«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 9 de julho de 2013

JOVENS, O FUTURO DA IGREJA EM FUGA [Leia...]

PARTE 1

Revista JESUS
Julho de 2013 (nº 7)


As pesquisas sociais são unívocas: cada vez menos jovens vão à paróquia ou se declaram católicos. Às vésperas da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) do Rio de Janeiro, um fórum da redação da revista Jesus, com quatro especialistas, apresenta o quadro da situação sobre essa distância crescente entre a Igreja e a geração dos "nativos digitais".

"O cristianismo no Ocidente só poderá florescer se conseguirmos envolver a imaginação dos nossos contemporâneos". Essa lúcida afirmação do padre Timothy Radcliffe, teólogo dominicano e ex-Mestre Geral da Ordem, diz, em poucas palavras, todo o drama e todo o esforço da complicada relação entre a Igreja Católica e os jovens hoje. Uma relação que, às vezes, parece quase inexistente. E que as mais recentes pesquisas sociais traçam com dados brutos e cores escuras.

Às vésperas da JMJ, que acontece no Rio de Janeiro (Brasil) de 23 a 28 de julho, as estatísticas impressionam ainda mais: de acordo com o recente estudo de Alessandro Castegnaro e Giovanni Dal Piaz (Fuori dal recinto. Giovani, fede, Chiesa: uno sguardo diverso, Ed. Àncora), pouco mais de 13% dos jovens entre os 18 e os 29 anos de idade vão regularmente à missa todos os domingos. Segundo o Relatório Giovani [Relatório Jovens], organizado pelo Instituto Toniolo, que será publicado em breve pela editora Il Mulino, ao invés, a cifra beira os 15%.

Mas a situação não muda muito: isso significa que 85% dos jovens (e talvez mais) não têm nenhum contato estável com o mundo eclesial. Para usar os termos do padre Radcliffe, a imaginação da imensa maioria dos menores de 30 anos não é tocada, de fato, pelo modo como a Boa Notícia evangélica é contada hoje em dia pela Igreja Católica.

Em suma, há coisas para se meditar. Especialmente às vésperas da JMJ do Rio de Janeiro, a primeira edição do "novo curso" vaticano inaugurado pelo Papa Francisco. Porque – já se sabe – os grandes eventos midiáticos, as reuniões de massa, as megafestas litúrgicas apresentam muitas oportunidades, mas também muitos riscos. O primeiro deles, provavelmente, é o de se transformar em experiências consolatórias para se reencontrar o calor daqueles que se assemelham a nós, oportunidades para reivindicar publicamente uma identidade religiosa que pode se revelar frágil na vida comum e cotidiana. Sem se preocupar em encontrar uma continuidade no "depois", uma vez que a JMJ se conclua. E sem se preocupar com os milhões de jovens que, ao invés, nem sonharam em ir ao grande evento.

Certamente, não há somente nuvens escuras no horizonte da JMJ. Trata-se também de uma grande oportunidade para os jovens e para os pastores que os acompanham de fazer uma experiência evangélica, de encontrar e se confrontar com coetâneos de todo o mundo, de saborear um caminho espiritual envolvente e apaixonante, de descobrir uma Igreja que sabe apreciar o sentido da festa. Portanto, riscos e oportunidades.

Para apresentar o quadro sobre esse dilema e sobre o tema mais amplo do "planeta jovens", a revista Jesus organizou um fórum editorial do qual participaram quatro convidados especiais: 
  • o padre Armando Matteo, teólogo e autor do livro La prima generazione incredula [trad. livre: A primeira geração incrédula]; 
  • Chiara Giaccardi, socióloga da Universidade Católica de Milão e especialista em mídias digitais; 
  • o padre Renato Rosso, religioso carmelita com uma longa experiência pastoral em paróquias e à frente de uma escola católica na Terra Santa; e 
  • Luciano Manicardi, monge de Bose, que se ocupa na comunidade particularmente com a formação dos jovens. Nas páginas que se seguem, a síntese do animado debate que surgiu do encontro.
Eis o debate.

Em poucas semanas, será aberta a Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. É um evento já tradicional, mas também será a primeira edição do pontificado do Papa Bergoglio. Portanto, será interessante não só ver o novo perfil da JMJ, mas também a abordagem do novo pontífice e a resposta do mundo juvenil. Em todo caso, torna-se cada vez mais atual e às vezes dramática a questão da relação entre fé e jovens

Todas as pesquisas dizem que: 
  • os jovens entre os 18 e os 30 anos que vão à missa regularmente não superam os 15%; 
  • aqueles que rezam com uma certa regularidade são em torno dos 15-17%; 
  • aqueles que acreditam na existência de Deus superam em pouco os 30%; 
  • aqueles que estão certos da existência do além e de alguma salvação eterna, somente 13%. 
Trata-se de dados conhecidos, embora desoladores, para a Igreja Católica. Um pouco menos conhecida e não compartilhada é a questão da sua interpretação. Há muitas discussões sobre esse tema. Para sintetizar um pouco brutalmente os termos do dilema, poderíamos dizer: é a incredulidade difusa da cultura "mundana" que fez com que a fé e a Igreja Católica perdessem o apelo, ou, vice-versa, é o baixo apelo da Igreja Católica que levou cada vez mais jovens rumo à incredulidade?
Pe. Armando Matteo - italiano

Armando Matteo – Antes de responder, eu acrescentaria outro dado, inédito no panorama religioso católico italiano: as mulheres jovens não mostram diferenças substanciais com relação aos seus coetâneos do sexo masculino. Ao contrário, em algumas dioceses, a presença dos jovens do sexo masculino na missa é maior do que a das suas coetâneas. A meu ver, há uma mudança geracional em ação, por isso um pouco provocativamente eu falo da primeira geração incrédula.

