«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 23 de julho de 2013

ANÁLISES DA PRESENÇA DE PAPA FRANCISCO

[Nesta seção serão publicadas matérias 
analisando os pronunciamentos, as atitudes e gestos
de Papa Francisco no Brasil durante a
Jornada Mundial da Juventude 2013.
Confira...]


RESULTADO DA VISITA SERÁ O
CLERO FORA DA SACRISTIA

Entrevista com o padre José Oscar Beozzo


Cristiane Agostine
Jornal Valor Econômico
26-07-2013
Papa Francisco em meio à multidão na favela da Varginha - Rio de Janeiro (25/07/2013)
Em viagem pelo Brasil, o papa Francisco tem reforçado pelo menos três marcas de seu pontificado: 
  • a defesa por uma igreja missionária, mais perto do povo e menos fechada na sacristia
  • o combate à pobreza e à desigualdade social
  • a afirmação de que o exemplo fala mais do que as palavras
Essa é a análise feita pelo padre e teólogo José Oscar Beozzo, doutor em história social e coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEP).

Autor de livros e artigos sobre a história da Igreja no Brasil e na América Latina, o padre Beozzo disse que o papa Francisco tem mostrado ao longo de seus quatro meses de pontificado e em sua passagem pelo Rio de Janeiro e São Paulo que não quer uma igreja "burguesa"


"O papa tem dito que a Igreja tem que sair da sacristia e ir para a periferia, para onde o povo está precisando. Não quer uma Igreja burguesa, acomodada. É um ponto fundamental", disse.

A defesa do trabalho pastoral difere o papa Francisco de seu antecessor Bento XVI, que dava ênfase em seus discursos à doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana, afirma o padre Beozzo.

Ao falar sobre os pronunciamentos feitos pelo papa no Brasil, durante a semana da Jornada Mundial da Juventude, o teólogo destacou as críticas do pontífice à pobreza e sua defesa pela superação da desigualdade social. Um exemplo é a declaração feita ontem pelo papa na favela de Varginha no Complexo de Manguinhos, no Rio, quando fez um apelo às autoridades públicas para que trabalhem em favor da justiça social e combater a fome e a miséria. "Nenhum esforço de 'pacificação' será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma", disse o papa. Nesse discurso, o religioso afirmou que a Igreja é "advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas".

Na análise de Beozzo, não teria como ser diferente a declaração rigorosa do papa contra as drogas, quando condenou propostas de legalização em debate na América Latina, na noite de quarta-feira, no Rio. "Não vejo o papa como conservador. Ele é realista. Não sei se alguém pode falar que o tráfico é uma boa coisa, que não faz a desgraça das comunidades", disse.

No Rio, o papa falou sobre as "chagas do tráfico", disse que os traficantes são "mercadores da morte" e afirmou que "não é deixando livre o uso das drogas que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química". Segundo o papa, é preciso enfrentar os problemas que estão na raiz do uso das drogas, educando os jovens com valores.

Para o padre Beozzo, o papa não entrou na discussão sobre a descriminalização das drogas. "O que podia esperar? Falar tudo bem com o tráfico? Tudo bem com o uso generalizado da droga? Ele não entrou na questão de como se deve fazer isso, se criminaliza o tráfico e não o usuário, que é uma vítima. Não tem que [o usuário] levar para a cadeia, tem que dar tratamento", disse.

O terceiro ponto destacado pelo padre Beozzo sobre o papa é a pregação por meio das ações. "O papa fala muito mais por seus gestos do que pelos testemunhos formais", afirmou. "Ele insiste muito na credibilidade entre o discurso e o que você faz, no ato de dar o exemplo", afirmou.

Além de o papa evitar a ostentação e o luxo em sua passagem pelo Brasil, o padre Beozzo citou também a discussão que houve entre a equipe do pontífice e o governo brasileiro em torno da segurança. "O papa queria estar perto do povo, andar em carro aberto e não se submeteu à proposta de segurança oferecida pelo governo, que queria evitar o contato com a população", disse.

O padre Beozzo lembrou ainda da viagem do papa à Lampedusa, ilha italiana próxima à África, antes da viagem ao Brasil, quando denunciou a xenofobia e jogou uma coroa de flores no mar em lembrança aos mais de 30 mil imigrantes que tentavam entrar na Europa mas que morreram durante a viagem. "Ele não foi com nenhum cardeal. Foi apenas com dois religiosos para prestar uma homenagem aos mortos", disse.


Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sexta-feira, 26 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522214-para-teologo-legado-da-visita-e-o-clero-fora-da-sacristia
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POR QUE O PAPA FRANCISCO
FASCINA TANTO OS JOVENS?

Juan Arias
El País
24-07-2013
Papa Francisco atravessa a Avenida Atlântica em Copacabana e é saudado pelos jovens
Ninguém duvida. Francisco agrada aos jovens, católicos ou não. Mais do que isso, deixa-os eletrizados, como ficou comprovado ontem nas ruas do Rio, onde se pôde ver, com um nó na garganta, o pequeno Fiat do Papa ser praticamente invadido por uma maré de jovens peregrinos que vieram para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).


A pergunta é por que esse fascínio entre jovens que, como revelam as pesquisas, ao mesmo tempo exigem da Igreja muito mais do que o Papa oferece.

Hoje, os jovens estão desencantados com quase tudo, preocupados com o futuro. São vitimas, por exemplo, da violência assassina. Dos 50 mil homicídios por armas de fogo anuais cometidos no Brasil, 80% são de jovens.

Dizem que eles não acreditam nos mais velhos. E menos ainda nos políticos. Dizem que são fundamentalmente egoístas e hedonistas. E, principalmente, consumistas. Que carecem de valores.

E chega Francisco, já idoso, quase um avô para eles, um papa exigente que os põe em guarda contra o “fascínio do provisório”, isto é, da ânsia de consumir e possuir; que lhes diz que eles são a porta por onde entra o futuro do mundo, mas lhes propõe um futuro em que “menos é mais”. Convoca-os a se despojarem do provisório e do fugaz em troca do permanente, da essência.

Certas pistas dos jovens presentes no Rio ajudam a entender este paradoxo. Alguns dizem que gostam do papa Francisco porque “não interpreta um papel. Ele é o que diz”. Como sabem? Eles o intuem.

Gostam porque ele é diferente das personagens do poder que conhecem e abominam. Dizem que Francisco “simplifica” as coisas, que para ele menos é mais.

Talvez os jovens se encantem com a simplicidade dos seus gestos e palavras por sentirem com força a comichão do consumismo e do efêmero.

Cansados da hipocrisia e do desperdício dos homens no poder, sentem-se atraídos e eletrizados ao ver Francisco percorrer as ruas do Rio em um carro utilitário sem blindagem e com as janelas abertas. Percebem que ele não tem medo de morrer, algo que os deixa excitados.

Gostam que Francisco seja um papa com “corpo”. Não é espírito nem anjo. Não tem medo de beijar e abraçar. Não rejeita o contato dos corpos.

Eles intuem que Francisco não é ator nem um hipócrita, que não exige aquilo que não é capaz de fazer e é consequente com as suas palavras.

O veem despojado, carinhoso, amável e ao mesmo tempo severo, a começar consigo mesmo.

Quando soube que queriam contratar o chef de cozinha do Copacabana Palace, um hotel luxuoso e mítico do Rio, ele mandou dizer que preferia que as freiras preparassem arroz, feijão e pão de queijo, bem à brasileira.

Eles gostam do olhar dele, escreveu um jovem ontem, “que te fita e parece que te vê por dentro”.

Os jovens sabem que Francisco já foi como eles: teve uma namorada, queria se casar antes de decidir seguir a sua vocação. E tem mais, já sendo sacerdote, em um casamento apaixonou-se perdidamente por uma moça e, como contou ao seu amigo, o rabino Skorka, ficou uma semana sem dormir. Chegou a pensar em deixar a batina. Resistiu e preferiu seguir a sua vocação. E os jovens gostam disso também.

“Ele parece sincero, não parece um hipócrita”, disse um jovem espírita que veio de fora do Rio para conhecer Francisco: “Embora eu não seja católico, gosto deste senhor tão simples apesar de ser papa”, disse a um repórter do jornal O Globo.

Por fim, os jovens sentem que Francisco crê neles, no que representam no mundo. Ele crê, como disse, nessa “capacidade de surpreender” que os jovens costumam ter.

Numa época de descrença generalizada, em que grupos de adultos fazem rituais de “desbatismo” nas ruas e exibem o seu ateísmo, a boa surpresa é que centenas de milhares de jovens de diversos países e línguas diferentes se apaixonaram por um papa que lhes pede que se dispam do peso do supérfluo e sintam a vibração do que permanece e vale a pena saborear.

Acima de tudo, vale a pena “fazer algo pelos outros”, disse o Papa. Parece pouco, mas é esse pouco, proposto como uma mensagem condensada, que está conquistando a simpatia e o carinho desta juventude sobre a qual ontem ele disse que “devemos dar espaço” para que possa “crescer e amar em liberdade”.

Tradução do espanhol por Cristina Cavalcanti.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sexta-feira, 26 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522183-por-que-o-papa-francisco-fascina-tanto-os-jovens
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"FALA POR GESTOS" REFORÇA
OPÇÃO DO PAPA PELOS POBRES


Ocimara Balmant
Papa Francisco sobe as escadarias para o avião que o traria ao Brasil
22/07/2013

Está na boca dos teólogos e na percepção dos fiéis: Francisco é um homem que fala por gestos. Dito isso, seu comportamento no primeiro dia de visita ao Brasil só reafirma o quão franciscano esse jesuíta tem se mostrado.

Tudo começou em sua partida do aeroporto de Roma. Lá, ele não delegou sua valise a assessor algum. Quando subiu a escadaria do avião, a mala preta que levava na mão esquerda contrastava com sua batina branca [veja foto acima].

Durante o voo, Francisco saiu de seu assento na primeira classe e foi conversar com os jornalistas, que estavam acomodados na classe econômica. Lá, falou de forma paciente com cada um dos repórteres antes de voltar a seu lugar.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, no meio da tarde, embarcou em um Fiat Idea - cujo preço varia de R$ 43 mil a R$ 52 mil -, um carro simples e sem blindagem. Pouco tempo após o início do trajeto do Galeão até o centro da cidade, a multidão conseguiu cercar o carro.

Os seguranças de terno preto que corriam ao lado do veículo não conseguiram deter os braços dos fiéis, que se esticavam na esperança de tocar o pontífice. A cena - de dar desespero a quem a assistia pela TV, por causa da situação vulnerável em que o papa estava - não o apavorou. Durante todo o itinerário, ele manteve o vidro completamente aberto. Tão aberto que uma mãe conseguiu fazer o filho chegar às mãos de Francisco, que não hesitou em puxá-lo para o carro e beijá-lo, antes de devolvê-lo.

Exemplo de Pedro

Em seu discurso no Palácio Guanabara, seu último compromisso do dia, Francisco parafraseou um trecho do livro bíblico de Atos dos Apóstolos para lembrar sua opção franciscana pela vida humilde e sem ostentação. Ao dizer "não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo!", Francisco assumiu a fala daquele que é considerado o primeiro papa da Igreja: São Pedro.

