«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

QUE IGREJA O PAPA FRANCISCO ENCONTRARÁ?

QUAL É A IGREJA CATÓLICA QUE O
PAPA FRANCISCO ENCONTRARÁ?


José Oscar Beozzo *
Pe. José Oscar Beozzo - teólogo e historiador

O papa Francisco acrescentou à programação feita por Bento 16 para a Jornada Mundial da Juventude uma peregrinação pessoal ao santuário de Aparecida. Ali, em maio de 2007, ele participou da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e coordenou a redação do Documento de Aparecida.

Irá como peregrino ao encontro de expressão antiga, mas viva do catolicismo brasileiro, pois Aparecida atrai mais de 10 milhões de romeiros por ano. É um catolicismo que deita raízes no passado, com santuários à beira dos rios, antigos caminhos coloniais, e ao longo do mar, por onde se escoava o açúcar.

Há um fio invisível que une Bom Jesus de Pirapora, no rio Tietê, a Bom Jesus da Lapa, à beira do Rio São Francisco.

É o mesmo catolicismo que Fafá de Belém irá evocar, ao trazer para o papa os ecos do Círio de Nazaré. Será a Virgem do mundo indígena contracenando com a Virgem negra das fazendas de café no Vale do Paraíba, ou com Nossa Senhora da Penha em Vitória e Nossa Senhora da Conceição da Praia em Salvador.

Esse catolicismo tradicional ganha rosto militante e libertador com as romarias da Comissão Pastoral da Terra ou com o 13º Intereclesial das CEBs, em janeiro, em Juazeiro (CE), com o lema "Justiça e Profecia a serviço da Vida"

No Rio, o papa tocará o contraste de um catolicismo que, respaldado na década de 1930 por mais de 98% dos brasileiros que se declaravam católicos, sonhou com uma nova cristandade e erigiu a estátua do Cristo Redentor.

Hoje, o Rio é a capital com o menor percentual de católicos e o maior dos que se dizem "sem religião". Na periferia, os católicos viraram minoria frente aos evangélicos.

Na visita ao Complexo de Manguinhos, o papa terá contato com uma franja do Brasil de mais de 100 milhões de afrodescendentes, mas, nas missas, terá ao seu lado uma maioria de bispos e padres de origem branca e europeia, com escassa presença negra.

Na Jornada, os jovens que estarão com o papa serão acompanhados ao vivo por uma vasta audiência. Aqui reside outro rosto da Igreja, o de um catolicismo mediático, cuja face mais visível são os padres cantores e as redes católicas de TV, que são pálida presença frente ao poder midiático da Igreja Universal do Reino de Deus e da Rede Record, ou das intermináveis horas alocadas em outras TVs a várias igrejas pentecostais.

Para a Igreja Católica, são muitos os desafios: 
  • Como passar de um catolicismo tradicional e nominal a um catolicismo de opção e atuante? 
  • Como transitar de um catolicismo rural para o contexto urbano? 
  • Como implantar uma Igreja-comunidade numa sociedade de extremo individualismo? 
  • Como viver modestamente, atento à crise ambiental, na contramão de um consumismo sem freio? 
  • Como atuar nas lutas por justiça e superação das desigualdades, da discriminação racial e da violência, quando cresce a tendência de espiritualismos desencarnados?
  • Como falar à juventude, depois que se rompeu o vínculo da transmissão da fé nas famílias, mas surgiu também renovado anseio por justiça, paz e cuidado com a criação?
  • Como aprofundar a reflexão sobre o sentido da sexualidade, do amor, do prazer, exercitando escuta e misericórdia?
  • Como responder às mulheres, cuja emancipação e aspiração à igual dignidade em todas as esferas não é suficientemente acolhida nas estruturas da Igreja?
  • Como mover-se, enfim, nos espaços do crescente pluralismo religioso da sociedade brasileira, aprendendo a dialogar e a cooperar ecumenicamente para o bem comum, com todas as pessoas, nas diferentes igrejas, religiões e filosofias de vida?
* José Oscar Beozzo é padre, teólogo e historiador. Coordena o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEP).

