«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

PAPA FRANCISCO - ARES NOVOS NA IGREJA

"ELE MUDOU O DISCURSO DA IGREJA"

Entrevista: Sérgio Rubin (biógrafo do papa)


Jamil Chade


Sérgio Rubin é biógrafo do cardeal argentino e autor do único livro de diálogo com o religioso que, hoje, é o chefe da Igreja Católica
Sérgio Rubin - biógrafo do Papa Francisco

Jorge Mario Bergoglio nunca fez campanha para nada em sua vida. A afirmação é de Sérgio Rubin, biógrafo do cardeal argentino e autor do único livro de diálogo com o religioso que, hoje, é o chefe da Igreja Católica. Rubin falou com o Estado sobre as origens do papa, seu pensamento social e sua convicção de que a economia deve servir ao homem, e não o contrário. Para ele, Francisco já está promovendo uma reforma profunda na Igreja. 

Quem é o papa Francisco?

Sérgio Rubin: É o que se vê. Nada mais. Um homem muito simples, muito humilde e austero. Ele é muito próximo das pessoas e com uma grande espiritualidade, mas também com grande preocupação social. Ele tem uma mente política e plenas condições de liderar.

Em algum momento ele pensou que seria papa?

Sérgio Rubin: Acredito que ele foi se dando conta à medida que os debates antes do conclave iam caminhando. A cada vez que ele saía das reuniões, estava mais sério. Víamos que ele estava muito tenso. Chegou a dizer: “Isso está ficando perigoso”. Mas o que é certo é que nunca em sua vida ele fez campanha, nem para ser papa nem bispo nem cardeal.

Sua formação parece permitir que ele entenda melhor os problemas sociais da América Latina do que um papa europeu. De onde ele tirou isso em sua vida, já que sua própria família não passava necessidades?

Sérgio Rubin: Sua família era de classe média e sua mãe nem queria que fosse religioso. Mas sua tarefa religiosa foi sempre de estar perto dos mais necessitados. Andou muito pelas favelas. Não é que tenha um conhecimento teórico dos pobres e da pobreza. Ele fala de forma sincera quando diz que quer uma Igreja pobre para os pobres. Ele é sincero quando critica a idolatria do dinheiro e a ditadura da economia. Teve uma vida sacerdotal muito intensa e em um período turbulento para a Argentina, com violência política. Tudo isso lhe deu muita riqueza.

O que é verdade sobre seu papel na ditadura argentina?

Sérgio Rubin: Ele não foi cúmplice da ditadura. Falei amplamente disso com ele e foi a única vez que falou do assunto. Não só ele não foi cúmplice como na verdade ajudou muita gente. Hoje, olhando para trás, alguém sempre pode dizer que algo mais poderia ter feito à sociedade. Mas, naquela época, um sacerdote jovem o que mais poderia fazer? O certo é que ele avisou a dois sacerdotes que estavam numa favela que corriam perigo. Os dois optaram por não sair e acabaram sequestrados. Bergoglio fez gestões para que fossem liberados e isso acabou ocorrendo 6 meses depois.

Por que o mal-estar hoje com o governo argentino?

Sérgio Rubin: Ele fez uma homilia muito forte em 2004, na presença de Néstor Kirchner num 25 de maio (dia nacional argentino). Ele disse que não se pode ter atitudes tirânicas e Kirchner assumiu como se fosse para ele e se ofendeu. Depois disso, nunca mais aceitou estar em um evento com o cardeal. O distanciamento foi cada vez maior. A Igreja nunca gostou do estilo de confronto dos Kirchners e que não abre espaço para o diálogo.

Sua eleição é hoje um problema para o governo argentino?

Sérgio Rubin: Foi um golpe. Cristina Kirchner, quando soube de sua escolha, estava discursando. E apenas declarou que um “papa latino-americano” havia sido escolhido, sem dizer sequer que era argentino.

O papa deixou claro no livro que não é comunista. Mas, ao mesmo tempo, vem atacando o capitalismo, chamando até de “selvagem”. Como ele vê a economia?

Sérgio Rubin: O que ele defende é uma economia com um rosto humano. O centro da economia deve ser o homem. Por ser latino-americano, ele tem uma maior sintonia com os países em desenvolvimento.

Ele pode dar a guinada no rumo da Igreja ou a resistência é grande demais?

Sérgio Rubin: O que ele está fazendo é mudar o discurso para uma Igreja positiva e com uma mensagem propositiva. A religião ficou ligada ao castigo, à culpa, ao que não se pode. Ele mudou isso. Fala de um cristo que sempre perdoa, que nos ama. A religião é uma proposta para ser feliz. Uma outra mudança é na organização da Cúria, justamente para reduzir a luta pelo poder. Ele propõe uma maior austeridade, que se dê o exemplo. O que se pode dizer é que ele é um homem que tem condições intelectuais e de liderança para conduzir a Igreja.

Qual é a meta central do papa com a viagem ao Brasil?

Sérgio Rubin: Revitalizar o evangelho será uma missão central. A queda dos católicos no Brasil é dramática. Outro ponto é o tema social. Ele defende a aproximação aos mais necessitados. Não é por acaso que, há poucos dias, a CNBB declarou que entende as queixas sociais das ruas. O papa Francisco estará em sintonia com o episcopado brasileiro. O papa também tem falado da corrupção e me parece que não iria se afastar desses temas agora. Ele quer o desenvolvimento integral do homem.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. A21 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,ele-mudou-o-discurso-da-igreja,1055495,0.htm
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LEONARDO BOFF PREVÊ MUDANÇA PROFUNDA


José Maria Mayrink
Capa do novo livro de Leonardo Boff

O teólogo Leonardo Boff terá um leitor privilegiado para seu mais recente livro, Francisco de Assis e Francisco de Roma - Uma nova primavera na Igreja?, que será lançado no dia 24 pela editora MardeIdeas, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, em São Paulo. O papa mandou pedir um exemplar, ao saber do lançamento por meio de uma amiga de Buenos Aires. O arcebispo do Rio, d. Orani João Tempesta, entregará a encomenda, com dedicatória, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

“Conheci o então padre Bergoglio em 1970, quando participamos como conferencistas de congresso sobre espiritualidade”, disse Boff, ex-frade franciscano que deixou o sacerdócio, mas não se afastou da Igreja, depois de ter sido punido pela Congregação para a Doutrina da Fé, na época presidida por Joseph Ratzinger, o papa emérito Bento XVI. O teólogo está otimista com Francisco e espera que seu pontificado traga mudanças.