De um lado, há uma mudança epocal e cultural muito profunda, e a inculturação clássica que funcionou até o Concílio Vaticano II tem muitas dificuldades hoje. A ideia de eternidade, de paraíso, de alma, de salvação, que não são simplesmente categorias cristãs, mas pertencem em sentido mais amplo à religião, não funcionam mais hoje. Somam-se a isso também mudanças extraordinárias – do digital aos progressos da medicina, que permitiram um alongamento da vida – que estão substancialmente redefinindo o real. Tudo isso incide na relação com a religiosidade. Danièle Hervieu-Léger diz que vivemos um momento em que a tradição cultural do cristianismo é ilegível.

Por outro lado, é preciso dizer que a Igreja perde apelo também por causa dos seus próprios erros. A fórmula da JMJ ou a dos movimentos parecia ter resolvido a crise das paróquias e do associacionismo clássico. Na realidade, há muito pouco investimento pastoral no mundo juvenil depois dos 18 anos. São muito poucos os sacerdotes, as religiosas e os leigos à disposição para a pastoral universitária, é muito escassa a relação entre a Igreja no seu aparato oficial e os professores de religião que são os únicos que têm um contato visceral com os jovens (um professor de religião encontra em média até 300 pós-adolescente na sua atividade).

O afastamento da Igreja é acompanhado pelo fato de que os jovens declaram ter uma abertura à transcendência. Sobre esse fator, há diversas escolas de pensamento: alguns estudiosos separam de maneira muito clara o distanciamento da Igreja e da espiritualidade, e não falam de incredulidade, mas de um stand by na prática religiosa. Eu represento uma alma mais pessimista, porque – a meu ver –, por trás desse afastamento, está a ineficácia da transmissão da fé: nas dinâmicas sociais, culturais e familiares não se entende mais para que serve o Evangelho para a qualidade humana da vida.
Chiara Giaccardi - socióloga italiana

Chiara Giaccardi – Eu acredito que os dois nós problemáticos levantados contêm, ambos, uma parte de verdade. Na idade moderna, o ser humano tenta se colocar no lugar de Deus, como Prometeu. A ideologia do ser humano que se faz por si só, no entanto, não é nossa. Na cultura italiana, sempre foi bem clara, ao contrário, a ideia de herança, de transmissão, de geração, do ter recebido, do restituir.

Mas depois fomos colonizados pela mitologia do self-made man, pelo ideal da autonomia, do não precisar de ninguém, da autorrealização como objetivo primário. Nesse quadro antropológico, a dimensão da relação se torna ou um obstáculo ou um instrumento, porque, contudo, a centralidade está no eu. As relações se tornam, então, "contratos"; a dimensão do interesse e do bem-estar pessoal acabam orientando toda ação. Portanto, de um lado, temos todo o movimento de domínio da natureza que, de cosmos nas mãos de Deus, se torna mundo nas mãos do ser humano através da técnica, que não aceita limites senão o da "fatibilidade". Por outro lado, como escrevia Heidegger, ocorre esse "ensenhorear-se" do ser humano no seu próprio fundamento, na convicção de não precisar mais de ninguém.
(Clique para ampliar a imagem)

Há uma célebre escultura de bronze do artista Bobbie Carlyle que representa bem a suposta autossuficiência do self-made man [ver foto ao lado], imortalizado no ato de esculpir-se sozinho: um tronco humano com martelo e cinzel, e o resto da base ainda informe. É uma imagem paradoxal, mas que nos é apresentada como o modelo a que devemos aspirar. Um modelo que uma geração inteira cultivou como se fosse o único caminho da libertação. Hoje, observando o mundo dos "nativos digitais", podem-se captar sinais de crítica implícita a esse imaginário: estar em rede, de fato, significa acima de tudo estar-com e compartilhar. Chamou-me muito a atenção, durante a eleição do Papa Francisco, a foto da Praça de São Pedro iluminada pelos celulares, pelos tabletes: para estar plenamente ali era necessário e bonito compartilhar o evento com quem não estava. Essa imagem é útil para entender como a dimensão digital não é o lugar de uma presença enfraquecida, de um eu alienado. No máximo, de uma presença aumentada pelo fato de ser compartilhada com outros.

Diante de uma cultura do individualismo que entregamos às novas gerações, a rede se torna o lugar em que se busca continuamente transformar a conexão em relação, ou seja, passar do plano tecnológico para o antropológico. Essa é uma crítica implícita ao modelo do individualismo e um potencial para se trabalhar, já que expressa uma necessidade profunda que deve ser ouvida. E aqui eu volto ao tema inicial. Eu acredito que, se a Igreja tem uma "culpa", é a de não ter ouvido o suficiente a exortação da Gaudium et Spes [Concílio Vaticano II] a ler os sinais dos tempos e a falar as linguagens que as pessoas possam entender, sobretudo as jovens gerações. Esse esforço, talvez, não foi feito de modo adequado, e, assim, criou-se uma distância, onde, ao invés, comunicar significa justamente "reduzir a distância", fazer crescer o que é comum.

O estilo comunicativo do Papa Francisco é um instrumento preciosíssimo de pedagogia da comunicação. O Papa Francisco caminha a pé, se afasta das trajetórias rígidas do cerimonial, se aproxima das pessoas e as toca. A dimensão do contato deve ser redescoberta, porque, antes mesmo de dizer qualquer coisa, o fato de fazer sentir a proximidade por parte da Igreja é fundamental. Só dentro desse encontro e graças à confiança que dele deriva, pode-se pensar hoje em um caminho de fé.