Fonte: Folha de S. Paulo - Especial: Católicos no Brasil - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. 3 - edição impressa.
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CATÓLICOS VÃO POUCO À MISSA E
CONTRIBUEM MENOS COM A IGREJA


Reinaldo José Lopes

Em sua primeira viagem internacional como pontífice, o papa Francisco encontrará um Brasil em que a presença católica continua em declínio, com fiéis relativamente distantes da Igreja nas missas, no dízimo e na convicção sobre assuntos polêmicos, como casamento gay e adoção por casais do mesmo sexo.

As conclusões vêm de pesquisa do Datafolha realizada nos dias 6 e 7 de junho, com 3.758 entrevistados em 180 municípios do país. A margem de erro dos resultados é de dois pontos percentuais.

Segundo o levantamento: 
  • 57% dos brasileiros com mais de 16 anos se declaram católicos, patamar mais baixo da história do país. 
  • Em 2007, pesquisa semelhante feita pelo Datafolha apontou 64%
  • Em 1994, eles eram 75%.
  • O segundo maior bloco religioso do Brasil é o de evangélicos pentecostais (membros de igrejas como a Assembleia de Deus), com 19%. 
  • Em seguida estão os evangélicos não pentecostais (de igrejas protestantes com séculos de existência, como os metodistas e os batistas), com 9%.
O engajamento religioso de evangélicos, tanto pentecostais como neopentecostais, é superior ao de católicos quando se observam índices como a frequência nos cultos ou as contribuições financeiras:
  • A maioria dos evangélicos (63% dos pentecostais e 51% dos não pentecostais) diz frequentar cultos mais de uma vez por semana
  • contra 17% dos católicos
  • Dos membros da Igreja Católica, 28% afirmam participar de cerimônias uma vez por semana, 
  • enquanto 21% o fazem uma vez por mês. O mínimo exigido pela igreja é o comparecimento à missa de domingo.

Os números são parecidos quando se trata de contribuir financeiramente. 
  • Dos católicos, 34% afirmam fazer isso sempre
  • contra cerca de 50% dos evangélicos
  • Quase um terço dos católicos diz não dar dinheiro algum para a Igreja
  • contra pouco mais de 10% dos evangélicos.
A própria comparação entre valores médios de contribuições mensais deixa clara a diferença entre os grupos cristãos. 
  • O valor se aproxima dos R$ 70 por mês para os evangélicos pentecostais
  • vai para quase R$ 86 no caso dos não pentecostais, mas 
  • é de apenas R$ 23 entre católicos.
Embora o valor absoluto de contribuição dos pentecostais seja menor do que o dos não pentecostais, eles provavelmente destinam uma parte maior de sua renda familiar, já que são mais numerosos entre as famílias que ganham até dois salários mínimos.
A pesquisa também confirma a ideia de que, entre as igrejas cristãs, os católicos tendem a ser mais liberais em matéria de costumes, mesmo quando isso contraria a orientação da hierarquia católica:
  • Só uma minoria deles se diz contra a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo (36%)
  • contra a adoção de crianças por casais homossexuais (42%)
  • índices inferiores ao que pensa a média da população e 
  • muito abaixo do registrado entre evangélicos (em torno de 65% e 70%, respectivamente).
  • Apenas espíritas e umbandistas são mais liberais a respeito desses temas
  • Mas membros de todas as igrejas cristãs pensam de forma muito parecida sobre o aborto: entre 65% a 70% dizem que a mulher que praticar aborto deve ser processada e presa.
Apesar da polêmica despertada por iniciativas ligadas a grupos religiosos, como o projeto da "cura gay" e o que aumenta garantias para fetos, a maioria dos brasileiros, em especial os católicos, afirma não votar em candidatos indicados pelas igrejas:
  • Somente 8% dos ouvidos pelo Datafolha declararam já ter escolhido candidatos apoiados por suas igrejas
  • índice que cai para 5% entre católicos
  • sobe para 18% entre evangélicos pentecostais.
  • Do mesmo modo, apenas 11% dos católicos afirmam que a opinião dos líderes religiosos é importante na hora de escolher em quem votar 
  • 21% dos evangélicos pentecostais têm essa opinião.
Os dados são mais ambíguos, porém, quando o Datafolha pergunta sobre o apoio à ideia de que líderes religiosos se candidatem a cargos políticos. Um quarto dos católicos concorda com a ideia, número que sobe para cerca de 40% entre evangélicos e é relativamente forte mesmo entre espíritas (26%).