O livro analisa as palavras e gestos de Bergoglio no Vaticano, lembra suas posições sobre questões como a Teologia da Libertação e prevê inovações na vida da Igreja, por exemplo em relação aos padres que deixaram suas funções e se casaram. Esses padres poderiam ser readmitidos e seriam muito úteis para a pastoral, na avaliação de Boff. “A Igreja, hoje tão cheia de proibições, precisa ser um lar espiritual, em uma atmosfera acolhedora”, defende o teólogo.

A reforma terá de ser profunda e “não se restringirá à Cúria Romana em estado calamitoso”, exigindo talvez a convocação de um novo concílio, “com representantes de toda a cristandade, leigos, homens e mulheres, notáveis por seu saber, e das demais igrejas cristãs e ainda representantes de outras religiões e caminhos espirituais”.

“Francisco não é um nome. É um projeto de Igreja pobre, simples, evangélica e destituída de todo o aparato”, diz Boff, ao lembrar Francisco de Assis, que inspira o Francisco de Roma. O teólogo se entusiasma com a defesa que o papa faz da preservação da natureza, mais uma semelhança com o santo de Assis. Em sua avaliação, o papa Francisco poderá ser o grande inspirador da consciência ecológica e da responsabilidade solidária.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. A21 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,leonardo-boff-preve-mudanca-profunda,1055499,0.htm
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PAPA FRANCISCO TRAZ UMA NOVA PRIMAVERA DA IGREJA


Leonardo Boff *
Leonardo Boff - teólogo brasileiro

É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para uma visão de conjunto. Em uma espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar alguns.

1. Do inverno eclesial à primavera: saímos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade europeia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.

2. De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O papa Francisco disse claramente: "quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da alfândega da fé"; "é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo". Portanto mais confiança que medo.

3. De papa a bispo de Roma: Todos os pontífices anteriores se entendiam como papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo Direito Canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que "somos todos irmãos e irmãs". Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair cuja página inicial deveria trazer o nome do papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.

4. Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: "uma Igreja pobre para os pobres" como disse, humilde, simples, com "cheiro de ovelhas" e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar em uma hospedaria, em um quarto simples e comendo com os demais hóspedes.

5. Da doutrina à experiência: Não se apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa [Itália]. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz: "atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça". E continua: "é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade". E disse à presidente argentina Cristina Kirchner: "é a primeira vez que temos um papa peronista" pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.

6. Da exclusividade à inclusão: Os papas anteriores enfatizaram, especialmente Bento XVI, a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as igrejas em uma perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.

7. Da Igreja ao mundo: Os papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O papa Francisco coloca o mundo, os pobres, a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?

Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar em uma nova primavera da Igreja.

* LEONARDO BOFF É TEÓLOGO E AUTOR DE "FRANCISCO DE ASSIS E FRANCISCO DE ROMA", LANÇADO NESTE ANO PELA EDITORA MAR DE IDEIAS.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Terça-feira, 23 de julho de 2013 - Pg. A16 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,papa-francisco-traz-uma-nova-primavera-da-igreja,1056220,0.htm
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O ARGENTINO QUE MUDOU OS HÁBITOS DO VATICANO

Ariel Palacios, Jamil Chade, Marcelo Godoy

Com a mesma velocidade com que adota reformas, Francisco fez surgir os primeiros críticos, que o chamam de "populista"
Família de Jorge Mario Bergoglio (hoje, Papa Francisco):
ao centro, sentados, avô, avó e pai (a mãe está sentada à esquerda, sobre o braço do sofá)

O atentado às torres gêmeas abriu o caminho para que Jorge Bergoglio se tornasse papa. A ação da Al-Qaeda inaugurou o novo século ao destruir o World Trade Center e permitiu ao argentino recém-nomeado cardeal se tornar conhecido e reconhecido pelos seu colegas.

O papa João Paulo II havia convocado o primeiro sínodo do milênio em 2001. Queria que os bispos que fossem à reunião se esforçassem para serem pobres e, assim, críveis aos excluídos. O relator-geral seria Edward Egan, o cardeal-arcebispo de Nova York, mas o ataque terrorista obrigou-o a permanecer na cidade ao lado de seu rebanho. Bergoglio assumiu, então, seu posto. Abriram-se assim as portas das cúrias de todos os continentes ao argentino. De fato, ao término do sínodo, o trabalho de Bergoglio na reunião o fez ser o mais votado pelos seus 252 pares para representar a América no conselho pós-sinodal.

Quatro anos depois, quando João Paulo II morreu, os integrantes do colégio cardinalício pensaram em Bergoglio. O argentino de modos simples - que preferia o metrô aos carros oficiais para ir ao trabalho - recebeu cerca de 40 votos no conclave. Foi uma renúncia de Bergoglio que decidiu o pleito a favor de Joseph Ratzinger: ele pediu aos colegas que desistissem de sua candidatura e votassem em Bento XVI. Quase oito anos depois, este renunciou, e o novo conclave escolheu o argentino de 76 anos.

Filho de um imigrante italiano, o ferroviário Mario Bergoglio, e de uma neta de imigrantes da Itália, Regina Sívori, Jorge Mario Bergoglio nasceu em 1936 no bairro de classe média de Flores, em Buenos Aires. Foi técnico químico antes de entrar para a Companhia de Jesus. Nos anos 1970, durante a ditadura militar, viu a amiga Esther de Careaga ser sequestrada e morta. Depois, foi acusado de entregar padres aos militares, o que foi negado por um deles, Francisco Jalics. “É um jesuíta até a medula. Ele fala pouco. Ouve o dobro do que fala. E pensa o triplo do que ouve”, disse ao Estado um ex-embaixador argentino em Roma.