Este, nos primeiros anos do Cristianismo, ia ao templo acompanhado de outro discípulo, João, quando foi interpelado por um coxo que vivia na mendicância. Ao vê-lo, Pedro teria dito: "Não tenho prata e não tenho ouro, mas o que tenho te dou. Em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levante-se e ande". O homem ficou curado.

Ao lembrar a afirmação de São Pedro, Francisco mostra que tipo de Igreja ele quer perseguir. "A Igreja dos pobres para os pobres", como prega Francisco, não é nada mais do que aquela formada pelos primeiros seguidores de Cristo.

Não vai surpreender, portanto, se, nos próximos dias, o papa aparecer com uma férula (cruz com haste usada pelo papa) fabricada por um morador de alguma favela carioca. No início deste mês, em sua primeira viagem papal, Francisco não usou a férula de ouro de seu antecessor. Na ilha de Lampedusa, no sul da Itália, o "jesuíta franciscano" apareceu com uma peça feita em madeira por imigrantes clandestinos que chegaram do norte da África em busca de uma vida melhor na Europa. 

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Terça-feira, 23 de julho de 2013 - Pg. A12 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,fala-por-gestos-reforca-opcao-do-papa-pelos-pobres,1056408,0.htm
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PAPA QUESTIONA O RUMO DA POLÍTICA
DE PACIFICAÇÃO DO RIO DE JANEIRO


Marcelo Beraba *


Discurso de Francisco em Manguinhos reforça críticas à política de segurança do governo Cabral
Papa Francisco discursa na favela da Varginha - Rio de Janeiro
25 de julho de 2013


"Quero encorajar os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à miséria. Nenhum esforço de 'pacificação' será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma. Uma sociedade assim simplesmente empobrece a si mesma; antes, perde algo de essencial para si mesma. Lembremo-nos sempre: somente quando se é capaz de compartilhar é que se enriquece de verdade; tudo aquilo que se compartilha se multiplica! A medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais necessitados, quem não tem outra coisa senão a sua pobreza!". 
(Do discurso do papa Francisco nesta quinta-feira, 25, de manhã na favela Varginha, zona norte do Rio)

Em Varginha, uma das favelas de Manguinhos, na zona norte do Rio, o papa Francisco tocou em um dos pontos sensíveis da política de segurança implantada no governo Sérgio Cabral e conhecida como de pacificação. Este foi o termo cunhado pelo próprio governo para se diferenciar da política anterior, praticada nos governos Garotinho e no início da gestão Cabral, de invasão das favelas e de confronto generalizado.

A política de pacificação tem como seu principal pilar as Unidades de Polícia Pacificadora, UPPs. O sucesso inicial desta política projetou o seu mais importante artífice, o delegado José Maria Beltrame, da Polícia Federal, deu credibilidade ao governo Cabral, garantiu sua reeleição e a eleição e reeleição do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Há dois pontos frágeis, no entanto, nesta política.

O primeiro, frequentemente cobrado pelo próprio Beltrame, é a lentidão na implantação dos programas sociais e econômicos que deveriam complementar as ocupações pela Polícia Militar das favelas antes dominadas pelo narcotráfico e por milícias. Sem estes programas de inclusão - e o papa Francisco mais de uma vez ressaltou nesta viagem a importância das políticas de combate às desigualdades -, só a ocupação policial não será suficiente para garantir, no futuro próximo, a paz nestas comunidades.

O segundo aspecto questionável na política de segurança de Cabral e Beltrame é a lentidão com que estas ocupações se estendem pelo território da cidade e do Estado. Na realidade, as favelas pacificadas até agora foram as da zona sul - onde mora a população mais rica da cidade e que recebe os turistas - e parte da zona norte - em torno do Maracanã. A lógica evidente tem sido a de garantir a proteção das áreas que receberão os grandes eventos marcados para o Rio, como a Rio + 20 (no ano passado), a Copa das Confederações (que ocorreu em junho), a Jornada Mundial da Juventude (que dura até domingo), a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada (2016).

Esta política foi empurrando os comandos e quadrilhas armadas do narcotráfico e das milícias para as favelas e conjuntos habitacionais da periferia do Rio, para a Baixada Fluminense e para algumas cidades do interior do Estado. Nestas áreas não pacificadas os cidadãos, que já têm as piores condições sociais e econômicas, estão agora pagando um preço maior por causa da violência e dos abusos das polícias.

A política de segurança do governo Sérgio Cabral está na berlinda. A confiança que transmitia se esvai com a percepção de que não está preparada para lidar com as manifestações populares e de que a política de pacificação não está tendo o progresso que se esperava. Uma das impressões cada vez mais forte é de que a violência está sendo empurrada para a periferia.

O discurso do papa reforça estas críticas. É um recado direto: "Nenhum esforço de 'pacificação' será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte de si mesma".

* Marcelo Beraba é jornalista e diretor da sucursal do Rio do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR - Notícias/Brasil - 25 de julho de 2013 - 16h34 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,analise-papa-questiona-o-rumo-da-politica-de-pacificacao-do-rio,1057287,0.htm
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A CATEQUESE DO PAPA FRANCISCO

Dom Luiz Demétrio Valentini
Bispo Diocesano de Jales - SP
D. Luiz Demétrio Valentini - Jales (SP)

A presença do Papa Francisco é contagiante. Seus gestos e palavras vão direto ao coração do povo brasileiro, com suas mensagens ao mesmo tempo simples e profundas.

Tão logo não esqueceremos esta catequese, feita dos episódios de sua agenda, que assim se transformam em cenários para as novas parábolas do mesmo Evangelho de Cristo.

Desta maneira, seus ensinamentos recebem um contexto concreto, que ajuda a medir o alcance de sua “doutrina social”, feita não de princípios teóricos, mas de afirmações claras e práticas.

Para isto certamente o ajuda sua formação jesuítica, com os tradicionais três pontos, que vão cadenciando suas afirmações.

Esta sequência de três pontos pode ser identificada em sua fala na favela. Lá ele tomou a realidade concreta da pobreza, para desenvolver seu raciocínio. A primeira afirmação é primorosa:

“Uma sociedade que não cuida dos seus pobres, se empobrece a si mesma.” À primeira vista pareceria só uma frase de efeito. Mas conferindo bem o seu alcance, nos damos conta de sua pertinência e sabedoria. A pobreza maior não se encontra junto aos pobres, mas se constitui do empobrecimento perverso de quem se fecha em seu egoísmo, e ignora as riquezas humanas que se encontram nos pobres.

Prosseguindo em sua catequese social, o Papa Francisco constata que “a melhor maneira de medir a grandeza de uma sociedade é ver a maneira como ela trata os mais necessitados”. Que sabedoria e que lucidez!

Daí decorre o terceiro ponto de sua breve homilia. Ele tem evidentes feições práticas, sinalizando o compromisso que ele propõe a todos. No atendimento aos seus pobres, a sociedade pode redescobrir seus melhores valores, que acabam enriquecendo o conjunto da sociedade, que passa a integrar a solidariedade como valor prático que faz multiplicar os bens que aumentam na medida que são compartilhados.

Outros ensinamentos muito oportunos foram dados por ocasião da visita ao Hospital São Francisco, onde é feito um trabalho caridoso e competente de recuperação de dependentes químicos.  O difícil assunto a abordar era a droga. E ele o abordou de maneira serena e firme.

Em primeiro lugar, afirmou que a situação da droga hoje em dia pede da sociedade um gesto de coragem. Isto implica uma postura consciente, decidida e articulada contra a droga, buscando sempre as causas de onde brota o problema, em cuja raiz existem duas vertentes. Uma é a ganância, que leva os traficantes a perderem o escrúpulo de matar para garantir o seu lucro. Outra vertente é a falta de valores, especialmente nos jovens, que se tornam vulneráveis diante de ofertas feitas de modo traiçoeiro por quem deseja envolvê-los para depois explorá-los.

De fato, o problema da droga é tão sério que a sociedade deveria se declarar em estado de calamidade, para um enfrentamento claro contra “os mercadores da morte.

No combate contra a droga é preciso integrar as duas dimensões, lembradas na abertura do Concílio pelo Papa João XXIII, referindo-se à severidade e à misericórdia. Muito otimista, João XIII observava que a Igreja ganha mais usando hoje o remédio da misericórdia, do que o remédio da severidade.

Com a droga, é preciso integrar as duas posturas. Com os traficantes, usar o remédio da severidade. Com as vítimas da droga, usar o remédio da misericórdia, revestindo-nos dos sentimentos de Cristo, que tinha compaixão com as multidões, mas batia de rijo contra os fariseus.

Portanto, com os “mercadores da morte”, o remédio da severidade. Para com os drogados, o remédio da misericórdia. Com isto, inverteríamos a tendência: em vez da droga degenerar a sociedade, o combate contra ela redescobriria o caminho para a sua realização verdadeira.

Fonte: Diocese de Jales - Artigos do Bispo - 26 de julho de 2013 - Internet: http://diocesedejales.org.br/home/a-catequese-do-papa-francisco/
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"COMO SÃO FRANCISCO, 
BERGOGLIO RECONSTRÓI A IGREJA"

Entrevista com o teólogo Leonardo Boff


Andrea Tornielli
La Stampa - Vatican Insider
25-07-2013
Papa Francisco beija uma criança em sua visita à favela da Varginha (25/07/2013)
“Três semanas antes da eleição de Bergoglio, escrevi no Twitter: ‘o futuro papa será Francisco, porque assim como fez o Santo de Assis, convém alguém que reconstrua a Igreja que perdeu sua credibilidade... ’”

Leonardo Boff já não usa o hábito. Desde as diferenças com Roma, que nasceram de suas posturas teológicas, deixou a ordem franciscana e se casou. Entretanto, a barba, branquíssima, continua sendo a mesma de quando era frei. O teólogo da libertação, que Joseph Ratzinger não conseguiu “suavizar”, conversa com La Stampa sobre a viagem brasileira do primeiro Papa latino-americano da história.

Eis a entrevista.

Você ficou surpreso com a maneira como a multidão, no Rio de Janeiro, recebeu Francisco?

Leonardo Boff: Não. É um entusiasmo que se deve à sua simplicidade, por ter vindo sem um grande aparato de segurança, por ter percorrido as ruas da cidade num carro simples e com os vidros sempre abertos, desejando ser alcançado e tocado pelas pessoas, por parar para beijar as crianças. Nota-se que é um pastor, um bispo que está no meio de seu povo. Não é um monarca.

Francisco quis começar sua viagem com uma visita ao Santuário de Aparecida. Por quê?

Leonardo Boff: Porque aqui, em 2007, os bispos latino-americanos publicaram um documento que voltou a dar espaço aos pobres e que afirma que certos métodos para evangelizar são velhos e devem ser mudados. Necessita-se de pastores que tenham o cheiro das ovelhas, mais do que o perfume das flores dos altares.

Francisco demonstra que tem uma grande devoção mariana e uma enorme atenção pela piedade popular. Não parecem aspectos tão próximos à sensibilidade progressista...