A rede, além disso, nos ensina algo muito importante. A autoridade de ofício não funciona mais: primeiro é preciso demonstrar respeitabilidade. A Igreja não pode mais dizer: "Eu sou a Igreja e, portanto, tu deves me escutar". Assim como a mãe não pode mais dizer: "Eu sou a tua mãe e, portanto, tu deves fazer o que eu te digo". Esse modelo não se sustenta mais, e talvez isso não seja ruim. Primeiro, é preciso construir a relação de confiança. E confiança, fé, fidelidade e laço são todos parte de uma mesma constelação semântica, porque têm a ver com fides, que é a corda, o fio que nos une. No individualismo, não há fé, porque todo laço é um limite, uma prisão do eu. Ao invés, se a perspectiva se inverte e volta a ser acima de tudo relacional, então talvez também haja as condições para retomar o discurso da fé em uma perspectiva diferente e através de novas linguagens, com um novo olhar, capaz de oferecer esperança nestes tempos difíceis.
Pe. Renato Rosso - italiano

Renato Rosso – Eu parti da Itália no fim dos anos 1990. Na paróquia onde eu estava havia uma presença de jovens significativa na missa dominical. Quando eu voltei, depois de 12 anos, vejo que os jovens diminuíram muito. Talvez, eu disse a mim mesmo, faltaram momentos de agregação séria e profunda, em que o jovem pudesse se sentir partícipe, se expressar, ser ouvido. Eu apontaria para isso, porque, no mundo juvenil, o que importa é a experiência, tocar com a mão uma realidade que se vive.

Além disso, é preciso voltar a uma séria formação, entender que certos momentos da sua vida se enraízam em algo muito importante. Os 13 anos passados na Terra Santa me levam a fazer uma análise totalmente diferente. Na Europa, o pertencimento à Igreja é uma escolha de fé motivada. No Oriente Médio, que é uma realidade "sagrada", isto é, não secular, é diferente: você é cristão porque você não é muçulmano ou não é judeu. A Igreja investiu muito no Oriente Médio por uma razão de formação cultural, humana, mas sobretudo de formação religiosa. O jovem cristão na Terra Santa parte de uma plataforma em que se reconhece que também deve ser mais defendida, porque está em minoria (na Palestina e em Israel, os cristãos nas várias divisões não chegam a 2%), em meio a duas presenças fortes, judaica e muçulmana. Portanto, a partir dessa identidade básica, dessa necessidade de autodefesa cultural e religiosa, o jovem também deve ser ajudado a fazer um certo caminho. Isso leva a uma participação na Igreja em todos os momentos relevantes da vida.
Luciano Manicardi - monge de Bose (Itália)

Luciano Manicardi – Eu enfatizo apenas um aspecto da separação entre Igreja e jovens. Na sociedade pós-tradicional (Hervieu-Léger) é necessário motivar novamente cada gesto e cada palavra da fé. A ignorância de fé impõe que não tomemos nada como óbvio. A credibilidade do Anúncio exige que cada palavra e gesto da fé encontre um fundamento antropológico sólido para se inserir. Assim, o analfabetismo de fé dos jovens deve ser captado como uma oportunidade para a Igreja repensar e renovar a sua própria abordagem e o seu próprio anúncio. E, portanto, para renovar a si mesma. Ou conseguimos motivar antropologicamente a fé, ou ela vai provocar no máximo um dar de ombros.

Aqui, o jovem se encontra em uma situação em que, de um lado, a cultura em que ele está imerso deve redefinir o humano (o que é um corpo humano, o nascer e o morrer humanos, a sexualidade humana?); de outro, a Igreja deve dar consistência ao seu próprio anúncio sabendo mostrar como a fé fala ao humano, dá sentido e direção ao humano. Precisamos reencontrar uma gramática do humano: 
  • reaprender o ABC da vida a partir das coisas elementares (comer, saudar, falar...) e
  • redescobrir elementos removidos ou esquecidos (o pudor, a vontade, o silêncio...).
Nessa incerteza, a Igreja deve recuperar a dimensão do humano graças à qual um jovem poderá desenvolver uma fé autêntica e uma capacidade de oração. Aprender a pensar, a ter uma vida interior, a "fazer silêncio", a viver a ascese (ideia bem compreensível para jovens que fazem esporte ou tocam instrumentos musicais e que treinam e se exercitam todos os dias), a escutar e a habitar o corpo são alguns dos muitos movimentos humanos, humaníssimos, que um jovem deve aprender para poder ter uma vida de relação séria consigo mesmo e com os outros. E, portanto, também com o Deus narrado à humanidade por Jesus de Nazaré.

Acredito que somente uma fé que saiba levar a sério a vida que um jovem vive, com a sua carga de ansiedade e de futuro, poderá encontrar credibilidade e acolhida junto aos jovens. Para isso, seria necessário desenvolver a dimensão sapiencial da fé a partir da tradição sapiencial bíblica, mas também das muitas vozes da cultura (cinema, literatura, música) que nos revelam algo sobre a alma humana, sobre a condição do ser humano no mundo.

(Continua...)