Bergoglio adotou o nome Francisco e resolveu canonizar João XXIII, dispensando a prova de um segundo milagre para fazê-lo santo. A mensagem não podia ser mais clara à Igreja: João XXIII convocou o Concílio Vaticano 2.º, o que levou à maior mudança em séculos na instituição, alterando a liturgia da missa, não mais rezada em latim e de costas aos fiéis.

Cedo
Francisco começa a fazer o mesmo no Vaticano. Todos os dias, às 4h45, escuta-se o alarme que vem do quarto 304 na residência Santa Marta. É o papa que desperta e com ele, obriga toda a Santa Sé a sair ao trabalho. Com a mesma velocidade com que vem adotando mudanças, Francisco fez surgir os primeiros críticos a seu estilo - grupos tradicionalistas o chamam de “populista”.

Depois de constatar que seus aposentos no palácio apostólico davam para abrigar “umas 50 pessoas”, optou pela Santa Marta, com quartos menores e sóbrios. Se o corte de gasto é um motivo, o argumento principal é de não ficar prisioneiro no próprio palácio. Ao viver fora dele, mostra que quem define sua agenda é ele, e não a burocracia da Santa Sé.

O papa estabeleceu uma missa antes das 7 da manhã, acompanhado por quem estiver na Casa Santa Marta naquele momento. Poucos arriscam não estar presentes. Seu dia, segundo auxiliares, é “intenso” e repleto de ligações, contatos, reuniões e tomadas de decisão.

Outra surpresa para os cardeais é o hábito de Bergoglio de seguir suas recomendações feitas em reuniões. Não são poucos os cardeais que se surpreendem ao receber, três ou quatro dia depois de uma audiência com o papa, um telefone do pontífice: “O senhor fez o que combinamos na reunião? Qual foi o resultado? Houve resistência? Quais são os próximos passos?”, contou um religioso brasileiro.

O papa modificou o código penal do Vaticano para reforçar a luta contra a corrupção e abusos sexuais, autorizou o congelamento dos bens de um religioso suspeito de lavagem de dinheiro, iniciou uma reforma no banco do Vaticano e prepara mudanças importantes na Cúria. Uma de suas metas é a de denunciar as contradições dentro e fora da Igreja. Na sociedade, a crítica à hipocrisia de países ricos, do capital e do poder marcam seus discursos.

Por fim, quer demitir dezenas de assistentes do Vaticano que, com fraque, são usados nas recepções papais. A decisão de não tirar férias obrigou outros a abortarem as suas. Essas reformas - tanto da burocracia quanto do modelo de promoção da fé - serão demoradas e a resistência a elas, importante. Ainda assim, o papa que só tem um pulmão já mexeu com os hábitos - por vezes centenários - do Vaticano.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. A17 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,o-argentino-que-mudou-os-habitos-do-vaticano,1055492,0.htm
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DESPOJADO, BERGOGLIO VIU DE PERTO OS EFEITOS DO NEOLIBERALISMO


Pe. João Batista Libânio *
João Batista Libânio - teólogo jesuíta brasileiro

Pisa o solo brasileiro o primeiro papa da história da Igreja oriundo da América Latina e pertencente à ordem dos jesuítas. Apesar de o seu padre-geral ser chamado de "papa negro", porque teria a importância e o poder de um papa, mas usa batina preta, nunca um jesuíta assumiu tal cargo ao longo dos quase 500 anos de existência da Ordem. Que significa isso para a Igreja? O fato de ele ser latino-americano é de mais relevância, sobretudo, porque viveu, nas últimas décadas na Argentina, experiências que o prepararam para ver a Igreja e o mundo sob luz diferente dos papas europeus.

Seu país gozava, até a entrada violenta do neoliberalismo, de ampla camada média, mas, nos últimos anos, sofreu sério empobrecimento. O papa Francisco conheceu de perto tal situação e sentiu suas consequências. Agora, tem mais condições de perceber, no mundo, a presença injusta e nefasta do neoliberalismo.

Alguns traços da tradição jesuíta o habilitaram para o cargo. A espiritualidade inaciana desenvolve nas pessoas a capacidade de discernimento, ao reagir diante dos fatos de maneira equilibrada e ponderada sem condenações precipitadas. Espera-se, portanto, que os teólogos disponham de maior liberdade de expressão e de opinião no coro diversificado das posições.

Outro traço importante lhe vem da sensibilidade e proximidade com os pobres e simples, por força da marca espiritual do seguimento de Jesus histórico. Não se entrega facilmente aos arroubos espiritualistas do momento atual. Prefere o traço da sobriedade e simplicidade no teor de vida e no relacionamento com as pessoas. E tal comportamento fascina os jovens. Eles identificam-se com o agir despojado e próximo do papa, que os incentivará, certamente, à vida de maior entrega e compromisso. Faltam-lhes exemplos que estimulem e abram espaço de esperança no meio da fragmentação dos grandes valores e ideais.

O papa Francisco significa, com a visita ao Brasil, motivo de animação para pôr a juventude em movimento para metas maiores e elevadas

* João Batista Libânio é jesuíta e professor de graduação e pós-graduação no Departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, MG.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Segunda-feira, 22 de julho de 2013 - Pg. A14 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,analise-despojado-bergoglio-viu-de-perto-os-efeitos-do-neoliberalismo--,1055898,0.htm
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PAPA ANIMA DOM CLÁUDIO HUMMES


Edison Veiga
Papa Francisco e Dom Cláudio Hummes (de vermelho):
no balcão da Basílica de São Pedro (Vaticano) na primeira aparição do novo papa

Dom Claudio Hummes e dom Odilo Scherer, respectivamente cardeal-arcebispo emérito e atual cardeal-arcebispo de São Paulo, expressam opiniões diferentes sobre o pontificado de Francisco. Enquanto o primeiro derrama elogios ao velho amigo, Scherer adota um discurso mais contido, no qual seria preciso tempo para interpretar os discursos e as ações do papa argentino.

Hummes, porém, é muito próximo de Francisco. Em reuniões oficiais no Vaticano, como o último conclave, o cardeal brasileiro e o argentino d. Jorge Bergoglio sentavam-se lado a lado nos últimos anos. "Acabei me tornando um grande amigo dele. Ele já o disse (que são amigos), está dito", resumiu o brasileiro, em evento realizado no fim do mês passado no Colégio de São Bento, na região central de São Paulo.