Leonardo Boff: Pelo contrário, são. São muito próximos à Teologia da Libertação. Na Argentina, está se desenvolveu particularmente como teologia do povo, e a levava adiante o jesuíta Juan Carlos Scannone, que foi professor de Bergoglio. O Papa não está distante desta teologia. Não é uma devoção popular “pietística”, mas uma devoção que conserva a identidade do povo e se compromete com a justiça social.

E muitos momentos, o Papa fala dos pobres e no hospital do Rio de Janeiro voltou a dizer que ir aos pobres significava tocar “a carne de Cristo”. O que isto significa?

Leonardo Boff: O pobre é o verdadeiro representante de Cristo; em certo sentido o pobre é o verdadeiro “Papa”, e Cristo continua crucificado no corpo dos condenados da terra. Cristo está crucificado nos crucificados da história.

O que muda na Igreja com a chegada do papa Francisco?

Leonardo Boff: Acredito que mudará muito. Francisco não está reformando apenas a Cúria, está reformando o papado. Insistir em que é bispo de Roma, ter deixado o palácio para viver na residência de Santa Marta, significa ir ao mundo. O Papa explica que prefere uma Igreja acidentada, mas que saia à rua, do que uma Igreja asfixiada e fechada no templo. No momento, sente-se que a Igreja é uma fogueira de esperança e não uma fortaleza assediada, sempre em polêmica com a modernidade ou uma alfândega que vigia e regula a fé ao invés de facilitá-la.

Há alguns que dizem que ele está dessacralizando o papado...

Leonardo Boff: Não, não o está dessacralizando, apresenta-o em sua verdadeira dimensão evangélica. É o sucessor de Pedro e Pedro era um simples pescador. É preciso combater a “papolatria” que temos visto nas últimas décadas. Os cardeais não são os príncipes da Igreja, mas servos do povo de Deus. Os bispos devem participar na vida das pessoas. E o Papa não se sente um monarca. Inclusive, diante da Presidente do Brasil, disse: “Venho aqui como bispo de Roma”, ou seja, como aquele que preside a Igreja na caridade e não no direito canônico.

O que um Papa latino-americano provocará no Brasil e na América Latina?

Leonardo Boff: Acredito que Francisco percebe que o poder deve escutar os pobres, deve escutar os jovens que protestam pelas ruas. Sua insistência sobre a justiça social pode ajudar as democracias latino-americanas e favorecer uma maior participação. A nossa, no Brasil, é uma democracia de baixa intensidade. O Papa convida os políticos a serem verdadeiros servos do povo.

Você se arrependeu por ter deixado o hábito franciscano?

Leonardo Boff: Não, porque deixei o hábito, mas conservei o espírito e continuo me sentindo franciscano. Trabalho pela preservação da criação e para que, nesta nossa terra, todos nos sintamos irmãos e irmãs.

Tradução do Cepat.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sexta-feira, 26 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522202-como-sao-francisco-bergoglio-reconstroi-a-igreja-afirma-leonardo-boff
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SIMPLES RETÓRICA DO PAPA E A
TAGARELICE DOS POLÍTICOS


Roberto Romano *
Papa Francisco discursa no Palácio Guanabara - Rio de Janeiro
Segunda-feira, 22 de julho de 2013

A visita do papa retoma um problema de todo indivíduo que precisa dirigir multidões. Trata-se da retórica eficaz. Os gregos inventaram a arte de persuadir assembleias e advertiam contra o uso imoderado de palavras.

Plutarco, o grande autor ético do Ocidente, tem um tratado sobre o assunto, Sobre a Tagarelice [Landy Editora, 112 p.]. Nele, compara o orador ao libertino: quando sêmen é gasto sem cautela, perde a força geradora. Falar demais leva à infertilidade, mas gestos e atos convencem.

Seguindo Plutarco, o Padre Vieira, no Sermão da Sexagésima, dá preciosas lições a quem almeja a mente e a alma. Ele adverte os pregadores inábeis de seu tempo, mas a crítica vale para os boquirrotos [tagarelas] da nossa época. Antigamente, diz ele, convertia-se o mundo. 


"Hoje por que se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem (...) O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras."
[Padre Vieira]

A doutrina ensinada por Vieira foi assumida por seu confrade jesuíta no trono de Pedro. Na Argentina, ele unia a fala aos gestos e sinais competentes. Na retórica, a simplicidade e a clareza resultam de muita técnica. Trata-se da arte conhecida como sprezzatura. Ao contrário do pedantismo na oratória, poesia, escrita ou pintura, o artista exímio conduz seu trabalho a uma perfeição tal que pode ser apreciado por todos os seres pensantes. A simplicidade resulta de elaborações árduas e profundas. Obras-primas têm aparência enganosamente singelas.

Analistas brasileiros, pouco informados sobre a cultura erudita que nutre a Igreja, falam de "simplicidade franciscana" em Bergoglio. Como se o membro de uma ordem refinada, a jesuíta, fosse simplório. Erro por causa do desconhecimento das formas espirituais católicas que, segundo Friedrich Nietzsche, sintetizam as culturas mediterrâneas, berço da vida ocidental.

No Palácio Guanabara, a presidente brasileira abusou do verbo e dos elogios ao seu governo e ao do antecessor. Seguindo as ordens do grande retor João Santana [marqueteiro da presidência], perdeu a oportunidade de exercitar a língua reta e convincente.

Francisco usou imagens inteligíveis (jejunos na retórica escreveram que as figuras usadas por ele eram batidas) como a da pupila para descrever a juventude. Antes, o papa havia dado um soco no estômago dos políticos nacionais. Ao se deslocar em carro popular pelas ruas, marcou o contraste entre seu decoro no cargo e o indecoro de vereadores, deputados, senadores que usam carros de luxo e exigem títulos de "excelência".

Gestos e sinais aposentam o palavrório. Pena que, segundo Plutarco, o tagarela seja um doente singular, porque lamenta ter apenas uma boca e dois ouvidos. Que ele não usa. Os nossos políticos sofrem de tal vício. Incurável.

* Roberto Romano é professor titular de ética e filosofia política da Universidade de Campinas (UNICAMP), SP.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Domingo, 28 de julho de 2013 - Pg. A23 - edição impressa.
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A ROSA DE SAROM

José de Souza Martins *


É inútil querer que o papa questione o sagrado: 
há questões modernas que vão além de seus limites
Ideia fixa.
Um fiel espera a passagem do sumo pontífice 

na orla de Copacabana
Foto: Reuters

A visita do papa Francisco ao Brasil responde a muitas perguntas pendentes desde a morte de João Paulo II. Bento XVI foi um susto, mais do que uma surpresa. Francisco foi uma surpresa, mais do que um susto. Desde o último papa monarca, Pio XII, pende sobre a Igreja Católica e sobre os católicos o dilema da oscilação entre a cruz e o trono. Se João XXIII foi a vitória da cruz sobre o trono, Francisco é a confirmação dessa lenta manifestação do Espírito

Francisco desconstrói para propor a superação dos impasses e a renovação da Igreja sobre os alicerces de seus valores mais caros. Inova, quando explicita um horizonte para a Igreja, a família na sua comunidade de referência, que é o bairro. Não o eclesial, mas o social. Não a Igreja refúgio, mas a Igreja missionária. Em pelo menos duas ocasiões Francisco se referiu ao bairro: na prefeitura do Rio, quando significativamente abençoou o bairro em que o Palácio se situa; e em Copacabana, em que disse que gostaria de estar nos muitos bairros que compõem o Brasil. Francisco é um homem de bairro, onde nasceu, cresceu, fez o curso profissional, trabalhou e encontrou sua vocação sacerdotal. É um homem do subúrbio, o primeiro papa suburbano da história. É nesse horizonte que ele vê o mundo. 

É desse ângulo que se pode ver melhor o lugar pastoral de sua presença entre os jovens. Ele acerta ao optar por compartilhar em vez de admoestar, ao abraçar em vez de ralhar. Francisco profético parece situar-se no retorno da figura do pai ao mundo dos jovens, o pai ausente na falsa presença de uma liberalidade que ilude, mas não ampara nem protege. Traz simbolicamente de volta o pai companheiro, da disponibilidade, do afago, do beijo e do abraço

Certamente, não é fácil ser papa e ser jovem no mundo atual. Em boa parte por isso, ambos, provavelmente, se entenderão. Não à toa o papa Francisco insistentemente pede aos jovens: “Rezem por mim”. Ou justifica sua residência na Casa Santa Marta e não no Palácio Apostólico. Neste, “o papa tem muitos patrões”, disse há algumas semanas. Coincidem o papa e os jovens, no horror de um e outros aos tutores da consciência e da liberdade alheia

É compreensível a tentação de pensar o papel deste papa na perspectiva daquilo que ele não é nem poderá ser sem negar seu carisma e sua missão. É inútil pensar um papa de esquerda, como é inútil querer um papa de direita. Em seu discurso na Favela de Manguinhos, o papa lembrou-se reiteradamente dos pobres porque é neles que a caridade e a compaixão ganham sentido. É neles, nos que não têm, que o ter se torna um desafio neste mundo de contradições e injustiças. A crítica à ambição e ao poder, o apoio às manifestações dos jovens no repúdio à corrupção e às injustiças expõem um papa irmão do inconformismo dos jovens

Francisco alargou o conceito de pobre, livrando-o da estreita concepção econômica. Essa é uma pobreza derivada, pois, para ele, pobre é quem carece de amor e das muitas e significativas concepções que tem o amor quando se realiza numa práxis de renascimento, a que redime quem dá e quem recebe. Ele desloca o eixo da teologia da pobreza, livra-a da pobreza ideológica do materialismo e da miséria maniqueísta da ideologia do confronto. Ele retorna à riqueza da dialética da superação. 

Obviamente, há graves problemas da modernidade que preocupam, sobretudo, os jovens: celibato, sexualidade, casamento, divórcio, controle de natalidade, gravidez, aborto, alguns dos itens do elenco problemático de temas geralmente invocados por leigos para questionar a legitimidade do magistério da Igreja. São temas muito além dos limites de um papa. As instituições religiosas são, compreensivelmente, as mais resistentes à mudança. No mundo da razão e da modernidade, fica cada vez mais evidente que religião é mais do que uma herança, é uma opção, mesmo para quem tenha nascido católico.

Além do que, o centro do magistério do papa e da Igreja é o sagrado. É inútil pretender que Francisco questione o sagrado. No mundo inteiro, e aqui também, há um intenso e significativo movimento de retorno ao sagrado, especialmente entre os jovens. Não se trata de mera questão de filiação religiosa. A compreensão aguda que desse fato tem Francisco surgiu espontaneamente no mais belo e significativo acontecimento desta sua visita ao Brasil. Na Favela de Manguinhos, quando caminhava pelas ruas estreitas, viu uma igreja pentecostal de porta aberta, a Assembleia de Deus Rosa de Sarom (“Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales”, na poética declaração de amor do Cântico dos Cânticos). O pastor, dada a grande movimentação de peregrinos que foram ver o papa, ecumenicamente abriu a porta de sua igreja para que pudessem usar os banheiros ou tomar um copo d’água. O papa se dirigiu a ele e juntos rezaram o Pai Nosso. “Ele rezou por mim e eu orei por ele”, disse o pastor depois.