Tradução de  Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Segunda-feira, 8 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521731-jovens-o-futuro-da-igreja-em-fuga-parte-1
Original em italiano - acesse: http://www.stpauls.it/jesus/1307je/attualita-1.htm
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PARTE 2

As pesquisas sociais são unívocas: cada vez menos jovens vão à paróquia ou se declaram católicos. Às vésperas da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) do Rio de Janeiro, um fórum da redação da revista Jesus, com quatro especialistas, apresenta o quadro da situação sobre essa distância crescente entre a Igreja e a geração dos "nativos digitais".
Jornada Mundial da Juventude - Rio de Janeiro: 23 a 28 de Julho de 2013

Publicamos aqui a segunda parte do debate. Confira também a primeira parte.

Eis o debate.

O Pe. Matteo se referiu antes àquela que, em uma pesquisa realizada pelo professor Segatti em 2010, foi definida como "ruptura geracional", que inicia, grosso modo, a partir dos anos 1980, e que ele, no seu livro, sintetizou com a expressão "primeira geração incrédula". A que se deve isso? Quais são suas raízes?

Armando Matteo – É preciso analisar a situação da geração das pessoas nascidas entre 1946 e 1964, aquela a qual se pode atribuir a definição dada por Magatti de "narcinismo", uma mistura entre narcisismo e cinismo. É a primeira geração que viveu fenômenos inéditos: se aposenta e ainda tem os pais vivos; experimentou o bem-estar, o boom econômico, a afirmação da técnica. Conheceu uma época histórica incrível: o Concílio Vaticano II, o primeiro homem na Lua, uma sensação de paz nunca manifestada (lembremo-nos do Vietnã).

No entanto, ela se apaixonou por esse grande sentimento de juventude e pelo ideal do self-made man. Assim, censurou a idade adulta da vida e a própria ideia de crescimento: o crescimento não é só acumular, mas também perder, envelhecer, morrer. Em uma pesquisa, foi perguntado aos italianos quando é que nos tornamos velhos. A resposta foi: "Aos 83 anos". A idade média dos italianos é de 82 anos e 4 meses, portanto, na Itália, tornamo-nos velhos depois da morte!

A brecha está justamente aqui: a fé existe porque nos ajuda a viver como adultos. O horizonte de Deus nos ajuda a não absolutizar este mundo, mas a abençoá-lo por aquilo que ele é. No momento em que uma geração marginaliza o discurso sobre a idade adulta, de fato, não precisa mais da fé. Encontramos isso também no livro de Luigi Zoja ou nas análises de Galimberti: o indivíduo pensa somente no presente. E o sistema econômico domina o indivíduo, através de falsas imagens de liberdade.

Em suma, essa geração mostrou que Deus e o Evangelho não servem. A Igreja continua postulando a família como lugar de transmissão da fé, mas as análises nos dizem que os jovens italianos não rezam em família, não lembram se a própria mãe alguma vez falou-lhes sobre a fé. Normalmente, a pessoa à qual associamos a fé é a avó. A ideia é que a fé é coisa dos padres, das freiras; enquanto você é criança, você precisa fazer essa "coisa", mas, quando você cresce, então segue em frente.

Tudo isso, no entanto, produz uma inquietação nos jovens. São eles que estão pagando o peso da censura da idade adulta. Os jovens estão buscando um novo sentido do humano. A internet e a web não são um instrumento, são um laboratório de humanidade. Outros elementos, além disso, vão nessa direção: o amor pela natureza, pela música, que é justamente o sentido da festa, e depois também a literatura, o cinema. A geração 1946-1964 censurou a idade adulta e, de fato, tornou simplesmente inútil a referência a Deus. Nós celebramos o Deus dos cristãos no domingo, mas a segunda-feira também serve na vida cotidiana.

Chiara Giaccardi – O tema da música é verdadeiramente paradigmático: na perspectiva de Marshall McLuhan, os meios são a extensão dos sentidos, e cada época se caracteriza por um "sabor cultural" particular, porque acentua uma dimensão da nossa sensorialidade mais do que outras. McLuhan defende, por exemplo, que "a visão exclui, o ouvido inclui", e não é por acaso que essa paixão pela música se casa tão fortemente com a dimensão da rede, de estar com, da conexão, da sintonia, de estar em uníssono.
Kant escrevia que a música é uma "linguagem sem conceitos": vibra-se junto, sem passar pela adesão intelectual. São as ideias da fisicidade, do contato que retornam: pela mesma razão, McLuhan definia a era da eletricidade (hoje dizemos era digital) como "audio-tátil". E essa é uma linguagem que eu acredito que é preciso recuperar também em nível litúrgico, porque a missa, mesmo para os jovens que frequentam os grupos eclesiais, corre o risco de ser sentida, injustamente, como uma linguagem estranha, abstrata, intelectualista.

Sobre a crise da idade adulta, eu acrescentaria uma consideração. O psicanalista Luigi Zoja, em La morte del prossimo [trad. livre: A morte do próximo], define os adultos como "lactantes psíquicos" que se apegam à mamadeira daquilo que lhes faz sentir bem, interrompendo aquele círculo virtuoso entre o pegar e o restituir, entre o receber e o dar, que, ao invés, deveria caracterizar o ser adulto, como havia defendido o psicólogo social Erik Erikson falando de generatividade.

A crise da idade adulta também é a crise da generatividade. O ser – digo-o como católica – não é enquanto é, mas enquanto gera. Deus criou o mundo e criou o ser humano. E o criou, com as belas palavras de Hölderlin, "como o mar cria a terra: retirando-se". O termo generatividade, que para Erikson tem como única alternativa a "estagnação", prevê três momento: o pôr no mundo (dar à luz), o cuidar e o deixar ir. A crise da generatividade hoje se manifesta em todos os três níveis: não pomos mais no mundo; pomos no mundo mas não cuidamos; ou cuidamos mas não deixamos ir.