A amizade de ambos foi demonstrada em gestos públicos importantes - quando Bergoglio foi apresentado como papa, em 13 de março, fez questão de que Hummes estivesse ao seu lado; o brasileiro teria sido o mentor do nome Francisco, aliás. E deve se manifestar em parcerias políticas - Hummes é cotado para assumir um posto estratégico na administração da Igreja, ainda neste segundo semestre, conforme anteciparam alguns vaticanistas.

De linha progressista, Hummes é admirador confesso de Bergoglio, desde antes de o argentino se tornar Francisco. "Ele pretende orientar a Igreja, certamente", afirmou o cardeal ao jornal O Estado de S.Paulo. Quando a reportagem o questionou sobre a possibilidade de mudanças em questões como divórcio, celibato e homossexualidade, Hummes disse que o papa deve trabalhar "em todas as grandes questões". "São temas difíceis e bastante discutidos. Ele não faz disso algo que não será tocado. Para Francisco não existem temas que não devam ser tocados. Ele quer uma Igreja aberta. Não existem temas proibidos."

Sucessor de Hummes na administração da Arquidiocese de São Paulo e conhecido por uma linha mais conservadora, d. Odilo Scherer, apontado como um dos favoritos a assumir o trono de Pedro no último conclave, é mais cauteloso - sobretudo ao compará-lo com Bento XVI. "É evidente que um não é o outro, e cada papa transmite para o pontificado aquela que é a marca de sua personalidade. Ainda é cedo para fazermos análises", afirmou ao Estado.

"O papa Francisco tem um jeito muito simples, mas muito direto. Está preocupado com a autenticidade, a genuinidade das coisas", avaliou Scherer, para quem Bergoglio tem agradado o povo brasileiro. "Ele vem conquistando a simpatia de todos e já entrou no coração dos brasileiros por seu jeito direto de se comunicar, mas ainda é preciso avaliar o peso que tem o ?fator novidade? nas análises", disse Scherer, mais uma vez ao adotar posicionamento cauteloso.
D. Odilo Pedro Scherer e Papa Francisco

Pós-Francisco

Hummes, por outro lado, acredita que o novo papa devolveu aos católicos o ânimo de praticar a fé. "Agora, todos estão de cabeça erguida, confiantes de que o papa vai resolver os problemas que estão aí", disse. Para ilustrar a situação atual da Igreja, ele relembra a parábola do bom pastor, aquele que tem cem ovelhas e, quando uma se desgarra, corre atrás dela. "Atualmente, temos uma só em casa e ficamos cuidando dela. É preciso buscar as 99 que estão perdidas", disse.

Sobre a amizade com Francisco, Hummes relembrou a Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em Aparecida, em 2007. Na ocasião, ambos trabalharam na mesma comissão e tiveram de produzir o relatório final. "Foram quase três semanas de trabalho intenso, muitas vezes madrugada adentro."

Hummes avalia que os pronunciamentos do papa, que têm chamado tanto a atenção pela simplicidade e pelo conteúdo, são "óbvios" - dentro do que se espera como mensagem cristã. "Mas a capacidade que ele tem de passar essas mensagens de modo incisivo e a maneira como ele fala, com autoridade, resultam em eficiência na comunicação", analisou. "Ele é isso: um papa que não deve construir muros, mas pontes. Ponte até os pobres, ponte até a cultura de hoje, ponte até as outras religiões. Papa Francisco, jesuíta como é, acredita no diálogo.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Segunda-feira, 22 de julho de 2013 - Pg. A18 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,papa-anima-d-claudio-e-d-odilo-fala-em-cautela,1056036,0.htm
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FÔLEGO NOVO


Marcelo Beraba

Teólogo vê nos "gestos simbólicos fortes" do papa a intenção de
reformar a Igreja e um alento para a Teologia da Libertação
Pe. Agenor Brighenti - teólogo brasileiro


A eleição de Jorge Mario Bergoglio para papa reanimou a Teologia da Libertação e um de seus principais canais de ação evangelizadora, as Comunidades Eclesiais de Base. Reprimidas pelo Vaticano durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI sob a acusação de se inspirarem na teoria marxista, elas "respiram" melhor desde março, com o papa Francisco.

Gestada a partir do Concílio Vaticano II (1961–65) na América Latina e difundida ao longo da década de 1970, a Teologia da Libertação (TdL) ficou marcada pela ênfase que deu ao combate à miséria e à exclusão social e à resistência aos regimes ditatoriais que marcaram o período. A partir da década de 1980, no entanto, passou a ser duramente criticada pelo Vaticano, e seus principais teólogos punidos. No Brasil, o ex-frade Leonardo Boff, um de seus principais teóricos, foi condenado em 1984 pela Congregação da Doutrina da Fé, antigo tribunal da Inquisição, então presidido pelo cardeal Joseph Ratzinger.

Para o padre Agenor Brighenti, teólogo e professor da PUC-PR, Bergoglio não aderiu à Teologia da Libertação, mas nunca se opôs a ela. Na sua opinião, a corrente voltou a tomar fôlego no final de 2007, após a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em Aparecida (SP). E Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, teve papel fundamental.

Bergoglio presidiu a comissão de redação do documento de Aparecida. Brighenti estava lá, como teólogo da CNBB. Um de seus livros, Aparecida em Resumo (Paulinas), compara o documento original redigido por Bergoglio com o final aprovado por Roma depois de 250 alterações. Ligado à Teologia da Libertação, Brighenti afirma categoricamente: o texto apresentado por Bergoglio era "muito mais arrojado".

"Quando a gente escuta o papa Francisco, percebe-se que tem uma visão de Igreja que não seja autorreferenciada. Essa é a tese de fundo de Aparecida: uma Igreja missionária." Brighenti tem dúvida, no entanto, se Francisco terá forças para impor as reformas necessárias à renovação da Igreja. "Sozinho, será impossível."