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE "A SOCIEDADE VISTA DO ABISMO" (EDITORA VOZES).


Fonte: O Estado de S. Paulo - Suplemento ALIÁS - Domingo, 28 de julho de 2013 - Pg. E3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-rosa-de-sarom,1058199,0.htm
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A JORNADA QUE EU VI E VIVI


Moisés Sbardelotto *
Moisés Sbardelotto

Muito se tem falado da “visita do Papa Francisco ao Brasil”, da qual foram inúmeros os protagonistas e os ambientes de interação: a multidão e o “carro simples” com a janela aberta e as ruas do Rio; os romeiros de “fé simples” e o Santuário de Aparecida; os doentes e dependentes químicos e o Hospital São Francisco de Assis; os pobres e as favelas; as autoridades públicas, os índios e os afro-brasileiros e o Theatro Municipal; os jovens argentinos e a Catedral; os voluntários e o Riocentro; os bispos latino-americanos e caribenhos e a Residência Sumaré; os jornalistas e o avião. Também muito se falou da desorganização das entidades públicas federais, estaduais e municipais. Mas poucas têm sido as análises mais específicas da própria 28ª Jornada Mundial da Juventude.

O que pretendo fazer aqui é uma reflexão pessoal sobre aquilo que eu vi e vivi no Rio de Janeiro durante os dias em que lá estive. Pretendo fazê-lo a partir de três protagonistas da Jornada: a cidade do Rio, os jovens participantes e o Papa Francisco. Em cada um deles, quero me deter sobre três pontos específicos. Obviamente, essas tríades não são casuais: fazem parte da própria fluidez de reflexão do Papa Francisco, que, tanto na Vigília do sábado, quanto na Missa de Envio do domingo, enumerou, não por acaso, três pistas-chave de aprofundamento.

1. A cidade do Rio

A Jornada no Rio reuniu a maior concentração de turistas em uma única cidade brasileira em toda a história do Brasil. Alguns números talvez ajudem a entender um pouco o que isso significa: 3,7 milhões de pessoas reunidas na orla de Copacabana; 60 mil voluntários; 8,7 mil ônibus urbanos em atividade nos principais dias do evento (ou seja, 100% da frota municipal); transporte público em funcionamento durante as 24 horas do dia; 600 horários extras de ônibus na rodoviária carioca e 230 voos extras no Rio e em São Paulo.

Como disse o Papa Francisco em sua saudação inicial, na quinta-feira, “esta semana, o Rio se converte no centro da Igreja, em seu coração vivo e jovem, porque vocês responderam com generosidade e entusiasmo ao convite que Jesus lhes fez para estar com ele, para ser seus amigos”.

Naturalmente, um evento do porte de uma Jornada Mundial da Juventude deve envolver uma grande sinergia de esforços, tanto públicos, quanto eclesiais. A princípio, o evento revelou uma grande desorganização e burocracia dos seus responsáveis, mas a cidade do Rio de Janeiro acabou sendo o palco da manifestação de uma multidão auto-organizada, e o comitê organizador da Jornada foi salvo de seus erros pela força simbólica e gratuita do dom da Criação.
Estação de Metrô superlotada e falha na circulação de trens
1.1 Desorganização

O primeiro “compromisso” dos jovens ao chegar ao Rio era a retirada do “kit do peregrino”, no Sambódromo. A centralização desse primeiro contato com a Jornada em um único local fez com que os responsáveis pelos grupos de peregrinos tivessem que passar, em muitos casos, mais de oito horas em filas intermináveis, abaixo de chuva, sem acesso a comida e banheiro (sob o risco de perder o lugar – ou de “se perder” no lugar).

Ao finalmente serem atendidos, se deparavam com uma sucessão de guichês, primeira demonstração de burocracia. No primeiro, conferiam-se os documentos e a inscrição do grupo. No segundo, retiravam-se os tickets de alimentação e de transporte. No terceiro, recebia-se a mochila com uma camiseta e uma cruz de pescoço. No quarto, retirava-se o material gráfico da Jornada (guia do peregrino e livros litúrgicos e catequéticos). No quinto e último guichê, o voluntário-atendente verificava se tudo havia sido entregue apropriadamente. Para os grupos maiores, essa conferência podia durar horas.

O imaginário da Cidade Maravilhosa, do sol e do calor cariocas levaram os organizadores a esquecer a Irmã Chuva e o Irmão Frio. Com o cancelamento da peregrinação até o Campus Fidei, em Guaratiba, devido ao mau tempo, todos os eventos centrais aconteceram na praia de Copacabana, que, definitivamente, não ofereceu uma estrutura mínima de bem-estar aos peregrinos. Falou-se em “imprevistos”. Contudo, o que se espera de uma organização é justamente que os leve em conta, pois senão não seria necessária tal organização.

Copacabana, então, tornou-se o grande palco da Jornada. A orla estava dividida pela pista por onde o papa se deslocaria, formada por uma das faixas da Avenida Atlântica. Algumas horas antes da chegada do pontífice, essa pista era evacuada, e o acesso das pessoas à praia era proibido. Quem estava à beira-mar não podia mais sair; e quem estava do lado dos edifícios não podia mais entrar. A circulação só voltava ao normal depois da passagem do papamóvel.

Um dos transtornos dessa logística, por exemplo, foi o acesso aos banheiros. Para os que estavam à beira da praia, as únicas opções de toaletes eram os poucos e tradicionais “postos” de Copacabana, localizados ao longo da orla (só havia banheiros químicos do outro lado da “pista do papa”, fora da praia), que não estão preparados para uma quantidade tão grande de visitantes, contando com apenas um banheiro masculino e um feminino, com capacidade máxima de cinco pessoas cada.

Embora sendo tradicionalmente pagos (R$ 1,70 por acesso), os banheiros dos postos tinham acesso grátis aos peregrinos, a partir de um acordo com a prefeitura. Porém, em uma segunda demonstração de burocracia totalmente desnecessária, para fazer uso desses banheiros, cada “necessitado” precisava preencher, na porta do banheiro, uma ficha com seu nome, número de identificação e assinatura. Os estrangeiros eram obrigados a informar o número do passaporte. Com esse controle, os organizadores da Jornada poderiam ressarcir a administração municipal.

Já na Vigília do sábado, para quem preferiu pernoitar na praia, as opções eram enfrentar as infindáveis filas dos banheiros dos postos na praia ou dos banheiros químicos na avenida (que, por serem poucos para a enorme multidão, ultrapassavam sua capacidade de limpeza e de armazenamento), ou improvisar, como fez um grupo de canadenses: dentro de uma barraca montada na praia, eles utilizavam galões de água vazios para fazer suas necessidades, que depois ficavam à espera do seu destino no mar ou no lixo.

Na peregrinação a pé para a Vigília, em Copacabana, a desorganização e a burocracia novamente deram as caras: a distribuição dos kits de comida foi centralizada no Museu de Arte Contemporânea. Mais de três milhões de peregrinos, e apenas um único ponto de distribuição, sem qualquer tipo de organização das filas nos arredores. Assim, a região do museu tornou-se o caos total. Alguns voluntários tentavam organizar os peregrinos, mas era impossível saber, no meio da imensa multidão, se as filas estavam se aproximando ou se afastando do museu – ou mesmo se o longínquo início da fila levaria realmente a algum lugar... E tudo ao embalo da chuva, que ia e vinha ao longo da manhã de sábado. Assim, foram inúmeros os peregrinos que simplesmente mudaram de ideia e não retiraram os seus kits.
Fila gigantesca para retirar o "Kit peregrino da JMJ" - pessoas de auto-organizam
1.2 Multidão auto-organizada

Apesar de todos os transtornos, o espírito coletivo foi mais forte e permitiu uma reunião gigantesca de pessoas sem nenhuma tragédia ou violência. Um interessante estudo de caso para os adeptos à auto-organização.

O Rio de Janeiro estava acostumado a ver recentemente grandes conglomerados de pessoas reunidas pacificamente para manifestar contra as injustiças sociais, porém o saldo final acabava sendo negativo depois que alguns criminosos devastavam e saqueavam a cidade. Na Jornada, diante da desorganização dos responsáveis, a multidão auto-organizada, sob a atração pacífica de Francisco, foi um ponto de destaque.

Seja na recepção ao papa, aglomerando-se ao redor do carro do pontífice, seja na praia de Copacabana, a multidão mostrou a sua força de manifestação e de organização, atraída e congregada por um objetivo comum.

1.3 Força simbólica da Criação

Além disso, o que faltou da parte humana responsável pelo evento, a parte natural da cidade retribuiu ao cêntuplo. O comentário maldoso até dizia que, neste ano, a participação dos jovens nas “catequeses” com os bispos foi maior justamente por causa das chuvas. Se os dias estivessem ensolarados, a “catequese” do Irmão Sol e da Irmã Praia certamente seria a mais concorrida...

Com a mudança da peregrinação de 13 quilômetros até o Campus Fidei, em Guaratiba, para Copacabana, o trajeto foi reduzido para nove quilômetros, partindo da Estação Central do Brasil. Assim, ao longo do caminho, os peregrinos eram retribuídos com uma tarde de sábado finalmente ensolarada, com as belíssimas vistas do Corcovado, à direita, e do Pão de Açúcar, à esquerda.

E o próprio papa assumiu em seu discurso na vigília do sábado, que, “por causa do mau tempo, tivemos de suspender a realização desta Vigília no 'Campus Fidei', em Guaratiba. Não quererá, porventura, o Senhor dizer-nos que o verdadeiro 'Campus Fidei', o verdadeiro Campo da Fé, não é um lugar geográfico, mas somos nós mesmos? Sim, é verdade! Cada um de nós, cada um de vocês, eu, todos. E ser discípulo missionário significa saber que somos o Campo da Fé de Deus”.

Diferentemente de um aeroporto abandonado (como ocorreu em outras Jornadas) ou de um grande descampado (como seria em Guaratiba), a praia de Copacabana foi o sinal máximo de que o verdadeiro campo de missão envolve também a cidade, as ruas, a multidão, a Criação, cada um e cada uma. Cada um desses elementos diz e narra a fé e Deus a nós. E, por outro lado, cada um e cada uma de nós é convidado a reconhecer a presença de Deus em cada um desses elementos.
Jovens chegando à praia de Copacabana para JMJ
2. Os jovens

Apesar de todos os percalços da organização, os jovens mostraram, como disse o Papa Francisco em sua saudação em Copacabana na quinta-feira, “que a fé de vocês é mais forte do que o frio e a chuva”.

E isso era visível em toda a cidade do Rio. O protagonismo dos jovens na Jornada ficou evidente em três pontos principais: o encontro, o compromisso e a mudança.

2.1 O encontro

A Jornada foi celebrada em diversos níveis de encontro: dos jovens entre si, dos jovens com o papa e a Igreja, e dos jovens com o mundo. 

Foi o encontro dos jovens peregrinos com a realidade da cidade, da pobreza, da injustiça e do desperdício espalhados pelas ruas pelas quais caminhavam. A “cultura do encontro”, defendida por Francisco em outros momentos de sua viagem, tornou-se não apenas discurso, mas também desafio e possibilidade em cada um dos dias dos peregrinos e do próprio papa, em que cada discurso se encarnava em gestos tanto com a multidão, quanto com as pessoas encontradas individualmente.

