do amor.

Sobre o tema da política e da economia, Cristo tinha reiterado, em nível geral, esses valores, sem propor modelos concretos. No entanto, ele tinha afirmado a distinção das esferas na célebre frase: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (cf. Mc 12, 13-17). Mas tinha lembrado, com o símbolo da "imagem" que, se é verdade que a moeda traz a "imagem" de César e, portanto, tem uma autonomia legítima própria, o homem é sempre "imagem" de Deus e não pode ser curvado ao serviço último da economia ou da política. Por isso, já os profetas haviam levantado bem alto a sua voz de protesto contra as injustiças, e assim também fizeram Cristo e a Igreja (veja-se o Apocalipse).

Em síntese, podemos adotar também para o cristianismo a concepção "simbólica" que tenta manter em diálogo ética e economia, mesmo na especificidade dos seus âmbitos, concepção formulada em nível geral por Gandhi: "O homem se destrói com a política sem princípios, com a riqueza sem trabalho, com a inteligência sem sabedoria, com os negócios sem moral, com a ciência sem humanidade, com a religião sem fé, com o amor sem o sacrifício de si mesmo".

Bibliografia mencionada:

Albino Barrera. Biblical Economic Ethics. Plymouth: Lexington Books, 354 páginas.

Leonardo Becchetti; Giuseppe Florio. Dio e mammona. Roma: Ecra (Edizioni del Credito Cooperativo), 144 páginas.

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 18 de novembro de 2014 – Internet: clique aqui.

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