Vê-se muito bem este último aspecto nas nossas elites, que talvez fizeram coisas muito bonitas, mas depois não as deixam ir, não passam o bastão e assim roubam o futuro das jovens gerações. A crise da idade adulta é justamente uma crise de generatividade, que se manifesta no esforço de reter o máximo possível e de não transmitir. Ou somos generativos e entramos em um círculo virtuoso, ou há a estagnação que, depois, é asfixia, morte.

Luciano Manicardi – Uma dimensão dessa crise que os jovens hoje estão pagando é que a geração dos seus pais não soube prometer ou permanecer fiel às promessas feitas. A promessa não mantida cria desconfiança, e sem confiança não há futuro. Prometer é dar forma ao futuro, futuro que é responsabilidade dos adultos e potencialidade nos jovens. É hora de sair da retórica de jovens que são sempre e invariavelmente o futuro e a esperança da Igreja e da sociedade: o futuro e a esperança também são responsabilidade dos adultos. E é preciso ajudar os jovens a aproveitar os seus recursos internos, porque o futuro também nasce da interioridade: o apaixonar-se diz isso muito bem. Mas também a faculdade de desejar e de imaginar.

(Continua...)

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Terça-feira, 9 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521784-jovens-o-futuro-da-igreja-em-fuga-parte-2
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Parte 3

Eis o debate.
Papa João Paulo II com um jovem - JMJ

A geração dos anos 1980 é a mesma dos chamados Papaboys, isto é, quando era máxima a sensação, ao menos por parte da grande mídia, de uma empolgação juvenil pela figura do papa. Porém, de acordo com os dados, parece ser mínima a real participação dos jovens na vida de fé e na prática religiosa. Como vocês explicam esse estranho efeito?

Chiara Giaccardi – João Paulo II utilizou códigos muito envolventes de comunicação que, especialmente sobre os jovens, geraram uma grande aderência, como as JMJs [Jornadas Mundiais da Juventude] ou as grandes reuniões. O erro foi pensar que o apelo desses grandes eventos era suficiente para trazer estavelmente os jovens de novo para a Igreja. Mas os dados demonstram que esse primeiro passo, embora importantíssimo, não é suficiente se, depois, na normalidade da vida eclesial, se continua falando uma língua estranha aos jovens.

Isso não significa, naturalmente, que a Igreja deve se preocupar, como se fosse uma agência de publicidade, a se adequar ao público-alvo desejado. O movimento é bem diferente: sair da inércia, deixar-se interrogar pelo mundo, encontrar continuamente os modos de fazer reviver a tradição à luz das novas questões. É preciso, portanto, entender o que funciona desses momentos e como utilizar essa linguagem, e recriar aquele clima de alegre fraternidade também na normalidade, e não apenas na excepcionalidade do Rio de Janeiro e de Sydney. Porque a vida é feita de excepcionalidade e de normalidade, e é a respiração entre esses dois momentos que mantém acesa a centelha de infinito.

Renato Rosso – Eu concordo. Talvez nos deixamos iludir um pouco por esses grandes acontecimentos e pensamos que a realidade juvenil é essa, enquanto a realidade juvenil é a que está na periferia dos grandes eventos. Além disso, precisamos nos perguntar que incidência essas grandes reuniões têm no cotidiano. Como sacerdote, eu me pergunto se talvez não apresentamos um cristianismo um pouco complexo demais, um pouco articulado demais, um pouco impositivo demais. Para um jovem que quer se aproximar da fé, não é fácil. É preciso simplificar, sem renunciar aos dogmas fundamentais, mas apontando para o essencial.

Eu gostei que o Papa Francisco, como primeira coisa, anunciou a misericórdia de Deus. Agora, é preciso ver como tudo isso vai se concretizar, por exemplo, na realidade dos casais de fato ou dos casais em segunda união: é um problema diante do qual a Igreja é chamada a dar respostas que sejam abertas. E talvez a nossa linguagem também deveria ser um pouco revista.

Armando Mattteo – Seguramente, há uma lacuna entre a experiência forte das JMJs, que é uma experiência acertada, e o cotidiano. A intuição está certa, é uma pena que não tenha feito efeito e continue a não fazer. Tomemos, por exemplo, a JMJ de Madri: diante de 1% da população juvenil italiana presente em Madri, participaram 50% do episcopado italiano. Portanto, uma presença de Igreja incrível. E quase 10% do clero, um número enorme de freiras e leigos que acompanhavam os jovens.

Mas o que acontece no dia a dia? Quantos acompanham os jovens nas universidades? Como os professores de religião são acompanhados? E como a rede é vivida? Basta ver os sites institucionais da Igreja Católica, nos quais não é possível um "reply", um "curtir", nem mesmo um comentário.

Segundo elemento, a pluralidade de formas litúrgicas que havia em Madri: adoração, Via-Sacra, confissões, muitíssimas formas de oração, em comparação com as nossas paróquias, que são monótonas.

Terceiro elemento: os bispos fizeram catequeses bíblicas, "impulsionados" pelo Pontifício Conselho para os Leigos. Tinham inputs muito precisos, foram obrigados a se preparar, a pensar. E foram muito eficazes.