A Jornada também foi um encontro com aqueles que não puderam estar presentes. Primeiramente, com Bento XVI, que convocou essa Jornada e a quem o seu sucessor pediu que se enviasse “uma saudação e um forte aplauso”. Depois, um encontro com “todos os jovens do mundo, em particular aqueles que queriam vir ao Rio de Janeiro e não puderam”. Esse encontro foi marcado pelo reconhecimento, por parte da Igreja, dos novos processos sociais, como a midiatização. O encontro com Bento XVI, por exemplo, se deu, para além da oração, por meio da televisão. Francisco contou que Bento XVI lhe dissera que estaria junto da televisão durante todo o evento. “Ele está nos vendo agora”, disse o pontífice aos jovens. Continuando, o papa disse: “A todos os que nos seguem por meio do rádio, da televisão e da internet, a todos lhes digo: bem-vindos a esta festa da fé! (…) Porque o mais importante hoje é essa reunião de vocês e a reunião de todos os jovens que estão nos acompanhando através dos meios”.

Na Vigília, contudo, o encontro tornou-se desafio. Na organização inicial, pensada para o Campus Fidei, os peregrinos ficariam divididos em diversos lotes, distribuídos por todo o espaço. Com a transferência para Copacabana, a praia se tornou uma “terra sem leis”, em que os “latifundiários da areia” (geralmente os grupos mais numerosos e que haviam chegado à praia ainda no sábado pela manhã, reservando seus territórios) se adonavam de grandes extensões de praia com fios improvisados, fitas de demarcação ou com “muralhas” de areia, impedindo o acesso dos demais peregrinos nas “suas” terras. Para se deslocar, as pessoas se amontoavam em estreitos corredores entre os lotes improvisados. A disputa por um “pedaço de areia” não era exatamente a demonstração da cultura da solidariedade e do encontro proposta por Francisco, embora fosse possível ver alguns jovens solidários e abertos aos “sem praia”.
Via-Sacra da Jornada Mundial da Juventude - Sexta-feira, 26 de julho
2.2 O compromisso

A partir do encontro, a Jornada também foi um momento de compromisso prático e concreto dos jovens com a realidade eclesial e mundial. Do encontro, nascem as relações de amizade entre os jovens, mas também o compromisso com a Igreja e com o mundo.

Isso se deu especialmente na Via Sacra, na sexta-feira, celebrada de forma muito tocante e concreta, a partir de exemplos de realidades contemporâneas, ao longo da orla de Copacabana. O Papa Francisco, em seu discurso, relembrou que cada jovem, ao longo dos dois anos de peregrinação da Cruz da Jornada pelo Brasil , deixou algo na Cruz, desejos e necessidades. Por outro lado, a Cruz também deixou algo na vida de cada um e de cada uma. E, por fim, a Cruz ensinou algo a cada um e de cada uma em sua vida.

Francisco convidou a um compromisso que nasce a partir da Cruz: “Olhar sempre para o outro com misericórdia e amor, sobretudo a quem sofre, a quem tem necessidade de ajuda, a quem espera uma palavra, um gesto. A Cruz nos convida a sair de nós mesmos para ir ao encontro deles e estender-lhes as mãos”.

Para Francisco, “com a Cruz, Jesus se une ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem gritar, sobretudo os inocentes e os indefesos”, sejam as famílias que perdem seus filhos, como os 240 jovens mortos em Santa Maria, lembrados especialmente pelo papa, sejam as pessoas que passam fome diante do desperdício de alimentos, sejam as mães e os pais que veem seus filhos vítimas da droga, sejam os perseguidos pela religião, pelas suas ideias ou pela cor da pele, sejam os jovens que perderam a confiança nas instituições políticas ou na Igreja, devido ao egoísmo, à corrupção e à incoerência.

Outro momento de compromisso foi a Vigília do sábado, em que os já celebres “testemunhos” são momentos para mostrar, a cada Jornada, o papel protagônico dos jovens na Igreja em todo o mundo. Neste ano, contudo – justamente no ano cujo tema é “fazer discípulos entre todas as nações” –, eles ficaram centrados apenas em jovens brasileiros (três cariocas e um paranaense), em grande parte centrados também em relatos sobre experiências individuais de renovação e conversão – com pouco compromisso com o outro.

O jovem paranaense, por exemplo, depois de relatar um assalto sofrido e que lhe deixou paraplégico, centrou sua fala na sua opção de se “guardar” no seu namoro até o casamento e na convivência com a sua comunidade de fé particular. Em certo ponto, pediu que os jovens se ajoelhassem na praia e adorassem a cruz peitoral do kit do peregrino, invocando uma espécie de juramento, desviando-se do testemunho e passando para a pregação. Ao Papa Francisco, pediu ainda que entronizasse a “era do Espírito Santo”, avistada misticamente pela fundadora de sua comunidade. No fim, para o desespero da produção do evento, vendo que sua fala tomava um grande tempo da celebração, foi perceptível que ele precisou ser avisado pelo ponto eletrônico para encerrar o seu discurso.

Depois de ouvir esse e outros testemunhos, o Papa Francisco, em contraste, falou sobre os diversos campos em que a semente cai, como no relato evangélico. E foi muito claro sobre o tipo de compromisso necessário: “Eu sei que vocês querem ser uma boa terra, cristãos a sério, não cristãos de meio tempo, não cristãos 'engomados', com o nariz assim [empinado], que parecem cristãos e, no fundo, não fazem nada. Não cristãos de fachada. Esses cristãos que são pura aparência. Mas sim cristãos autênticos”.

Parecia uma resposta direta do pontífice ao que acabara de ouvir.
Vigília da Jornada Mundial da Juventude - Sábado, 27 de julho
Testemunho de um jovem

2.3 A mudança

A Jornada como um todo foi uma grande perspectiva de mudança: mudança pessoal, pela experiência vivida por cada peregrino; mudança social, no embalo das manifestações brasileiras; mas principalmente mudança eclesial, pelas palavras e pelos gestos de Francisco, ecoados no entusiasmo e na alegria da multidão de jovens peregrinos.

Como disse o papa na sua saudação na quinta-feira, “eu também vim [à Jornada] para ser confirmado pelos entusiasmo da fé de vocês. Vocês sabem que na vida de um bispo há tantos problemas que pedem para ser solucionados. E com esses problemas e dificuldades, a fé do bispo pode se entristecer. Que feio é um bispo triste. Que feio é. Para que a minha fé não seja triste, eu vim aqui para me contagiar com o entusiasmo de vocês”.

Contudo, na Vigília do sábado, o último testemunho dos jovens da noite também girou em torno de uma mudança, de uma “conversão” de uma moça: ela deixou de ouvir “funk proibidão” (termo repetido várias vezes) e de falar palavrões. “Manhã, tarde e noite – relatou a moça –, era só proibidão. Eu me recordo de São Paulo que respirava para matar cristão, eu respirava para escutar funk proibidão. Sentia muito prazer nisso, fazia apologia ao crime, gestos obscenos e falava palavrões. Cada 10 palavras, 7 eram palavrões. Revistas de horóscopos, signos, simpatias, ao mesmo tempo todo domingo estava na Santa Missa e comungava”. Depois de ouvir uma “música da igreja” em uma rádio funk, contou, “sem perceber, parei de escutar proibidão e falar palavrões”.

Em contraste, logo em seguida, no seu discurso, o papa desafiava os jovens à verdadeira mudança: “Talvez, às vezes (…), escutamos o Senhor, mas não muda nada em nossa vida, porque nos deixamos atontar pelos tantos apelos superficiais que escutamos. Eu lhes pergunto, mas não respondam agora, cada um responda em seu coração: eu sou um jovem, uma jovem atontado?”.

Atontado. Termo forte, claro, direto, providencial diante desse contexto.

Um dia antes, no discurso da Via Sacra, Francisco também foi enfático sobre o tipo de mudança necessária: “A fé faz uma revolução que poderíamos chamar de copernicana, tira-nos do centro e coloca a Deus no centro; a fé nos inunda de seu amor que nos dá segurança, força e esperança, Aparentemente, parece que não muda nada, mas, no mais profundo de nós mesmos, muda tudo. (…) Amigos queridos, a fé é revolucionária, e eu te pergunto: hoje, tu estás disposto, estás disposta a entrar nessa onda da revolução da fé?”.

Mais diretamente, na Vigília, Francisco pediu “os jovens na rua”. “São jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixem que outros sejam os protagonistas da mudança. Vocês são os que têm o futuro. (...) Continuem superando a apatia e oferecendo uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que vão surgindo em diversas partes do mundo. Peço-lhes que sejam construtores do futuro, que se ponham ao trabalho por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor, não 'olhem da sacada' a vida, metam-se nela. Jesus não ficou na sacada, meteu-se; não 'olhem da sacada' a vida, metam-se nela como fez Jesus”.

3. O papa

Por fim, o grande protagonista da Jornada foi, sem dúvida, o Papa Francisco. O “primeiro” em tantas coisas na vida da Igreja: o primeiro papa latino-americano, o primeiro papa jesuíta, o primeiro papa a ter a coragem de assumir o nome de Francisco; o “inovador” do papado, do pontífice que carrega a sua própria mala e circula por uma das cidades mais violentas do país com os vidros do carro abertos e em um papamóvel sem vidro blindado, fora da “caixa de vidro”, criticada por ele em sua entrevista à TV, para tratar como gente as pessoas que ele visita.

Em seu discurso de despedida, no domingo à noite, Francisco disse que estava partindo “com a alma cheia de recordações felizes”. “Neste momento – continuou – já começo a sentir saudades. Saudades do Brasil, este povo tão grande e de grande coração; este povo tão amoroso (...). Tenho a certeza de que Cristo vive e está realmente presente no agir de tantos e tantas jovens e demais pessoas que encontrei nesta inesquecível semana. Obrigado pelo acolhimento e o calor da amizade que me foram demonstrados. Também disso começo a sentir saudades”.

Essa “saudade” certamente nasceu também no coração de todos os peregrinos, que ouviram e viram o papa falar e pôr em prática a sua opção em pôr Cristo no centro, a sua ênfase na liberdade de consciência e a “nova primavera em todo o mundo” que Cristo está preparando (também encarnada pelas palavras e pelos gestos de Francisco).
Papa Francisco prega durante a Vigília da JMJ - Rio
Sábado, 27 de julho de 2013
3.1 Cristo no centro

Para Francisco, não basta “botar fé”, slogan utilizado pela organização brasileira para a peregrinação dos símbolos da Jornada por todo o país. Além de não especificar em quem se “bota a fé”, o slogan deixa faltar ainda os complementos: esperança e amor (em que, aliás, “o maior deles é o amor”, cf. 1Cor 13, 13). Com a fé, disse o papa, “a vida terá um sabor novo, a vida terá uma bússola que indica a direção”; com a esperança, “todos os seus dias serão iluminados e o seu horizonte já não será escuro, mas luminoso”; com o amor, “a sua existência será como uma casa construída sobre a rocha, o seu caminho será alegre, porque encontrará muitos amigos que caminham com você”.