A reabilitação
"A eleição de Jorge Mario Bergoglio deu novo fôlego à Teologia da Libertação. Ela está de novo em praça pública. Como existe a questão dos pobres, temos de nos preocupar com isso. As Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da Libertação estão respirando melhor nestes últimos meses. É um novo momento. Na verdade, este momento já havia começado depois da reunião da Conferência do Episcopado Latino-Americana, em Aparecida, em 2007. Não se esperava que oficialmente houvesse um posicionamento sobre a Teologia da Libertação. Mas, depois de Aparecida, as CEBs e a TdL se reabilitaram, se sentiram contempladas, animadas e reanimadas.

O dedo de Bergoglio em Aparecida
"O papa Francisco segue na perspectiva de uma igreja que vá para as periferias geográficas e existenciais, que não seja autorreferenciada. Essa é a tese de fundo de Aparecida: uma Igreja missionária. Outro aspecto importante é essa Igreja samaritana, uma Igreja pobre, como ele tem insistido ultimamente – é uma marca de Aparecida também. A perspectiva mais latino-americana de uma Igreja comprometida com a sociedade, com o mundo da política e da economia para contribuir com uma sociedade inclusiva de todos, como ele tem se pronunciado, também é uma marca de Aparecida.

O dedo da Cúria
"Mas o fato mais importante, em relação ao papel do então cardeal Bergoglio em Aparecida, foi que presidiu a Comissão de Redação do Documento Final da V Conferência, que é muito mais rico do que o oficial aprovado pela Cúria Romana. Em Roma, o original sofreu 250 mudanças. O primeiro documento era muito mais arrojado, muito mais consequente e talvez estampasse melhor a marca de Bergoglio.

A posição do papa
"Bergoglio não aderiu, mas não se opôs à Teologia da Libertação. Durante a Conferência de Aparecida, foi o único bispo estrangeiro a fazer-se presente na missa das CEBs, num domingo de manhã, na Basílica. Bergoglio não é um protagonista, mas tampouco vai cercear esse caminho. Tanto que já tirou da gaveta o processo de canonização de d. Romero, bispo mártir de El Salvador, símbolo da Teologia da Libertação. D. Romero morreu em 1980 e o processo estava parado.

A crise da democracia
"O documento final de Aparecida, que o papa deu de presente a Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, não chega a questões de Estado. Mas ali está uma proposta de evangelização transformadora. Talvez aí esteja um recado indireto. E o documento fala que existe uma crise da democracia, uma crise das instituições públicas, um descrédito dos três Poderes.

Socialismo e capitalismo
"A Igreja não condena o marxismo, o socialismo, de maneira diferenciada do capitalismo. São dois sistemas sobre os quais a Igreja já se pronunciou a respeito porque não colocam no centro a pessoa humana. Claro que a Igreja é mais condescendente com o capitalismo. Mas o documento de Aparecida é bastante duro em relação ao capitalismo, à exclusão.

Os conservadores
"Certamente ele vai dar outra tônica a esses eventos de massa, que está herdando dos predecessores. Tanto que setores conservadores eram os que participavam mais ativamente das Jornadas anteriores. Pelo fato de ser ele o novo papa, vejo que o número de participantes, sobretudo estrangeiros, vai diminuir. Os segmentos conservadores e mais tradicionalistas que seguiam João Paulo II e Bento XVI virão certamente em menor escala. A juventude mais tradicionalista não se sente contemplada com o novo papa, está reticente. Esses segmentos mais ligados à Cúria e aos papas João Paulo II e Bento XVI agora começam a tomar distância. É natural.

Gestos transcendentes
"Os gestos de Francisco são transcendentes. Logo que se elegeu, se inclinou diante do povo, não usa o carro oficial, não se deixa chamar de papa, mas bispo de Roma, fez questão de pagar o hotel onde se hospedou em Roma antes de ser eleito papa, não mora no apartamento do papa. E no Rio ele vai rezar o Angelus em cima de uma laje na favela. Vai ser um recado para essa Igreja da pompa, do luxo, dos grandes templos.

Esperança e dúvida
"Tenho muita esperança [no pontificado de Francisco]. Afinal, temos um papa latino-americano, jesuíta, sensível à causa dos pobres, que é a causa de Deus e da Igreja. Até agora fez-nos chegar gestos simbólicos fortes, proféticos, de alguém que sabe muito bem de que reformas a Igreja precisa e de que iniciativas a sociedade carece, para serem espaços inclusivos de todos. Pesa, entretanto, a dúvida se terá a força necessária para levar as reformas da instituição à prática. Sozinho, será impossível. Ele já conta com o apoio popular. Mas precisará dividir a tarefa com as Conferências Episcopais, o Sínodo dos Bispos e outros organismos representativos do Povo de Deus."

Fonte: O Estado de S. Paulo - Suplemento ALIÁS - Domingo, 21 de julho de 2013 - Pg. E9 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,folego-novo,1055491,0.htm
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QUE PAPA É ESSE?

Entrevista com Juan Marco Vaggione *


Ivan Marsiglia

Sociólogo argentino vê sinais de moderação no pontificado de Francisco: 
progressista na política e conservador na moral
Juan Marco Vaggione - sociólogo e advogado argentino
Quis a Providência Divina, diriam alguns, que a primeira visita do primeiro papa latino-americano da história fosse ao Brasil, maior país católico do mundo. E o papa Francisco fez jus à singularidade desse acontecimento. Em imagens que encheram os olhos de fiéis de todas as partes do mundo, o pontífice argentino Jorge Mario Bergoglio desfilou em um carro simples de passeio, carregou a própria mala e se comunicou em linguagem afetuosa e coloquial, pontuada por expressões locais. "Deus é brasileiro e vocês ainda queriam um papa?", disse Francisco, brincando até com a proverbial rivalidade nacional com os hermanos.

À poderosa carga simbólica dessa aparição, o papa agregou um conteúdo a um só tempo renovador e austero. Reafirmou a opção preferencial pelos pobres, até outro dia considerada subversiva na região e passível de decretação de "silêncios obsequiosos" por parte da Igreja. Condenou a corrupção de autoridades, empresários e cidadãos. Criticou os "ídolos passageiros" do dinheiro, do consumo e do prazer. E exorcizou o discurso em voga sobre a liberalização do uso de drogas.