O quarto elemento é a festa, uma experiência humana central, que nas nossas paróquias não existe. Parece um funeral mesmo quando o morto não está. A nossa civilização tem apenas a diversão, e não a festa: a JMJ é realmente o lugar de festa, de comunidade. Nós temos missas em demasia aos domingos, para viver o domingo. Há uma questão de quantidade-qualidade.
Chiara Giaccardi – Esses grandes momentos funcionam porque são experiências. E o único modo de aproximar os jovens é de fazer com que tenham experiências. Não fazer catequese, mas lhes oferecer oportunidades de experiência. O que significa fundamentalmente duas coisas. Ajudá-los a sair da obviedade dos lugares-comuns e ajudá-los a aprender com esse movimento, que, além disso, é o da educação, e-ducere: aprender fazendo. É a única linguagem que os jovens entendem hoje, que é também a linguagem da rede: "hands on", pôr as mãos, é de fato um dos princípios da ética hacker. A única coisa que se pode fazer para educá-los é não deixá-los simplesmente no mundo da exploração casual, mas, através da exploração, chegar àquela passagem que talvez eles não façam espontaneamente.

Nesse sentido, a linguagem é preciosa: nós estamos acostumados a uma linguagem conceitual que para eles é chata, incompreensível, distante. O Papa Francisco, ao invés, está usando a linguagem das metáforas, que é a linguagem das parábolas, que fala da cotidianidade mais ínfima.

A linguagem foi "violentada", não apenas pela política, mas em alguns casos também pela religião, quando ela a usou em chave retórica com afirmações de princípio que, depois, não eram seguidas com o testemunho. Isso provocou uma desconexão da realidade. Por isso, o testemunho é hoje o único registro comunicativo crível. O enunciador deve ser testemunha, e a linguagem deve ser "integral". A Igreja só precisa se valer do seu próprio patrimônio, da Bíblia, da arte sacra: é preciso levar os jovens para dentro das igrejas e fazê-los se maravilharem diante dos mosaicos, contar-lhes essa história e ajudá-los a sentir que essa história está perto da sua história e é dirigida a cada um deles.

É um percurso totalmente diferente, que passa, justamente, pela experiência. O fato é que se afirmou a especialização, triunfou a funcionalização. Separamos tudo, fragmentamos e recompusemos os processos em nome da eficiência. Ao contrário, é hora de colocar tudo junto de novo.

A esse propósito, a definição mais bonita de católico foi dada por Bento XVI na Caritas in Veritate, no número 55: "O homem todo e todos os homens". Universal não no sentido abstrato, mas que envolve a mente, a paixão, os afetos, a fisicalidade, a espiritualidade, isto é, todo o ser humano. Ao invés, a nossa cultura é uma cultura que separa, o intelectualismo de um lado, e a fisicidade (talvez pervertida) de outro. Os jovens precisam saber que as coisas estão juntas. Eu sou capaz de perceber isso, mas não através da linguagem da catequese tradicional. A rede nos oferece novos caminhos e novas possibilidades, mas é preciso se preparar e ser humilde, porque, se estamos convictos de já ter a verdade, e que são os outros que não a entendem, não podemos ir muito longe.

Renato Rosso – São importantes a linguagem, os conteúdo e também a atitude. Muitas vezes, diante de situações que os jovens vivem, logo fazemos um julgamento, não esperamos que eles façam um certo caminho. "Quando o Filho do Homem vier, será que ainda vai encontrar a fé sobre a terra?": essa frase do Evangelho sempre me fez pensar. É preciso redescobrir uma formação pessoal que ajude a ter uma abordagem diferente com os jovens, de maior paciência, tolerância, espera. No fundo, o cristianismo é o tempo da espera, não o da realização.

Luciano Manicardi – A brecha entre o fascínio da figura de João Paulo II e a vida eclesial cotidiana, na realidade, não é uma lacuna, mas expressa uma mesma realidade: a ausência da comunidade. Ou a não eloquência da comunidade paroquial para muitos jovens, o que eu acho que é o problema que está por trás de tanta ineficácia da evangelização. O fascínio e o poder comunicativo de João Paulo II puderam mascarar essa realidade, mas os jovens precisam de comunidade, e o cristianismo encontra a sua genialidade justamente na criação de comunidades nas quais jovens e adultos, homens e mulheres, pessoas de diversas nações e culturas encontram a sua unidade em Cristo.

Mais uma vez, ouvir os jovens e as suas dificuldades poderia ajudar os homens da Igreja a identificar um problema capital para o anúncio da fé no mundo de hoje. Podemos dizer assim: como fazer com que as comunidades paroquiais se tornem escolas de amor (scholae amoris), lugares de experiência de fraternidade, lugares humanos em que se faz a experiência de ser amado, escutado, reconhecido e onde, por sua vez, se aprende a amar?

(Continua...)

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quinta-feira, 11 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521844-jovens-o-futuro-da-igreja-em-fuga-parte-3
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Parte 4

Eis o debate.
No seu último livro, o padre Armando Matteo fala da fuga das quarentonas da Igreja. Presumivelmente, muitas são mães. Quanto isso afeta a transmissão da fé e o crescimento dos jovens?

Armando Matteo – Já se sabe muito bem que a única instância educativa na Itália é a mãe. Infelizmente, os dados disponíveis e a experiência pessoal me levaram a verificar que não se veem mais coetâneas minhas na igreja. Presumivelmente, elas são mães, e isso é um grande problema. O afastamento está bem ligado ao fator educação: quanto mais as mulheres são graduadas, mais aumenta a separação da Igreja.

Como na Itália a transmissão da fé ocorre normalmente pela via "matrilinear", é evidente que a Igreja italiana precisa reabrir o diálogo com o universo feminino. Somam-se a isso outros fatores, como a diminuição incrível da presença das religiosas [freiras] nas paroquiais, a realidade religiosa que perdeu mais números nos últimos anos, embora atualmente isso não se vê, porque na Itália há 90 mil freiras, mas mais de 50% tem mais de 70 anos.