Fonte: Folha de S. Paulo - Especial: Católicos no Brasil - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. 2 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522096-catolicos-vao-pouco-a-missa-e-contribuem-menos-com-igreja
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DESAFIO DE FRANCISCO SERÁ FALAR À JUVENTUDE


Fernando Altemeyer Junior *
Fernando Altemeyer Junior - teólogo

A Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, não será um Woodstock católico, nem uma versão espiritual do Rock in Rio, mas um momento de profunda experiência espiritual da fé cristã. Um novo Pentecostes juvenil.

Serão cerca de 320 mil jovens peregrinos de 190 países a cantar, a rezar, a dialogar com o Cristo Redentor, acompanhados por 1.200 bispos católicos, representantes de um quarto do episcopado mundial, e milhares de sacerdotes e religiosas, usando sete línguas oficiais.

A Jornada acolherá o novo papa Francisco em seu primeiro evento internacional. E ele falará aos jovens, "esperança do mundo e da Igreja", como dizia o papa João Paulo 2º (1920-2005).

Se João Paulo 2º falava ao coração das pessoas, e o papa emérito Bento 16 dirigia-se à razão, este papa argentino tem o desafio de tocar a pele de cada fiel.

A expectativa é que ocorram surpresas a cada dia e a cada encontro, com destaque para a via-sacra em Copacabana, sexta-feira. Será a "primeira encíclica vital" de Francisco, exposta mais em atos que em palavras.

Este será o momento ecumênico, de compromisso com a vida dos jovens e sua dignidade fundamental, bem como forma de confraternização e grito de esperança que toque aos governantes.

Um dos compromissos desse megaevento é ajudar a fazer surgir uma juventude ainda mais rebelde e promotora da paz, da justiça social e da solidariedade internacional.

Os desafios de organização são imensos. Os desafios reais da juventude são ainda maiores. A sociedade contemporânea descobriu que o mundo juvenil não vive só de "happy hours" -é tempo de sofrimento para muitos.

Os jovens querem viver e ser felizes. É preciso lembrar que, segundo dados do Ipea, 1,9 milhão de jovens brasileiros foram vítimas de morte violenta entre 1996 e 2010, com custo social de R$ 79 bilhões por ano ao Brasil, 1,5 % do PIB nacional. Este custo é superior ao orçamento somado das Secretarias de Segurança e de Justiça de todos os Estados brasileiros.

E tem mais: a expectativa de vida entre os jovens foi reduzida em 2,6 anos. Trabalhar pela vida dessa juventude, por seu protagonismo, são os frutos que se espera colher dessa Jornada.

* Fernando Altemeyer Junior é teólogo e professor da PUC-SP.

Fonte: Folha de S. Paulo - Poder - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. A5 - Internet: http://www.portalsoma.com.br/noticias/politica/analise-desafio-de-francisco-sera-falar-a-juventude.html
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FRANCISCO NO BRASIL:
RISCOS E POSSIBILIDADES


John L. Allen Jr.
National Catholic Reporter
19.07.2013
Papa Francisco chega ao Brasil - Segunda-feira, 22 de julho

Sejamos claros: a primeira viagem transoceânica de Francisco nos dias 22 a 29 de julho ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, será percebida quase certamente como um grande sucesso. Ele provavelmente irá atrair grandes e entusiastas multidões, o seu estilo livre e caloroso deverá se sair tão bem na estrada como em Roma, e a sua preocupação palpável pelos pobres deverá tocar cordas profundas em uma sociedade em que a justiça social é uma idée fixe.

Além disso, em meio a um outono de descontentamento, os brasileiros parecem famintos por uma boa história para contar sobre si mesmos. Quando a palavra final for dada, a manchete dominante provavelmente será algo como: "Francisco traz paz e conquista corações".