"Até o momento, o papa Bergoglio começa a construir uma linha simbólica de alteridade, reposicionando a Igreja na direção do Concílio Vaticano II e devolvendo a pobreza ao centro das preocupações do Vaticano", analisa o sociólogo Juan Marco Vaggione, conterrâneo do papa e estudioso das intersecções entre a religião e os direitos sociais e civis no mundo. Ainda não se sabe, porém, como e quanto o novo gestual do papa "vai impactar as políticas concretas da Igreja Católica".

Pesquisador da Universidade Nacional de Córdoba e do Instituto Conicet, na mesma cidade, Vaggione formou-se em direito na Argentina, obteve Ph.D. em sociologia na New School for Social Research de Nova York e atua há anos junto à ONG Católicas pelo Direito de Decidir. Na entrevista a seguir, o sociólogo mostra como a eleição – e as escolhas – de um papa podem ser entendidas no contexto mais amplo dos embates de uma instituição global e sua inserção no mundo moderno. E sugere que o atual pontífice adotará uma postura moderada, entre o conservadorismo da cúria romana e anseios progressistas manifestados pela própria comunidade católica.

Nos anos 1980, quando João Paulo II esteve no Brasil, 89% da população se dizia católica. Hoje, o número não chega a 57%. Que significados isso traz à visita?

Juan Marco Vaggione - A visita de um papa precisa ser lida em um duplo registro: ela é, ao mesmo tempo, a visita de um líder religioso e de um ator político. Do ponto de vista estritamente religioso, é a visita do líder de uma instituição que vê em crise a influência e a legitimidade que tinha na América Latina, e no Brasil em particular. A própria eleição de Bergoglio como papa expressou, entre outras coisas, essa necessidade da Igreja Católica em reconquistar fiéis nessa parte do mundo. Trata-se também da visita de um papa que é também chefe de Estado do Vaticano, que de alguma maneira revela as fissuras dos nossos sistemas políticos frente à influência do religioso como lugar de encantamento. Ou seja, o êxito de uma figura religiosa e a atração política que ela exerce deixam evidentes as dificuldades do sistema político em manter seu próprio encanto e legitimidade.

Teólogos não alinhados com Bento XVI, como o alemão Hans Küng, manifestaram entusiasmo com o novo papa, ressaltando a escolha do nome "Francisco" e seu despojamento como sinais de ruptura. São mesmo?

Juan Marco Vaggione - Concordo, em um plano simbólico. Até o momento, o papa Bergoglio começa a construir essa linha simbólica de alteridade, reposicionando a Igreja na direção do Concílio Vaticano II e devolvendo a pobreza ao centro das preocupações do Vaticano. E é indiscutível o efeito poderoso que isso tem tido. Resta saber como esse plano simbólico, que é muito importante e eu não subestimo de forma alguma, vai impactar as políticas concretas da Igreja Católica como instituição religiosa.
Papas Bento XVI e João Paulo II

Em um artigo no Le Monde Diplomatique o sr. sustenta que tanto João Paulo II quanto Bento XVI ocuparam-se em "criticar a modernidade para reinserir nela uma Igreja Católica poderosa, visível e ativa que amplie suas estratégias de intervenção política". Como se deu isso e qual é o cenário hoje?

Juan Marco Vaggione - Quando se analisa as eleições dos papas sob uma perspectiva histórica, não como ações da vontade do Espírito Santo, a Igreja emerge como uma das instituições mais globalizadas que existem. Desse ponto de vista, a eleição de um papa implica na eleição de um líder político global que responde a momentos determinados. A chegada de João Paulo II ao topo da hierarquia católica pode ser lida como a eleição de um papa polonês que respondeu à tensão geopolítica forte entre capitalismo e comunismo. É o momento em que a Polônia se converte em pedra central para o desmantelamento da ex-União Soviética. De maneira semelhante, o papa alemão que o sucedeu é aquele que se volta para a Europa laica, como símbolo de um fenômeno também global da retirada do sentido religioso da política e da esfera privada dos cidadãos. Bento XVI é aquele que vem para recompor a esfera de influência da religião na Europa Ocidental, ressaltando as raízes cristãs da constituição europeia. Agora também, com a chegada de um papa latino-americano, não devemos ignorar a dimensão geopolítica dessa escolha – que se explica, por um lado, pela quantidade de fiéis existentes nessa parte do mundo e, de outro, pelo avanço de outras denominações religiosas na região. O fato de sua primeira visita ocorrer no Brasil coloca isso tudo ainda mais em evidência.

O sr. diz que três fenômenos da modernidade foram combatidos pela Igreja nos últimos anos: o ateísmo, o laicismo e o relativismo moral. Francisco vai travar as mesmas batalhas?

Juan Marco Vaggione - Creio que Francisco não poderá ficar de fora dessas batalhas. Sobretudo daquela contra o que a Igreja chama de relativismo moral e compreende questões reprodutivas e de gênero. A doutrina católica está muito entranhada pela ideia de uma moral única sobre essas questões. A sensação que tenho é de que vai haver uma continuidade entre Ratzinger e Bergoglio no que diz respeito a uma moral sexual conservadora. E ocorrerá a dupla articulação de que falamos em relação à América Latina, região tão caracterizada pela desigualdade social: a reaproximação da pobreza não só em nível doutrinário, mas em termos de estratégia para recuperar um rebanho que vem se perdendo especialmente nos setores mais pobres da população.

Há poucos dias, uma pesquisa encomendada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir mostrou que católicos brasileiros têm visões às vezes opostas à da Igreja. 82% deles apoiam o uso da pílula do dia seguinte, 56% defendem a união entre pessoas do mesmo sexo, 72% aprovam o fim do celibato para padres e 62% são à favor da ordenação de mulheres. A Igreja leva isso em conta?

