«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

RAZÕES DO PODER

Geraldo Alves Teixeira Jr.*


"Ao fazer do poder a única norma e seguir desenfreadamente seus desejos, governantes ou governados abandonam a possibilidade de uma sociedade voltada para a boa vida e a felicidade, e cegam-se com o excesso de luz de uma razão que produz delírios egoístas e intolerância."
Roberto Romano - Professor de Filosofia e Ética na UNICAMP
 
Quem buscasse pelo termo razão de Estado nos discursos das personalidades políticas ou dos chefes de Estado poderia julgar que o assunto é irrelevante e ultrapassado. Surpreendente, contudo, é que esse juízo ressoe nas universidades. Desafiando modismos, esse é o tema do novo livro do professor de ética e filosofia na Unicamp, Roberto Romano.

Os principais teóricos da razão de Estado pertencem aos séculos XVI e XVII, e escrevem em reação aos conflitos religiosos europeus. Por isso a razão de Estado não é apenas uma teoria, mas um discurso político e um modo de agir que à época instigou comentários e debates políticos. Um componente filosófico deve ser aí adicionado. Maquiavel era a referência suprimida dos conselhos que aqueles autores - muitos deles católicos da Contrarreforma - redigiam para os governantes. Ao extrapolar o maquiavelismo eles compunham verdadeiros manuais para a conservação do poder.

Os textos da razão de Estado são também um clamor por uma autoridade capaz de submeter todos e criar ordem. O tom hobbesiano não é coincidência. Lê-se que no autor inglês a salus populi (bem-estar do povo) permite “a transgressão, mas sem culpa, não condenável em direito”. Daí os princípios do absolutismo. E do Estado.

Portanto, se as doutrinas da razão de Estado surgem para lidar com uma conjuntura datada, sua prática não desaparece quando o Estado consegue disciplinar as crenças nem quando é disciplinado pelas leis. A razão de Estado alcança-nos “apenas” por esse elemento político que recorta o globo: o Estado. Os Estados democráticos herdaram tais princípios, que permitem a suspensão do direito em casos de ameaças. Essa face mais visível da razão de Estado afirma que no limiar da política o povo deve obedecer: “Na essência da razão de Estado temos a prática habitual dos golpes, fruto direto da promoção elitista e hostilidade contra a democracia”. Na exceção, o governante deve fazer tudo para salvar o Estado. Aos governados resta o “ame-o ou deixe-o”, uma expulsão do pacto social que pode significar o exílio ou o assassinato. A recusa ao amor incondicional produz os inimigos, que se sujeitam aos atos de hostilidade do soberano, não um simples representante, mas a personificação do Estado. O l’État c’est moi [trad.: o Estado sou eu] ainda ecoa.

Romano ressalta que tais golpes não acontecem apenas quando certos grupos desfilam armas e tanques ao assumirem o palácio. A essência dos golpes é o segredo e a ação repentina. “Se os países socialistas, supostamente repúblicas populares, quebram a base da accountability [trad.: responsabilidade, prestação de contas] e da fé pública em proveito dos governos, algo similar ocorre hoje na Europa e nos EUA. Nas formas imperiais dirigidas pela Otan, nas políticas que restringem as liberdades públicas nos EUA, como na Lei Patriótica, temos um avanço da razão de Estado.” Com o avanço das leis e das tecnologias de controle, a transparência e o segredo parecem se inverter, e caminhamos para o padrão absolutista no qual “o governante acumula segredos e deseja expor os súditos à luz perene”. Elemento antagônico do princípio de responsabilidade, “o segredo é essencial para se refletir sobre a forma democrática. Governos exasperam a prática de esconder os pontos maiores das políticas no setor público. Entramos no paradoxo: o público é definido fora do público”.

Ao fazer do poder a única norma e seguir desenfreadamente seus desejos, governantes ou governados abandonam a possibilidade de uma sociedade voltada para a boa vida e a felicidade, e cegam-se com o excesso de luz de uma razão que produz delírios egoístas e intolerância.

A reflexão é valiosa para o nosso contexto político, pois a tolerância é imprescindível para o sistema eleitoral: “É fácil para (o adversário derrotado) dar-se por vencido. Ele não é castigado por sua atitude hostil anterior. Caso se tratasse de colocar sua vida em jogo, ele reagiria de forma complemente diferente ele conta porém com batalhas futuras. E o número destas batalhas não tem limite fixado e ele não morre em batalha alguma”. O que isso nos diz sobre os que, evocando um regime ditatorial, gritam pela eliminação de certas ideias, partidos, e eleitores? O que a reflexão sobre a soberba nos diz sobre autoridades públicas que, como os monarcas absolutistas, querem aplicar a si o noli me tangere [trad.: não me toques] quando as leis lhe constrangem?

Discutindo a razão de Estado, o livro evidencia o poder estatal em seu funcionamento regular e excepcional. Conhecedor do tema como poucos, seu autor encadeia discussões teológicas, narrativas literárias, e análises conceituais. E para o horror dos que preconizam a filosofia pela filosofia, ele aponta para a história e relaciona suas discussões às situações políticas passadas ou presentes.

A razão de Estado não aparece atualmente porque está oculta na política do segredo e da dissimulação. Razão de Estado e outros Estados da Razão cumpre então o propósito filosófico por excelência, de mostrar o que não está aparente, e de inspirar-nos a pensar por meio de leituras minuciosas.

L I V R O

Título: Razão de Estado e outros Estados da Razão
Autor: Roberto Romano
Editora: Perspectiva
Publicação: novembro de 2014
Páginas: 296
Preço de capa: R$ 55,00

* Geraldo Alves Teixeira Jr., doutor em Filosofia pela Unicamp e pós-doutorando UFG/Capes.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 23 de novembro de 2014 – Pg.  – Internet: clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.