Dito isso, toda viagem papal é uma viagem ao desconhecido, e Francisco enfrenta alguns riscos reais nessa viagem, alguns imediatos e de curto prazo, outros de longo prazo e mais difíceis de avaliar em meio à euforia.

Em termos de segurança e de controle da multidão, as autoridades do Brasil anunciaram que estão categorizando os eventos no itinerário do papa como "verde", "laranja" ou "vermelho", correspondentes ao nível de ameaça que eles acreditam que cada um deles apresenta. "Roubando" uma página da sua cartilha, vamos expor aqui diversos pontos de interrogação que se colocam diante de Francisco no Brasil em níveis ascendentes de seriedade.

Além do imaginário e dos roteiros tranquilizantes, dependendo da forma como o novo pontífice navegar por esses riscos, haverá um longo caminho para moldar o substantivo sucesso ou fracasso da viagem.

Riscos "verdes": percalços e protestos

As ruas do Brasil têm estado agitadas recentemente, e uma causa principal é a percepção de que o governo está gastando montanhas de dinheiro em eventos ostentosos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, enquanto os serviços públicos, como educação, saúde e transporte, definham.

Teoricamente, os brasileiros poderiam ver a Jornada Mundial da Juventude como outro caso em questão e jogar as suas frustrações contra o papa. Há ao menos três razões convincentes, no entanto, de por que isso parece bastante improvável.

Em primeiro lugar, há uma dinâmica básica em praticamente todas as viagens papais, independentemente do pontífice. Potenciais nuvens de tempestade, tais como o ressentimento acerca dos custos e da reação pública mista diante da mensagem do papa, dominam a cobertura prévia. Depois que ele aterrissa, as coisas saem melhor do que o esperado, e, por fim, a viagem é definida como um sucesso – em parte, é claro, porque ela é medida contra as expectativas de desastre que a mídia ajudou a criar.

Até agora, não há nenhuma razão para se pensar que as coisas não vão acontecer desse jeito desta vez também.

Em segundo lugar, Francisco chega com altos níveis de popularidade, assim como as percepções de que o seu coração está no lugar certo diante das preocupações que levaram os manifestantes brasileiros às ruas. Ele também se beneficia do frisson de ser o primeiro papa latino-americano da história a fazer o seu triunfal retorno à casa.

De certa forma, Francisco já alcançou o tipo de status moral icônico que envolve alguém como Nelson Mandela, e poucos movimentos dedicados à busca da justiça, de qualquer corrente, gostariam de acabar se dando mal com ele.

Em vez disso, os antagonistas nas tensões internas do Brasil parecem estar competindo entre si para ver quem consegue mostrar mais deferência e respeito.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, pediu recentemente que os manifestantes não joguem as suas queixas contra o papa, porque ele não é o culpado pelos "pecados dos políticos brasileiros". De fato, disse Paes, talvez Francisco os perdoaria se eles fizessem uma boa confissão. Os líderes das revoltas, por sua vez, disseram aos jornalistas que eles não têm intenção de incomodar Francisco, porque os seus ressentimentos não são dirigidos contra a ele.

Os ativistas que impulsionaram o povo para as ruas em junho anunciaram que vão realizar protestos nos dias 26 e 27 de julho no Rio de Janeiro sob o slogan "Papa, veja como somos tratados!". O pressuposto é de que Francisco é um farol moral que o fato de expor as falhas da classe política do país diante dos seus olhos poderia envergonhá-los a ponto de promover uma reforma.

Isso não é um agouro nada bom para os políticos, mas também não parece augurar nenhum percalço antipapal maciço.

Em terceiro lugar, não há nenhuma comparação em termos de quantidade de dinheiro público que está sendo investido em eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e a quantidade investida na semana da Jornada Mundial da Juventude.