 As irmãs representaram a possibilidade de um cotejo institucional do feminino dentro da Igreja e habitaram de maneira incrivelmente generosa os espaços essenciais do contato entre o cotidiano e a fé: asilos, hospitais etc. São elas que verdadeiramente encarnaram o conceito de que "a Igreja é a mãe!". Isso também significa entrar nos debates políticos sobre a condição da mulher: sobre problemas enormes como o feminicídio, não ouvimos nenhuma palavra séria por parte eclesial!

E o mesmo sobre toda uma série de problemas, como a disparidade de salários. As mulheres na Itália são as que estudam mais, também têm ótimas notas e pedem uma Igreja competente, capaz de interagir com o seu crescimento cultural. Dentro da relação com o mundo juvenil, portanto, o capítulo "Igreja-mulheres" é muito importante e não se reduz à questão "ordenação sacerdotal", mesmo que pensar em novos ministérios femininos poderia ser útil.

Além disso, a experiência, a concretude, os códigos essenciais dos jovens fazem parte muito mais do universo feminino do que do masculino. E, ao contrário das gerações mais jovens, as "quarentonas" também têm um maior dinamismo interior, não há uma desafeição total com relação à espiritualidade, à fé, à oração: mesmo na Itália, as ateias também afirmam que rezam. Mas estamos em uma sociedade com um machismo ainda forte e em uma Igreja que, no último período, não só é masculina, mas até mesmo "episcopal". Felizmente, graças ao Papa Francisco, algo está mudando.

Chiara Giaccardi – Diante de uma verdade cultural muito poderosa, ou seja, que no Evangelho a figura da mulher é fundamental, a Igreja dispõe de um patrimônio de valorização da figura feminina de extraordinária riqueza, com uma grande capacidade para combater todo dualismo. Homens e mulheres são duas faces de uma mesma humanidade, que é uma dualidade, e não um dualismo; uma riqueza que não deve ser desperdiçada; uma unidade que não deve ser separada.

A presença feminina pode e deve ser mais valorizada, e isso não em nome de uma suposta revolução, mas no de uma plena fidelidade às origens. Quanto à festa, eu gostaria de acrescentar algo a partir do significado etimológico original. A questão não é tanto o da extraordinariedade, da excepcionalidade, já que festa significa "comer juntos, banquete, acolhida ao lar doméstico". Portanto, tem mais a ver com a acolhida e a hospitalidade, o fazer festa juntos; é um "ponha mais um lugar à mesa", na mesa de todos os dias, ao invés de um "ir ao restaurante".

No fundo, há uma ideia da convivialidade como modelo de relação social diferente do consumismo. Onde o mais importante não é tanto o quanto e o que se come, mas sim o clima acolhedor que se consegue criar. São todas lógicas que, em certo sentido, tem a ver com a rede. Existem movimentos de antropólogos contemporâneos que falam do neoconvivialismo como modelo alternativo ao liberalismo, com um componente utópico próprio que retoma essa dimensão intrinsecamente relacional, comunal, não tanto como evento excepcional, extraordinário, mas como estilo de partilha gratuita, no sentido de não estar baseada em um interesse.

Então, é preciso reaprender a estar juntos, porque às vezes parece que não somos mais capazes disso. A festa, na realidade, é uma modalidade, uma postura existencial, mais do que o evento excepcional. Essa é outra das vertentes sobre as quais é preciso educar hoje.
Renato Rosso – Quem tem a minha idade – eu tenho 46 anos – se lembra da Comunidade de Taizé das origens e da intuição do Irmão Roger: "Cristo ressuscitado te convida a uma festa", isto é, uma festa interior. Isso também deveria nos fazer refletir: sobre como definimos a catequese do Batismo sobre o pecado original e não sobre a festa...

Armando Matteo – Devemos estar conscientes do caráter anestésico das nossas missas dominicais. Se alguém vive algo bonito, isso fica gravado nele! A nossa própria linguagem nos trai: inventamos uma abjeção teológica – o termo "animar a liturgia" –, mas "liturgia" já significa "animação"! O problema é agravado pelo fato de que, na Itália, temos um número de paróquias e de missas excessivo, em comparação com o clero presente e ao envelhecimento dos sacerdotes que têm 20 anos a mais, em média, do que os homens italianos.

O papa falou de uma Igreja "pesada". É também uma questão estrutural: missas demais, padres idosos, mal distribuídos no território nacional, ocupados em pensar em trabalhos burocráticos que não têm nada a ver com o trabalho pastoral, trabalhos que poderiam ser feitos pelos leigos, mas que não lhes deixam fazer!

Luciano Manicardi – A deserção feminina da Igreja também pode ter algo a ensinar. Dificilmente hoje podemos repetir o que Paulo dizia a Timóteo: "Lembro-me da tua fé sincera, a mesma da tua avó Lóide e da tua mãe Eunice, e que agora também está em ti" (2Tm 1,5). Mas talvez isso ajude a Igreja a redescobrir a sua dimensão de comunidade generativa, de ecclesia mater [Igreja mãe] e, portanto, a sua vocação de transmitir vida, de expressar uma promessa de vida para os jovens. Igreja capaz de maternidade significa Igreja capaz de humanidade, isto é, que entendeu bem que "o ser humano é o ponto de interseção da fé", como diz o cardeal Walter Kasper, e que educar para a fé implica cuidar do humano que está no ser humano e, especificamente, do jovem.

Essa dimensão generativa e educante da comunidade cristã, que exigiria a reavaliação da paternidade e da maternidade espiritual no acompanhamento de caminhos de fé dos jovens, envolve dar tempo, dar escuta, dar palavra, dar presença. Estar ao lado, mesmo na impotência, mas na consciência da própria não inutilidade.