E afirmou: “Hoje será bom que todos nos perguntemos sinceramente: em que botamos a nossa fé? Em nós mesmos, nas coisas ou em Jesus? Todos temos muitas vezes a tentação de pormo-nos no centro, de crer que somos o eixo do universo, de crer que nós sozinhos construímos a nossa vida […]. 'Bota Cristo' em tua vida, põe tua confiança nele e não ficarás desiludido!”.

“Botar Cristo” na própria vida: esse é o desafio de Francisco a todos os jovens. Assim, “tua vida estará cheia do seu amor, será uma vida fecunda. Porque todos nós queremos ter uma vida fecunda. Uma vida que dê vida a outros”.

3.2 Liberdade de consciência

Muito mais do que a liberdade pessoal (“Eu não tenho medo. Sou inconsciente”, diria ele em sua primeira entrevista televisiva), que o leva a andar de carro não blindado, com a janela aberta, em pleno centro do Rio, a percorrer a multidão em um papamóvel aberto para poder beijar as crianças e saudar as pessoas, Francisco também promoveu a liberdade de consciência em todos os jovens peregrinos.

Isso ficou patentemente claro na Via Crucis e na Vigília do sábado. Na Via Sacra, Francisco disse: “Eu te pergunto hoje: tu, como quem queres ser? [referindo-se a Pilatos, Cirineu ou Maria] (…) E tu, como qual deles queres ser? Como Pilatos, como o Cirineu, como Maria? Jesus está te olhando agora e te diz: queres me ajudar a levar a Cruz? Irmão e irmã, com toda a força de jovem, o que lhe respondes?”.

O convite é pessoal (“tu”), inclusivo ("irmão e irmã") e direto (“Jesus está te olhando e te diz”). A resposta, porém, fica na consciência de cada um.

Na Vigília, Francisco promoveu um dos mais belos momentos místicos da Jornada, em que os milhões de pessoas reunidas na praia fizeram alguns instantes de silêncio diante do convite do papa: “Façamos uma coisa: todos em silêncio, olhemos para o coração, e cada um diga a Jesus que quer receber a semente [lançada por Jesus]. Diga a Jesus: 'Olha, Jesus, as pedras que existem, olha os espinhos, olha os jugos, mas olha este pedacinho de terra que eu te ofereço, para que a semente entre'. Em silêncio, deixemos entrar a semente de Jesus. Lembrem-se desse momento. Cada um sabe o nome da semente que entrou. Deixem-na crescer, e Deus vai cuidá-la”.

“Cada um sabe”... No silêncio da liberdade de consciência de cada um, Deus “vai cuidar” dessa semente e a fará crescer.

E ainda: “Eu te pergunto, mas responde no teu coração, hein! Não em voz alta, em silêncio. Eu rezo? Cada um se responda. Eu falo com Jesus? Ou tenho medo do silêncio? Deixo que o Espírito Santo fale no meu coração? Eu pergunto a Jesus: o que queres que eu faça? O que queres da minha vida? Isso é treinar-se. Perguntem a Jesus, falem com Jesus”.

O papa pergunta. Mas a resposta está “no teu coração”, “em silêncio”, na ação do "Espírito Santo no meu coração". “Cada um se responda”.

O contraponto foram os shows musicais que antecederam os grandes encontros em Copacabana. Enquanto a multidão aguardava o início das celebrações, diversos músicos católicos e padres cantores se revezavam no palco. E a espiritualidade proposta revelava a crescente “pentecostalização” do catolicismo brasileiro, um “catolicismo evangélico” já analisado por diversos estudiosos.

Uma das canções interpretava a Eucaristia como “o céu dentro de mim”, saciando o fiel “triste, abatido, precisando de amor”. Outra falava que “o meu lugar é o céu”, é o lugar onde “eu quero morar”.

Contudo, distante de uma interpretação personalista dos sacramentos ou deturpada da presença divina “no céu”, Francisco disse na homilia da Missa de Envio que somos enviados por Cristo, sem medo, para servir. “No começo do salmo que proclamamos – afirmou – estão estas palavras: 'Cantem ao Senhor um canto novo' (95,1). Qual é esse canto novo? Não são palavras, não é uma melodia, mas é o canto da nossa vida, é deixar que a nossa vida se identifique com a de Jesus, é ter os seus sentimentos, os seus pensamentos, as suas ações. E a vida de Jesus é uma vida para os demais. É uma vida de serviço”.

Além disso, em vez de buscar um “céu” distante, Francisco convidou, na quarta-feira, na visita ao Hospital São Francisco, a “abraçar a carne sofredora de Cristo” nos irmãos e irmãs em dificuldade. “Jesus foi quem veio primeiro para junto de nós e não nos deu somente um pouco de Si, mas se deu por inteiro, Ele deu a sua vida para nos salvar e mostrar o amor e a misericórdia de Deus”, disse Francisco na Missa de Envio.

Assim se manifesta a liberdade de consciência. Jesus não impõe, não é “vontade de domínio” ou “vontade de poder”: é a “força do amor”, disse o papa. Ser livre, para o papa, é dar-se totalmente pelos demais, como Jesus, é ter "uma vida de serviço para os demais". “Jesus não nos trata como escravos, mas como pessoas livres, como amigos, como irmãos; e não somente nos envia, mas nos acompanha, está sempre junto de nós nesta missão de amor”.

Para Francisco, é nessa liberdade de consciência que brota do Espírito, no diálogo com Jesus, que nasce a oração, o discipulado missionário, o amor fraterno.

3.3 Nova primavera

Em sua despedida no aeroporto, Francisco afirmou que continuará nutrindo “uma esperança imensa nos jovens do Brasil e do mundo inteiro: através deles, Cristo está preparando uma nova primavera em todo o mundo. Eu vi os primeiros resultados desta sementeira; outros rejubilarão com a rica colheita!”.

O pontificado de Francisco como um todo tem sido uma “nova primavera”. Mas Francisco reconhece que essa primavera não é apenas dele, mas também dos jovens. Ou, melhor, não é nem dele, nem dos jovens, mas de Cristo. E assume que ele, Francisco, só poderá ver os primeiros frutos, pois reparar a Igreja se trata de um processo longo.

Na Vigília, Francisco refletiu sobre essa primavera a partir de "três imagens que podem nos ajudar a entender melhor o que significa ser um discípulo missionário: a primeira imagem, o campo como lugar onde se semeia; a segunda, o campo como lugar de treinamento; e a terceira, o campo como canteiro de obras". A semente de Jesus precisa ser acolhida pelo jovem. Depois de recebê-la, é preciso cuidá-la, treinar-se para a missão. Por fim, os jovens são convidados a dar o melhor de si e a construir a Igreja.

E perguntou: “Querem construir a Igreja? [Todos: “Sim!”] Animam-se? [“Sim”] E amanhã vão se esquecer do que disseram? [“Não!”] Assim que eu gosto”. O desafio de Francisco aos jovens é de serem construtores da Igreja e protagonistas da história. "Chicos e chicas, por favor: não se ponham no rabo da história. Sejam protagonistas. Joguem para a frente. Chutem para a frente, construam um mundo melhor. Um mundo de irmãos, um mundo de justiça, de amor, de paz, de fraternidade, de solidariedade. Joguem para a frente sempre”.

A “nova primavera”, portanto, é uma “utopia” positiva e possível, como reafirmou o papa em sua entrevista à TV. “Na Igreja de Jesus – continuou ele na Vigília –, as pedras vivas somos nós, e Jesus pede que edifiquemos a sua Igreja. (...) Cada pedacinho vivo tem que cuidar da unidade e da segurança da Igreja. E não construir uma pequena capela onde só cabe um grupinho de pessoas. Jesus nos pede que a sua Igreja seja tão grande que possa alojar toda a humanidade, que seja a casa de todos”.

E, encerrando a Vigília, disse: “Queridos amigos, não se esqueçam: vocês são o campo da fé. Vocês são os atletas de Cristo. Vocês são os construtores de uma Igreja mais bela e de um mundo melhor”. Por isso, na Missa de Envio, convidou a pôr em prática três palavras: "ide", "sem medo", "para servir". "Levar o Evangelho é levar a força de Deus, para extirpar e destruir o mal e a violência; para devastar e derrubar as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio; para construir um mundo novo", concluiu Francisco.

Uma nova primavera em todo o mundo, portanto, que não é nem do papa nem dos jovens, e sim de Cristo, mas que, para começar, precisa do papa e dos jovens. Com a metáfora do futebol, o papa convidou os jovens a “treinar, e muito” para essa convocação, que é “superior à Copa do Mundo”. De sua parte, Francisco já deu o pontapé inicial e, no Brasil, marcou um golaço.

* Moisés Sbardelotto é jornalista, autor do livro E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet (Ed. Santuário, 2012).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 31 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522348-a-jornada-que-eu-vi-e-vivi
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A JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE 
E A VISITA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL: 
NOTAS REFLEXIVAS SOBRE MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA


Magali do Nascimento Cunha *
Encerradas a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e a visita do Papa Francisco ao Brasil, ficam os desafios para a reflexão em torno dos desdobramentos que estes eventos religiosos trazem para a relação mídia-religião-política, à qual temos nos dedicado.

Recebemos pelas lentes e páginas das mídias relatos que mostraram o mesmo clima de jornadas anteriores, reunindo centenas de milhares de jovens motivados pela fé de orientação católica a renovarem seu compromisso com a Igreja e sua missão, muito em torno da presença carismática do seu líder maior, o Papa. A singularidade do encontro do Brasil estava na presença do Papa Francisco, recém-empossado, em sua primeira visita oficial. É possível afirmar de imediato que a realização da JMJ com a presença do Papa Francisco alcançou um feito de peso: reforçou a instituição católica como a “grande religião” do Brasil.

Pode-se também identificar elementos na visita do Papa vistos como positivos, que estimulam um reposicionamento da Igreja Católica no País e sua pastoral a uma postura menos fechada em si mesma e mais alinhada com as demandas populares cotidianas, e também pontos polêmicos que mostram que Francisco ainda tem muito a percorrer se suas palavras pavimentam de fato o caminho que deseja trilhar.

Portas que se abrem

Desde fevereiro de 2013, Francisco vinha encantando os fiéis, as mídias e seu público com atitudes simbólicas de marcação de uma nova etapa na vida da Igreja Católica, que necessitaria imprimir: despojamento, humildade, busca de correção de princípios e de retidão. Os posicionamentos do Papa Francisco em terras brasileiras reafirmaram estas atitudes.

Não é por acaso que essas posturas e palavras de Francisco estejam animando e renovando a esperança de novos tempos para os grupos católicos chamados progressistas (em especial os teólogos da libertação, as pastorais sociais e as Comunidades Eclesiais de Base), colocados à margem da igreja durante mais de duas décadas, por meio de processos de silenciamento e da nomeação de bispos que diminuíram seus espaços. Ações em nome de um projeto de nova cristandade implementado pelo Papa João Paulo II (Evangelização 2000/Lumen 2000), que não enfatizava posturas políticas de compromisso com a promoção da justiça mas sim a reafirmação da identidade religiosa católico-romana.