Oficialmente, o governo brasileiro está derramando 13 bilhões de dólares na Copa do Mundo, e grande parte dessas despesas para instalar camarotes luxosos em estádios de futebol. Em contraste, os vários níveis do governo estão contribuindo com apenas 60 milhões de dólares com a Jornada Mundial da Juventude em subsídios de segurança e transporte. Assim que os brasileiros perceberem a disparidade, eles provavelmente ficarão muito menos propensos a amontoar a viagem papal junto com os outros objetos da sua manifestação.
Papa Francisco no interior do automóvel que o levou até a Catedral do Rio de Janeiro
22/07/2013
Riscos "laranjas": segurança e manipulação

Sempre que um grande líder mundial aparece em público, incluindo o papa, sempre há um risco remoto de violência. Embora não haja nenhuma razão para se pensar que no Brasil isso é mais provável do que em outros lugares, também não há nenhuma razão para se pensar que no Brasil isso é menos provável.

Se algo acontecer, no entanto, não será porque o cobertor de segurança brasileiro não era grosso o suficiente.

O Ministério da Defesa anunciou um aumento no número de militares de plantão para 10.266, a partir de uma convocação inicial de 8500. Enquanto isso, as autoridades do Rio de Janeiro se comprometeram a encenar "a maior operação policial da história da cidade", deslocando 12 mil oficiais regulares e 1.700 membros de uma unidade de segurança de elite para a proteção do papa.

Somando-se a isso, há 24 mil soldados, policiais e especialistas em segurança. As autoridades vaticanas expressaram "total confiança" nos preparativos de segurança, e essa maciça organização de tropas provavelmente é parte do motivo.

Outro risco, e um risco que é mais difícil de ser evitado com o deslocamento de pessoas no campo, é que as palavras e os atos de Francisco possam ser explorados por diversos atores – políticos, ativistas, especialistas e meios de comunicação – para reforçar um lado ou outro nas batalhas internas do país.

Neste momento, grande parte do drama político no Brasil está focado no futuro da primeira presidente mulher do país, Dilma Rousseff. Há não muito tempo, a sua reeleição em outubro de 2014 parecia uma conclusão previsível, mas agora alguns acreditam que ela foi suficientemente enfraquecida a ponto de tornar as possibilidades mais abertas não só para um concorrente da oposição de centro-direita, mas, potencialmente, até mesmo dentro do seu Partido dos Trabalhadores de centro-esquerda. Uma pesquisa divulgada na última terça-feira constatou que o índice de aprovação de Dilma estava em 49%, contra os 73% de junho, antes do início dos protestos.

Como resultado, os brasileiros estarão acompanhando de perto o que vai acontece durante a viagem de Francisco, para ver se ela irá inclinar o campo de disputa em favor de alguém.

Eu perguntei a um veterano jornalista brasileiro qual será a reação se, por exemplo, Francisco disser algo genérico sobre a pobreza durante o seu primeiro encontro com Dilma Rousseff na próxima segunda-feira à tarde. Sem precisar pensar a respeito, aqui está o que ele disse:
  • Mídia brasileira: "Papa pressiona Dilma a fazer mais pelos pobres"
  • Manifestantes: "O Papa nos apoia!"
  • Oposição política: "Papa defende necessidade de mudança"
  • Facção de Dilma: "O Papa aprova o nosso programa"
No fim, pode haver pouca coisa que Francisco possa fazer para evitar um curto-circuito nesse tipo interpretação, a não ser evitar gestos ou linguagens partidários. No fim da viagem, no entanto, ainda há um risco de que ela possa acabar sendo um presente político para alguém – com o potencial de amargar e antagonizar o perceptível perdedor.

Riscos "vermelhos": missão e ecumenismo

Provavelmente, o risco mais sério que Francisco enfrenta é que a sua viagem será um triunfo de curto prazo, mas sem as consequências de longo prazo que ele sem dúvida deseja que ela tenha.

O Brasil é um bom termômetro para as tendências mais amplas que afetam a Igreja em todo o continente. Para se ter uma noção de quais elas são, aqui está a manchete de um novo estudo do Brasil divulgado pelo Pew Forum na última quinta-feira: "A mudança da paisagem religiosa do Brasil: Católicos romanos em declínio, protestantes em ascensão".

Como o estudo do Pew observa, o Brasil é o maior país católico do mundo, com uma população católica estimada em 123 milhões. O catolicismo tem sido a tradição religiosa dominante no país, e por um longo tempo basicamente a única, desde a época da colonização portuguesa no século XVI.