Juan Marco Vaggione - O hiato entre a doutrina oficial da Igreja Católica e as convicções dos fiéis detectado pela pesquisa é característico da forma de ser católico na América Latina. Há uma distância abissal entre o que a doutrina exige e a forma de se viver as crenças entre nós. Convivem na região uma identificação ainda forte com o catolicismo e um posicionamento mais aberto para a liberdade e a diversidade sexual. Uma mudança política e social que afeta, inclusive, a hierarquia religiosa. É um desafio importante com o qual o papa Francisco terá que se defrontar. Pessoalmente, não acredito na possibilidade de que ele faça grandes mudanças na postura doutrinária nessa direção. Há quem fale de uma maior flexibilidade da Igreja em relação aos recasamentos e divórcios heterossexuais, mas não tenho expectativas de que esse papa possa acomodar muito mais que isso.

Em seu discurso no Brasil o papa sinalizou mais diálogo com outras religiões, mas manifestou rigidez em temas como a liberalização do uso de drogas – defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique. Francisco será mais ou menos conservador que Bento XVI?

Juan Marco Vaggione - Para responder à pergunta, temos de considerar o papel de Bergoglio no debate sobre o casamento gay em 2010 na Argentina. Na ocasião, ele demonstrou o que alguns chamaram de "posição moderada" – até flexível em relação a mudanças na legislação estatal, mas claramente conservador no que concerne à moral. Ele não encarnou naquele momento a figura de alguém capaz de promover mudanças na hierarquia religiosa. O que o desempenho de Bergoglio na Argentina deixa ver sobre seu perfil é uma reconexão com o carisma de João Paulo II, com a Igreja dos pobres do Concílio Vaticano II, aliadas à defesa de uma moral sexual conservadora.
Papa Francisco com o Mons. Ricca (de batina preta)
[Clique sobre a foto para ampliá-la]

Não é curioso que, no mesmo discurso, o papa tenha criticado o culto ao prazer, no exato momento em que o representante por ele indicado para o Banco do Vaticano, monsenhor Battista Salvatore Ricca, é acusado de ter um caso com um capitão da guarda suíça – no primeiro escândalo de seu pontificado?

Juan Marco Vaggione - Totalmente. E, nesse sentido, mesmo as hierarquias católicas da ala mais formal da Igreja vêm mostrando esse paradoxo. O ponto é: como a Igreja pode sair dessa contradição? Mantém o discurso de uma moral posta em dúvida por boa parte dos fiéis e até por representantes da instituição ou flexibiliza os dogmatismos sobre o comportamento e a sexualidade? E aqui não falamos só de temas delicados como o casamento gay ou a interrupção da gravidez, mas dos mais correntes, como o sexo antes do casamento e o uso de anticoncepcionais. Entretanto, a Igreja Católica tem sabido manejar o duplo discurso de proibir em público o que se faz em privado. Exemplos disso são os recentes escândalos que atingem a instituição.

Em sua opinião, a polêmica sobre a suposta colaboração do então bispo Bergoglio com a ditadura militar argentina foi esclarecida?

Juan Marco Vaggione - Esse é um tema complexo. O que a mim me surpreendeu foi a forma como, Bergoglio eleito papa, houve a necessidade imediata de esclarecer o episódio, de se afirmar sem demora que não houve tal colaboração. Ao orgulho nacional de termos um papa argentino sucedeu-se uma tentativa de "branqueamento" do passado por parte de setores os mais diversos. Então, "Bergoglio não foi tão conservador no debate sobre o casamento igualitário", "o que se diz dele durante a ditadura tampouco é real", etc. Parecia ser preciso tornar imaculado o papa argentino. O que mostra o quanto as classes políticas ainda sustentam seu prestígio em posicionamentos religiosos. Mais do que especular se Bergoglio colaborou ou não com a ditadura, o que me espanta é a dificuldade que a Igreja Católica Argentina ainda tem de realizar uma autocrítica sobre seu papel no apoio e legitimação do regime militar.

O teólogo brasileiro Leonardo Boff viu na "Igreja pobre, humilde, que dialoga com o povo" de Francisco a reabilitação da Teologia da Libertação, que vicejou na América Latina nos anos 1950 e 60. O sr. acredita nisso?

Juan Marco Vaggione - Creio, como disse, que o papa Francisco tenha a intenção real de voltar a situar a pobreza como sujeito da prédica e da intervenção da Igreja Católica no mundo. E que Leonardo Boff e outros teólogos progressistas têm razão ao identificar nisso um novo sentido para a instituição. Cabe perguntar, no entanto, qual será a construção simbólica feita em torno da pobreza. Ao redor de um conceito podem estar os mais distintos conteúdos ideológicos. Parece-me que a limitante de Bergoglio e da forma como vai armando o seu papado segue sendo um "corpo da pobreza" que não é reconhecido nas dimensões que se conectam com a sexualidade, a reprodução e a liberdade desse corpo. A Teologia da Libertação foi, sem dúvida, uma das tradições mais ricas e justas que a Igreja Católica já produziu. Mas se ela não for pensada em suas intersecções com as novas teologias feministas, terá caráter limitado. A velha Teologia da Libertação também pode ser patriarcal e homofóbica, uma vez que nos anos 1960 tais questões não estavam inseridas da mesma maneira na agenda política. Reinscrever a pobreza como sujeito histórico é um grande avanço, mas para que ele seja mais justo não se devem desconsiderar as desigualdades de um sistema patriarcal que priva de direitos as mulheres e nega autonomia e liberdade aos corpos.

* Juan Marco Vaggione é sociólogo, advogado e pesquisador da Universidade Nacional de Córdoba (Argentina).

Fonte: O Estado de S. Paulo - Suplemento ALIÁS - Domingo, 28 de julho de 2013 - Pg. E2 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,que-papa-e-esse,1057930,0.htm
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FRANCISCO E OS DILETANTES

Roberto Romano *
Papa João Paulo II com os cardeais Ratzinger e Bergoglio

Sinto muito escrever algo que não entra na euforia pela visita do papa Francisco. No pânico ou arrebatamento, vale seguir Spinoza, para quem não devemos rir nem chorar com os fatos, mas compreender suas articulações, não raro despercebidas na hora. Qual lógica seguirá o simpático bispo de Roma na sua atuação mundial? Não erraremos em demasia ao retomar a História da Igreja nos últimos tempos.