O declínio do catolicismo em termos numéricos, em especial no continente onde repousava sua maior força, o latino-americano, revelou os rumos malsucedidos no projeto. Se João Paulo II ainda atraía atenções para a Igreja Católica e alcançava adesões e simpatia com seu carisma pessoal e sua história de pastor polonês, de “papa do povo”, Bento XVI com sua postura burocrática, frieza e distância do povo levou a um crescente desgaste de imagem. Ambos os pontificados foram engolidos pelas tramas da política eclesiástica alimentadas por escândalos comprometedores da trajetória da Igreja e pelas posturas de fechamento da Igreja ao diálogo interno (entre suas diferentes tendências teológicas) e externo (com as demandas da sociedade).
Papa Francisco abraça o menino Natan, de 9 anos de idade
Francisco retoma o carisma da popularidade de João Paulo II casando-a com um discurso de pastor, solidário, preocupado com quem sofre e carece de atenção e justiça. Torna-se uma promessa de novos tempos para uma Igreja cuja imagem tem sido desgastada publicamente. A proposta, por ações simbólicas, de uma Igreja menos burocrática, mais despojada e humana é a chave que abre a porta fechada por João Paulo II e por Bento XVI a uma Igreja socialmente engajada.

O Papa Francisco proferiu diversos discursos na semana que passou no Brasil: falou aos jovens participantes da Jornada; a participantes de missa no Santuário de Aparecida; a participantes em visitas a uma favela, a um hospital, a um centro de tratamento de dependentes químicos; a políticos e pessoas ligadas a organizações civis; aos bispos da Igreja Católica; além de falas mais breves em momentos como o da sua recepção e despedida.

Nesses espaços foram ressaltados: 
  • o papel da Igreja como comunidade acolhedora que sai ao encontro das pessoas, em especial as pobres, das periferias, pois elas são intermediárias de um encontro com Cristo; 
  • o papel do Cristianismo como gerador de fé que é fonte de alegria e de esperança
  • o diálogo como caminho para um futuro melhor no mundo, instrumento na política, que deve ser reabilitada/revalorizada, e entre as religiões
  • O Papa pregou a necessidade de uma visão humanista da economia e de uma política que deve realizar cada vez mais e melhor a participação das pessoas, por isso, como se esperava, valorizou as manifestações políticas públicas "como vigorosas contribuições das energias morais"
  • Nesse sentido, afirmou que o Estado deve ser laico mas garantindo que as religiões preguem os seus princípios
  • Especificamente aos jovens, o Papa incentivou o seu papel como motor da Igreja e pediu que não desanimem com a política por causa da corrupção
Estes conteúdos têm sido avaliados como positivos para um reposicionamento da Igreja Católica no Brasil que reabra espaços para teologias e pastorais comprometidas com demandas populares.
"Tenda das Juventudes" - durante a Jornada Mundial da Juventude - Rio de Janeiro
Já em relação à JMJ, a interação dos jovens de todo o mundo com as comunidades locais e os estudos/debates que ocorriam na Tenda das Juventudes, promovida por diversas organizações católicas e ecumênicas, não foram destaque nas mídias, já que não renderam espetáculos. Todavia, revelaram-se ponto alto do evento. Nas comunidades, jovens conheceram experiências locais e partilharam suas próprias em interação com famílias, com paróquias e com CEBs. Um dos destaques foi o fato de que famílias e igrejas evangélicas abriram suas portas para esses momentos, transformando a experiência em espaço ecumênico.

Com o tema "A juventude quer viver", a Tenda das Juventudes, ignorada pelas mídias, foi espaço de debate e reflexão da realidade juvenil e políticas públicas para a juventude e contou com mesas temáticas, celebrações e momentos de oração, exposições, apresentações culturais. Ali havia o espaço em memória dos mártires, denominado Santuário dos Mártires, local dentro da tenda para aprofundar e celebrar a memória de pessoas que perderam a vida por conta de uma pastoral socialmente engajada.
As mesas temáticas trataram de: 
  • desafios socioambientais da humanidade e a juventude; 
  • crise econômica, 
  • direitos sociais e juventudes; 
  • tráfico de pessoas; 
  • juventudes, cultura, comunicação e direitos humanos; 
  • civilização do amor e a evangelização da juventude na América latina; e 
  • solidariedade. 
A atividade foi organizada pela Pastoral da Juventude, Cáritas Brasileira, Juventude Frasciscana, Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Cajueiro - Centro de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude, REJU – Rede Ecumênica da Juventude, Irmandade dos Mártires da Caminhada, Setor Pastoral da PUC/RJ, com a parceria do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; da Superintendência de Juventude do Governo do RJ; da Secretaria Nacional de Juventude do Governo Federal; e da Rede Brasileira de Centros e Institutos de Juventude.

No espaço denominado "Cidade da Fé", no Riocentro, várias organizações também tiveram chance de chamar os participantes da JMJ à reflexão em temáticas diversas, como, por exemplo, a Marcha Mundial por Justiça Climática, Sustentabilidade e Contra o Aquecimento Global.

Também na JMJ, a dimensão ecumênica se fez presente em outras situações. A convite da Renovação Carismática Católica, os cantores gospel evangélicos Asaph Borba, Dawidh Alves, Bené Gomes, Mike Shea, Isaías Carneiro, Mike Herron e Matteo Calisi se apresentaram no Encontro Internacional das Novas Comunidades e Renovação Carismática Católica. Borba postou no Facebook: "Hoje pude ver o que Deus pode fazer quando quebramos as barreiras que nos separam não apenas dos católicos mas das vidas". Houve ainda encontros, como o realizado na PUC do Rio, que envolveram jovens de diferentes religiões.

Nas mídias impressas foi timidamente divulgado o encontro do Papa com fiéis de uma congregação da Assembleia de Deus na favela de Manguinhos. O pastor Elenilson Ribeiro aceitou o pedido de um membro da equipe organizadora para que o papa passasse por lá: “Aceitamos, claro, afinal somos irmãos em Cristo. É uma interação positiva, nós aprendemos sempre que não existe essa diferença e nem deve haver briga. Sem paz com todos, não veremos Deus”, disse. O papa cumprimentou os pastores e pessoas que estavam na igreja e orou o Pai Nosso com o grupo. O pastor Eliel Magalhães, também liderança da igreja, ressaltou que o templo ficou à disposição dos peregrinos católicos o tempo todo, prestando suporte às pessoas. “A gente tem o seguinte posicionamento: Jesus Cristo é o Senhor. Nosso Pontífice não é o papa, mas ficamos muito contentes com a visita. Deixamos a igreja aberta para apoiar as pessoas, quem precisasse ir ao banheiro, beber uma água", explicou Magalhães a repórteres.

São aberturas de portas em muitos sentidos. Sites evangélicos divulgaram opiniões positivas quanto às posturas apresentadas pelo Papa Francisco.  Há também quem queira manter as portas fechadas. O cantor Asaph Borba desabafou em espaços na internet a tristeza com comentários críticos rudes em relação a sua participação na JMJ como evangélico. Em sua conta no Twitter o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia postou, em tom debochado, críticas à visita do Papa e à cobertura mídia, com discurso que coloca os evangélicos como competidores em vantagem pela hegemonia do campo religioso.
"Campo da Fé", em Guaratiba, região oeste do Rio, inundado
Aspectos controversos

O uso de recursos públicos para financiamento da JMJ e da visita do Papa foi um ponto controverso marcante que culminou com o caso da transferência do local do encontro do Papa com os participantes da JMJ de Pedra de Guaratiba para Copacabana, por conta das chuvas. Todo o investimento financeiro feito no terreno com terraplanagem e infraestrutura, foi desperdiçado por conta do lamaçal que se tornou o local. No momento, há uma investigação do Ministério Público sobre a aplicação e gestão dos valores públicos pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Um protesto organizado no final da apresentação da Via Sacra em Copacabana (26 de julho) denunciou este aspecto com palavras de ordem como "Você abençoado, também é explorado". Manifestantes chegaram próximos ao palco e conseguiram provocar o encerramento do show gospel que acontecia.

O uso de recursos públicos com a visita do Papa e a JMJ também foram objeto de protesto no Santuário de Aparecida. A manifestação foi organizada Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto e pelas organizações Periferia Ativa e Resistência Urbana. "O objetivo é dialogar com o discurso adotado pelo Papa de proximidade com os pobres. Queremos que ele se posicione contra esses ataques que os pobres têm sofrido no Brasil, como os despejos para as obras da Copa e as mortes cometidas pela polícia", disse Guilherme Boulos, do MTST ao jornal O Globo.

O Papa não enfatizou a moral sexual da Igreja Católica em seus pronunciamentos, contrariamente ao que se esperava. No entanto, o tema esteve presente por meio de manifestações de organizações LGBT e feministas. Alguns grupos fizeram questão de chamar a atenção com gestos simbólicos impactantes como o "beijaço gay" em frente a uma Igreja Católica no Largo do Machado, no Rio, também acompanhados de protestos contra os gastos públicos com a visita do Papa e a JMJ, por meio de cartazes como "Do Papa eu abro mão, quero mais dinheiro para saúde e educação". Já participantes da Marcha das Vadias, na Orla de Copacabana reivindicaram o fim do preconceito contra homossexuais e o da violência contra as mulheres, além da legalização do aborto. Houve algumas performances de nudez e quebra de imagens de Nossa Senhora que causaram rejeição da parte do público que assistia a marcha.

A ONG Católicas pelo Direito de Decidir também organizou manifestações em diferentes locais e distribuiu uma carta aberta ao Papa Francisco pedindo mudanças na Igreja, como o fim da condenação ao aborto e a bênção à união de casais do mesmo sexo.
Maria José do Rosado Nunes - presidente da ONG
"Católicas pelo Direito de Decidir"

Em entrevista à revista Carta Capital a presidente da ONG Maria José do Rosado Nunes fez a seguinte crítica: "A cabeça da juventude é uma cabeça que depende de inúmeros fatores e ser jovem não é sinônimo de ser progressista. Os jovens estão inseridos no meio social e pertencem a uma classe social. De que jovens estamos falando? A juventude é um mundo muito diverso em termos da sua inserção de classe, sua inserção de raça, em todos os aspectos. Se aqui no Brasil a gente tem a elite brasileira com a cabeça tão conservadora, é de se supor que os filhos e filhas dessa elite reproduzam de certa maneira esse conservadorismo. Encomendamos uma pesquisa Ibope, no contexto da visita do papa, para mostrar o quanto a juventude está distante daquilo que são as proposições doutrinais da Igreja Católica. Há uma juventude que segue o papa, que vai às jornadas, mas que não pratica a doutrina proposta por ele. Acho que a gente não pode imaginar que toda essa juventude não faça sexo, seja heterossexual, não use camisinha e anticoncepção. Uma coisa é a necessidade que eles têm, digamos, de guias e de lideranças. Agora, dessa juventude, qual é a proporção daqueles que seguem a doutrina?".