No entanto, a parcela católica da população vem caindo drasticamente nas últimas décadas e, ao longo dos últimos 10 anos, o número total de católicos começou a declinar também. Há um quarto de século, mais de 90% do Brasil eram católicos; uma década atrás, eram 74%; e hoje, são 65%.

Não é preciso um grande salto de imaginação para prever uma situação não muito distante em que os católicos no Brasil representem uma minoria estatística.

Os grandes vencedores dessa transição têm sido os protestantes, principalmente os evangélicos e pentecostais, que agora somam 42 milhões ou 22% da população. Os ganhadores também incluem os brasileiros sem nenhuma filiação religiosa, que no Ocidente nós provavelmente chamaríamos de "secularistas". Eles agora incluem 15 milhões de pessoas, mais de 8% do total nacional.

O estudo do Pew constata que a imigração e a demografia não levam em conta o aumento do pentecostalismo no Brasil, dentre outras coisas porque menos de 1% da população é de estrangeiros. O principal fator, de acordo com o estudo, é a "mudança religiosa" – e embora eles sejam muito educados para dizê-lo em voz alta, o que eles querem dizer com isso são as deserções da Igreja Católica.

Talvez o mais relevante para o futuro é que os dados do Pew sugerem que o catolicismo está tendo um momento especialmente difícil entre os jovens e entre os moradores da zona urbana – em outras palavras, precisamente entre os grupos demográficos destinados a dar o tom no Brasil. Aqui está um dado fascinante: de acordo com o estudo do Pew, apenas 46% da população do Rio de Janeiro, a cidade que Francisco vai visitar na próxima semana, se identificam, de fato, como católicos.

Essas tendências colocam dois desafios claros

O primeiro é a situação ecumênica. O Brasil está fazendo a transição de uma sociedade religiosamente homogênea para uma mistura eclética de diferentes filiações, o que significa que os líderes católicos têm bastantes coisas para fazer em termos de diálogo e de encontro. As relações entre os evangélicos, os pentecostais e os católicos no Brasil são um saco misturado: alguns se dão muito bem e percebem causas comuns no que diz respeito ao crescente impulso do secularismo, enquanto outros estão aferrados a rivalidades confessionais.

Em meados dos anos 1990, por exemplo, o bispo Sérgio von Helde, da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das maiores denominações pentecostais na América Latina, foi à TV na Festa de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira nacional do Brasil, e chutou uma imagem de Nossa Senhora, declarando: "Isto não é uma santa!". Um grande tumulto se seguiu, no qual católicos indignados atacaram igrejas pentecostais, e von Helde foi julgado por desrespeito público contra um símbolo religioso e condenado a dois anos de prisão.

Para ilustrar que tais tensões não estão totalmente dissipadas, consideremos que há três grandes redes de TV brasileiras com correspondentes a bordo do avião papal para a viagem de Francisco. No entanto, a segunda maior rede do país, a Record, de propriedade de um bilionário evangélico/pentecostal chamado Edir Macedo Bezerra, não está representada.

No programa oficial da visita papal, não há nenhum encontro previsto entre Francisco e líderes de outras denominações cristãs, embora Bento XVI tenha realizado exatamente uma dessas sessões ecumênicas quando ele visitou o país em 2007. Dada especialmente essa omissão, é incerto se a viagem vai gerar qualquer novo impulso ecumênico.

No fronte missionário, tanto durante os seus 15 anos como arcebispo de Buenos Aires, na Argentina, quanto desde que se tornou papa, Francisco tem articulado repetidamente a sua visão de uma Igreja mais evangélica – uma Igreja que, para usar a linguagem do papa, fica "fora da sacristia e sai às ruas".

Esse foi o coração da visão sobre o catolicismo na América Latina expressada no documento de 2007 aprovado pelos bispos do continente, no encontro de Aparecida, no Brasil, o famoso santuário mariano que Francisco visitará no dia 24 de julho.

Se há algum lugar no mapa católico onde uma versão mais missionária do catolicismo está em ação, é sem dúvida o Brasil. É aí que reside o drama genuíno da viagem: Francisco conseguirá traduzir a sua popularidade pessoal em uma explosão duradoura de energia missionária?