"Toda nação europeia, sem a influência da Santa Sé, será levada invencivelmente à servidão ou à revolta" (De Maistre). O pensamento conservador do século 19 põe no pontífice a base da ordem social e política, premissas retomadas pelos líderes eclesiásticos em documentos e tratados diplomáticos. A síntese entre poder divino e secular permite entender os papas recentes. Em carta ao cardeal Gasparri (1929), Pio XI diz sobre o Tratado de Latrão: a Igreja e o poder civil formam uma "ordem necessariamente determinada pelos respectivos fins". Logo, "a dignidade objetiva dos fins determina necessariamente a absoluta superioridade da Igreja". O Vaticano sustentou poderes estatais, mesmo quando eles prometiam barbárie, como na Concordata (Reichskonkordat) com Hitler. O apoio ao Führer teve contrapartidas. O artigo 5.º do tratado indica: "No exercício de sua atividade sacerdotal, os eclesiásticos gozam da proteção do Estado, do mesmo modo que os funcionários do Estado". A Igreja proíbe atividades partidárias dos padres e movimentos leigos na Alemanha. Desarmados os católicos, o nazismo se fortifica. Hitler violou sistematicamente a Concordata.

No Vaticano II ocorre importante mudança na política acima. O apoio a Mussolini e a Hitler supunha extirpar liberais, socialistas e outros. A Gaudium et Spes proclama que "muitos e vários são os homens que integram a comunidade política e podem legitimamente seguir opiniões diversas (...) o exercício da autoridade política, seja na comunidade como tal, seja nos órgãos representativos do Estado, sempre deve ser realizado nos limites da ordem moral (...) de acordo com a ordem jurídica legitimamente estabelecida ou por estabelecer". Cautela diante dos líderes autoritários: "Os cidadãos (...) evitem atribuir demasiado poder à autoridade pública e não exijam dela inoportunamente privilégios e proveitos exagerados, de tal modo que diminuam a responsabilidade das pessoas, das famílias e dos grupos sociais".

Depois de Paulo VI a política vaticana vai do Concílio à Realpolitik. João Paulo II colabora para o enterro da URSS, o que libera forças democráticas. Mas, como provam M. Politi e C. Bernstein (Sua Santidade), ele foi silente em face de regimes como o de Pinochet, aliando-se a Reagan em feitos pouco defensáveis. Wojtyla/Ratzinger lançam o Termidor. "É preciso", proclama o Concílio, "reconhecer que a cidade terrena, a quem são confiados os cuidados temporais, se rege por princípios próprios". A maioridade foi reconhecida aos leigos. João Paulo II tutela os fiéis na vida pública e na Igreja. À hierarquia foi atribuído poder inaudito. Logo, a direção da Igreja gira em torno de si mesma, tolera descalabros éticos e políticos que levam à renúncia de Bento XVI. Nada foi deixado aos padres e leigos. Aumenta o êxodo rumo à indiferença religiosa, ao ateísmo.

Segundo K. Mannheim, "a Igreja Católica é a grande instituição que, pela primeira vez, planificou o lado social da cultura. Ela exibe muito saber deixando que seus integrantes externos façam experimentos na sua periferia. Quando eles fracassam a Igreja os desaprova ou excomunga; mas formas bem-sucedidas de ajuste e mudança fazem por vezes suas organizações lutarem pela própria Igreja. Assim ocorreu com as ordens monásticas e grupos missionários como Cluny e os Jesuítas". Francisco ressuscita esperanças dos que seguem a Teologia da Libertação. Mas os altares simultâneos para João XXIII e João Paulo II sinalizam uma complexa abertura pontifícia para várias saídas. Francisco mostra que não assume um discurso fechado, nem favorece a via progressista. O contentamento por seus gestos deve ser moderado pela prudência. Entusiastas não operam com a razão, mas com a vontade e o dogma, acolhidos como inquestionáveis. Quando publiquei meu doutoramento, defendido na França em 1978, João Paulo II era a esperança. Em Brasil, Igreja contra Estado, apresento análises, documentos à vista, nas quais mostro a lógica que move a Igreja moderna: afirmar sua soberania espiritual acima de Estados e sociedades, como na tese de Pio XI. O livro alerta os que imaginavam uma Igreja catequizada pelo socialismo.

Como resposta alguém proclamou, baseado apenas no desejo, "uma inegável tendência da Igreja na direção do projeto socialista, como o verificou o insuspeito historiador da Igreja R. Aubert, e outros analistas sérios" (Clodovis Boff, A Igreja da Esperança). O dito socialismo baseava-se no equívoco de identificar a tese marxista (a socialização dos meios de produção) e a Doutrina Social da Igreja (a propriedade social). Jogo semântico, para ser caridoso, o "socialismo" eclesiástico era desprovido de base histórica.

Na vida social, política, econômica ou religiosa, nada é "inegável", salvo para quem, em vez de pesquisar tendo a dúvida como corretivo, decreta, como o camarada Lyssenko, certezas catastróficas. A repressão de João Paulo II/ Bento XVI foi atenuada, mas nada indica que Francisco, que segue a Doutrina Social da Igreja, chegue ao socialismo ou prescreva heterodoxias morais ou místicas. Os governos também se acautelem: a Igreja apoia a ordem civil, mas busca acima de tudo preservar sua missão e defender seus espaços. Como diz Elias Canetti, perto dela "todos os poderosos dão a impressão de serem modestos diletantes". E diletantes enxameiam nos palácios brasileiros.
* ROBERTO ROMANO É PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA DA UNICAMP E AUTOR DE "O CALDEIRÃO DE MEDEIA" (PERSPECTIVA).
Fonte: O Estado de S. Paulo - Espaço aberto - Quarta-feira, 31 de julho de 2013 - Pg. A2 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,francisco--e-os-diletantes-,1059068,0.htm

2 comentários:

  1. Esta foto deve ser montagem, pois parece muito antiga e o então Cardeal Bergoglio foi criado em 2001 e nesta época João Paulo II já não apresentava esta mesma aparência.

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  2. Olá, Juliano da Silva Reis. Você pode ter razão. Não posso confirmar tratar-se de uma foto original ou não, infelizmente. De qualquer modo, não é ofensiva nem afeta em nada aquilo que se diz na matéria, ela é apenas ilustrativa. Abraço!

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