Do lado de quem defende os princípios restritivos da moral católica também houve criação de polêmicas. A Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, um movimento contra o aborto, distribuiu entre os participantes da JMJ pequenas réplicas de fetos para tentar convencer os jovens a “valorizar o ser humano desde a fase inicial de sua vida”, de acordo com o presidente da associação, Humberto Leal Vieira. A miniatura, feita em plástico e em tamanho real, é de um feto na 12ª semana de gestação. “A representação vem dentro de uma caixinha com um folder com explicações científicas e religiosas sobre o início da vida em três idiomas: português, espanhol e inglês”, explica Humberto.

Estas iniciativas, no entanto, causaram polêmica entre os jovens. Uma participante que recebeu um terço com “pequenos fetos” durante o encontro católico criticou os peregrinos por apelarem para a representação. Em seu perfil no Instagram, Renata Spolidoro se disse “muito assustada” com o “presente”. “Ganhei um terço. Ok. Um terço com pequenos fetos. Um terço com pequenos fetos para rezar contra o aborto. Parecem uns feijões, mas são fetos. Sério, o problema é quando as pessoas passam do seu limite e resolvem se meter na vida dos outros. Nada contra você ter a sua religião e acreditar que vai pro inferno se fizer aborto. Ótimo. Abortar ou não é uma escolha. Cada um sabe de si. Cada um sabe do seu corpo. Tô muito assustada com esse terço”, relatou ela ao Notícias Terra.

O silêncio de Francisco com a temática da moral sexual, do casamento e da ordenação de mulheres foi quebrado no trajeto de retorno ao Vaticano, no avião, durante a viagem, quando concedeu entrevista de 90 minutos aos jornalistas que viajavam com ele
Papa Francisco concede entrevista coletiva no voo de retorno a Roma

Perguntado por que não falou sobre os temas aos jovens, o papa respondeu que os jovens já conhecem a doutrina clara da igreja sobre os temas e não houve necessidade de voltar a eles. Portanto, para Francisco o ensinamento da Igreja não muda. Mas quando questionado sobre recentes revelações de que um assessor próximo seria homossexual e a uma frase atribuída a ele no início de junho, de que havia um "lobby gay" no Vaticano, o pontífice declarou: que os gays "não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade" e que não se sente em condição de julgá-los. "Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", afirmou Francisco aos cerca de 70 jornalistas que participavam da entrevista no avião. "O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade." E concluiu: “O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby, o lobby dos avaros, o lobby dos políticos, o lobby dos maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema”.

Reinaldo José Lopes em artigo para a Folha de S. Paulo fez interessante avaliação dessa posição que vale transcrever aqui:

Nesses três temas polêmicos (homossexualidade, aborto e ordenação de mulheres), ele se limitou a dizer: o ensinamento da Igreja não muda e não achei que era o caso ficar martelando esses temas, em especial durante a Jornada Mundial da Juventude.

Por outro lado, é inegável que, numa instituição com tanto peso histórico quanto a Igreja, enfoques e ênfases também são importantes. Só para citar um exemplo, é improvável que João Paulo 2° achasse supérfluo, ou "fora de hora", insistir nessas questões.

E abordar a questão da homossexualidade primeiro pelo ângulo da "misericórdia", por mais que isso possa soar condescendente aos ouvidos da militância gay, pode ter repercussões importantes na maneira como a questão é tratada no cotidiano pastoral da Igreja.
Cobertura da Rede Globo de Televisão à Jornada Mundial da Juventude
Religião na mídia potencializada

Durante a JMJ e a visita do Papa Francisco ao Brasil, a Rede Globo fez “evangelismo”. Esta frase pode resumir, com linguagem religiosa, o que significou uma semana de atuação da emissora que comandou o “pool” de redes responsáveis pela captação e distribuição de imagens dos eventos por meio do trabalho de mil profissionais. Foram veiculados flashes ao vivo durante toda a programação com discursos do Papa Francisco transmitidos na íntegra. Apresentadores deixaram as bancadas de seus telejornais para atuarem de Aparecida do Norte e da Praia de Copacabana enquanto diretor de teatro da emissora, atores e atrizes tiveram participação destacada na criação e na representação da encenação da Via Sacra nas areias de Copacabana.

Com a transmissão ao vivo da encenação, sem entrada de comerciais, pela primeira vez uma novela da Rede Globo (Flor do Caribe) deixou de ser exibida por conta de uma cobertura dessa natureza. Já a Missa de Envio da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no domingo pela manhã venceu o Grande Prêmio de Fórmula 1 da Hungria – ele não foi transmitido e os comentaristas da Rede Globo Rubens Barrichello, Reginaldo Leme e Luciano Burti sequer foram enviados à Europa para acompanhar a prova. Até então, GPs só deixavam de ser transmitidos se coincidiam com jogos de futebol.

Tudo isto foi alimentado por discursos extremamente positivos de todos os momentos mostrados, com toques de emocionalismo explícito da parte de jornalistas que se tornavam comentaristas, em afirmações como: “Todos os corações já estão abertos para ele (o Papa)", ou “É muita emoção!”

Além da Rede Globo, a Bandeirantes foi a que deu mais espaço ao evento católico e ao Papa com transmissões ao vivo e alteração da programação, com linguagem também ufanista na cobertura. Da TV aberta brasileira, apenas Band e Globo tiveram representantes no voo papal desde a saída do Vaticano até o retorno.

Das grandes redes de TV aberta, SBT e Rede Record fizeram uma cobertura “normal” do que deveria ser mesmo tratado como um fato jornalístico de peso. A Record, no entanto, não deixou de registrar suas marcas religiosas contrárias ao catolicismo em reportagens que privilegiavam aspectos negativos do evento e as temáticas polêmicas que o envolviam. Guerras religiosas à parte, a Record acabou prestando um serviço ao mostrar um “outro lado” da semana, incluindo reclamações de moradores de Copacabana com os transtornos que vivenciaram.

O jornalista Paulo Victor Melo em artigo on-line faz afirmação crítica pertinente a esse quadro aqui descrito: “Os telejornais praticamente se transformaram em extensões da assessoria de imprensa do Vaticano; os programas de variedade e entretenimento resumem-se ao papel de retratar hábitos e curiosidades da passagem do primeiro papa latino-americano pelo Brasil. Enfim, uma série de informações desprovidas de senso crítico que abandonam o jornalismo e o interesse público e escancaram uma relação íntima entre mídia e religião no Brasil”.

As críticas do deputado federal pastor Marco Feliciano e do pastor Silas Malafaia à cobertura predominante nas telas, denunciando a desvantagem dos evangélicos no tratamento, explicita o clima de disputa no campo religioso e midiático e também deixa claro o nível de relacionamento das redes de TV aberta com as religiões. Historicamente pertencentes a famílias economicamente poderosas no País, as TVs refletem o catolicismo conservador, ou seja, trabalham na defesa da tradição católica romana em suas coberturas jornalísticas e em demais programações (a exceção é a Record de propriedade da Igreja Universal do Poder de Deus). Portanto, tudo o que diz respeito à instituição católica e sua reconhecida liderança é reforçado. Tudo o que signifique alinhamento com esta tradição também ganha espaço – o lugar garantido aos padres cantores e à Renovação Carismática Católica mostra bem isto. Tudo o que registre ou mesmo simbolize a chamada igreja progressista é silenciado. Basta buscar o tratamento dado aos encontros nacionais das Comunidades Eclesiais de Base que reúnem milhares de pessoas há décadas: não há. O caráter despojado e humilde do Papa Francisco tão destacado na cobertura da TV afina-se bastante ao tradicionalismo religioso – quem questionaria isto? – porém, os inevitáveis destaques aos discursos do Papa Francisco sobre justiça para os pobres e sobre privilégio pastoral para as periferias soaram como fora de lugar nos textos dos telejornais.

Em relação aos evangélicos, identifica-se uma abertura das redes de TV, mas de forma estreitamente relacionada ao plano mercadológico, ou, aos interesses comerciais, que passam pela venda de espaços nas grades de programação e em captação de audiência e ampliação de mercado, como é o caso da Rede Globo mais recentemente. Com isso ganham também cobertura de seus eventos (shows, marchas) mas não a defesa de seus princípios. Da mesma forma que em relação aos católicos romanos, o que existe nas igrejas evangélicas fora desses padrões midiáticos comerciais não tem espaço nas TVs. Iniciativas confessionais tidas como progressistas no campo sociopolítico são ignoradas e muito mais as ecumênicas. O silêncio em relação à visita do papa a uma congregação da Assembleia de Deus na favela de Varginha é o retrato disso. Já as outras religiões, além de terem tempo mínimo destinado a elas em coberturas jornalísticas e demais programações, quando aparecem, o caráter exótico e curioso é sempre mais destacado na linguagem desenvolvida, com poucas exceções.

Os efeitos políticos desta postura das mídias e seu tradicionalismo religioso já podem ser sentidos e têm como emblema o investimento que fazem nas guerras religiosas e nas polarizações, como foi o “caso Feliciano” em março passado, gravando na memória dos telespectadores nomes e posturas conservadoras que encontram ressonância na população.

Por fim...

Um humorista escreveu em coluna de jornal: “O papa é muito simpático, mas é papa”. Sim, Francisco leva um nome simbólico, expressa atos simbólicos, que o tornam simpático e fonte de esperança de renovação da Igreja Católica, mas do alto do seu pontificado ainda não teve tempo de revelar ações que correspondam a estas expectativas. Transformar a Cúria e o Banco do Vaticano seria pouco. Precisamos aguardar. Afinal, não dá para esquecer que o papa João Paulo II também encantou o Brasil e os diferentes grupos da Igreja Católica em sua primeira visita em 1980, no início do seu pontificado. Foi o primeiro Papa a "peregrinar" pelo mundo, visto como papa do povo; sua atitude de beijar o chão ao descer do avião comovia o público. Na ocasião, João Paulo II falou da Igreja que quer ser a Igreja dos pobres, foi chamado por Dom Helder Câmara de "irmão dos pobres e meu irmão", fez discurso em favor dos trabalhadores rurais, visitou a favela do Vidigal, para onde, num gesto simbólico, doou seu anel de ouro, entre outras situações.

Tudo o que foi testemunhado pelo público, agora em 2013, em termos de encantamento com gestos, atitudes e palavras, foi igualmente presenciado em 1980. Cinco anos depois, o primeiro processo do Vaticano contra um teólogo da libertação do Brasil era concluído: frei Leonardo Boff foi condenado a um ano de silêncio obsequioso, perdendo o direito de lecionar e sendo destituído de funções editoriais. Foi o primeiro de muitos outros envolvendo brasileiros, latino-americanos e de outros continentes censurados. Boff declarou em entrevista neste julho de 2013 que o Papa Francisco lhe pediu uma cópia do seu livro sobre o novo pontificado Francisco de Assis e Francisco de Roma. Mais uma chave para abrir as portas fechadas? Que não seja apenas uma fresta.

*  Magali do Nascimento Cunha, jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora da Universidade Metodista de São Paulo e autora do livro A Explosão Gospel. Um Olhar das Ciências Humanas sobre o cenário evangélico contemporâneo (Ed. Mauad).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 31 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522360-a-jornada-mundial-da-juventude-e-a-visita-do-papa-francisco-ao-brasil-notas-reflexivas-sobre-midia-religiao-e-politica

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