Se sim, talvez os historiadores sóbrios, e não apenas jornalistas e especialistas empolgados, vão declarar o seu primeiro retorno latino-americano como um sucesso. Se não, então a viagem pode acabar parecendo um exercício tranquilizador com resultados mistos.

Tradução do inglês por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Segunda-feira, 22 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522094-francisco-no-brasil-riscos-e-possibilidades
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"A IGREJA TEM DE SE ABRIR À PLURALIDADE"

Luciana Nunes Leal
Cesar Romero Jacob - cientista político - PUC/Rio

A visita do papa Francisco ao Brasil, que começa nesta segunda-feira, 22, e vai até o próximo domingo, será uma grande celebração entre católicos praticantes e poderá levar de volta à religião majoritária do País alguns fiéis que estavam afastados, mas não conseguirá, por si só, alterar a perda de espaço da igreja registrada nos últimos trinta anos. 

Para tentar frear a queda na proporção de católicos, a Igreja terá que aumentar a presença na periferia e dar uma demonstração clara de tolerância e abertura à pluralidade.

A avaliação é do cientista político Cesar Romero Jacob, professor da PUC-Rio que lançou, com sua equipe, o estudo Religião e território no Brasil, com base nos dados do Censo 2010. Para o pesquisador, também os evangélicos pentecostais têm o desafio de encontrar um novo caminho para ganhar fiéis, já que o ritmo de crescimento reduziu na última década, enquanto houve aumento significativo dos "evangélicos não determinados", aqueles que frequentam igrejas menores ou transitam de uma para outra.

"Na década de 1980, a crise econômica profunda provocou enorme caos social, favelização, migração do campo para as cidades, em especial as periferias, onde o Estado era ausente e a presença da Igreja Católica, insuficiente. Esse foi o combustível do pentecostalismo. Nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, com política de inclusão, redução da pobreza e da migração, o ingrediente que permitiu a expansão tão rápida do pentecostalismo, é retirado, ele não cresce mais por combustão espontânea. Na próxima década, (o futuro do catolicismo e do pentecostalismo) vai depender da competência de cada um para sobreviver e a atuação pastoral será decisiva", diz Cesar Romero.

Embora a religião católica seja majoritária no País, com 64,6% da população, os mapas elaborados pelo pesquisador cruzando religião com renda e escolaridade mostram a crescente presença de evangélicos e, mais recentemente, dos sem-religião na periferias das grandes cidades, onde estão os mais pobres e com menos estudos

"Isso se repete em várias capitais, em todas as regiões. Se não houver um movimento da Igreja católica rumo à periferia, (a queda no número de fiéis) não se resolve", diz o professor. 

"O Brasil transitou da hegemonia para a maioria católica e está transitando para o pluralismo religioso, mas a hegemonia cristã ainda continua". Os evangélicos são 22,1% da população, sendo 4% de missão (tradicionais), 13,3% pentecostais e 4,8% de igrejas não determinadas.

As multidões que se reúnem na Parada Gay, na Marcha para Jesus (evangélica) e agora na Jornada Mundial da Juventude (católica) são, para Cesar Romero, a evidência desse momento de pluralidade. Para o professor, terão futuro as igrejas que se mostrarem mais tolerantes. "Quem conseguir lidar com a pluralidade tem mais chance de se firmar do que os intolerantes. O papa Francisco vai receber líderes de religiões africanas , o arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta, aceita convites de escolas de samba, de blocos de carnaval. A visita do papa em si não reverte a perda de fiéis, mas revela simbologias. Há uma demanda por pluralidade e a Igreja pode seguir nesse caminho. A igreja continua contra o casamento gay, mas pode não querer comprar essa briga e deixar os evangélicos na linha de frente desta questão", diz o professor.

Para baixar, gratuitamente, o estudo:
Religião e Território no Brasil: 1991/2010
Acesse este link abaixo e clique em "Download (pdf)":

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Segunda-feira, 22 de julho de 2013 - Pg. A17 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,igreja-tem-de-abrir-a-pluralidade-diz-estudioso,1056033,0.htm

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