(Continua...)

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sexta-feira, 12 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521872-jovens-o-futuro-da-igreja-em-fuga-parte-4
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Parte 5

Eis o debate.
O desafio para a Igreja e para o cristianismo em geral não é apenas burocrático-institucional e nem meramente intelectual. O padre Timothy Radcliffe escreve: "O cristianismo no Ocidente só poderá florescer se conseguirmos envolver a imaginação dos nossos contemporâneos". Parece-me que, por muitas décadas, o cristianismo no Ocidente deixou de construir o imaginário e de exaltar a imaginação dos seus próprios contemporâneos. O que vocês pensam?

Armando Matteo – É uma questão essencial. Para a Igreja italiana, significa deixar de pôr no centro a si mesma, os seus problemas, os seus financiamentos, as suas ligações, às vezes não totalmente claras, com a política. E recomeçar do nosso grande tesouro que é a Sagrada Escritura.

O que mais pode tocar o imaginário dos nossos contemporâneos do que Jesus de Nazaré? Um homem infinitamente apaixonado por Deus e infinitamente apaixonado pela vida, pelos homens e pelas mulheres que ele encontrou? No entanto, os dados à nossa disposição sobre o conhecimento da Bíblia são alarmantes! A nossa catequese não valoriza profundamente o discurso bíblico. Um crente comum entra em contato com a Bíblia, na média das paróquias italianas, pouco mais do que 10 minutos por semana, aos domingos! Mesmo no tecido dos dias úteis, eu ousaria mais: por que só a missa?

Todos os mosteiros que frequentamos têm familiaridade com a Sagrada Escritura e também por isso estão cheios de jovens. A Bíblia tem todos os códigos do mundo, é aberta e sempre investe o leitor. Há um ditado brasileiro que diz: "Se você quiser construir um navio, ensine os homens a se apaixonar pelo mar". Eu penso que hoje nós devemos ser capazes de nos apaixonarmos por uma Igreja da festa, por uma Igreja que fale de Jesus Cristo, com menos medo, que depois nos bloqueiam também ao fazer algumas reformas que são realmente essenciais.

Renato Rosso – Eu penso que a imaginação é muito importante e, como em todas as coisas, é preciso encontrar as mediações certas. É preciso insistir na formação bíblica. Mesmo nas nossas homilias é preciso dar mais importância à explicação das leituras e somente depois fazer emergir a mensagem ética e comportamental.

Chiara Giaccardi – Uma palavra fundamental é gostar. Nós desenvolvemos uma ideia intelectualista do saber que passa através do cérebro, enquanto sapio significa "ter sabor" em primeiro lugar. Para que as coisas permaneçam na mente – eu vejo isso com os meus estudantes – devemos sempre começar com o que eles sabem, com o que para eles tem sabor, e depois fazer a passagem para um nível diferente, mais conceitual, que naquele momento eles são capazes de assumir.

Nem sempre é fácil saber fazer com que eles gostem. Nós também somos postos em jogo, a nossa capacidade de saber gostar, de nossa parte. Não basta dizer: essa é a verdade e você tem que aceitar. Também não é suficiente simplesmente redistribuir aquilo que recebemos. Eu posso simplesmente "saciar" a minha família, ou tentar preparar algo que seja nutritivo, bonito de se ver e bom para comer. Isso requer atenção, imaginação, é cansativo, é cansativo, é comprometedor. Mas também é o que distingue o ser humano de todas as outras espécies vivas.

Nós não podemos nos contentar com a função. É preciso mudar de postura existencial, mesmo dentro da Igreja. Parece-me bonita a definição do jesuíta François Varillon, para o qual a Igreja é "o abraço de Deus ao mundo". E me parece que o Papa Francisco está fazendo com que sintamos esse abraço, em toda a sua força e também na sua ternura.

Luciano Manicardi – Eu penso que a faculdade humana da imaginação levanta desconfiança. Para Pascal, ela é "mestra de erros e de falsidades". Muitas vezes ela é denegrida como fantasia e fonte de evasão da realidade. Ela é negligenciada porque o modelo dominante é o do domínio racional, consciente, ordenado, do pensamento e da ação. Ela é desprezada por ser pouco científica, mas acima de tudo ela é temida por ser subversiva, sendo não controlável, não medível, não redutível aos parâmetros com os quais acontece a domesticação e a homologação do pensar, do saber e também do crer.

A imaginação é temida porque dá voz ao desejo. Pouco controlável, ela é olhada com suspeita também no espaço eclesial. A imaginação, que é a energia mental que permite a emergência do novo, que dá forma interior a um possível e que torna presente interiormente um ausente, ou, melhor, algo que ainda não existe, é dimensão essencial no exercício da liberdade e da criatividade. E é momento fundamental na personalização da fé por parte de um jovem.

Dar voz à imaginação equivale a dar permissão ao jovem de esperar fazendo emergir a sua subjetividade. Com efeito, aí se revela, por parte daqueles que na Igreja têm responsabilidade educativa com relação à fé, a má recepção da lição bíblica. A Bíblia imagina a verdade, bem mais do que a expressa em fórmulas abstratas: o Deus que cria é também o Deus que imagina, que diz o que ainda não existe. O poder das páginas de Isaías, de Ezequiel, de Jeremias se deve em grande parte àquela dimensão que o exegeta Walter Brueggemann chamou de "imaginação profética". Jesus anuncia o Reino de Deus com parábolas que unem narração e imaginação.

Mas aqui também se revela a desconfiança nas potencialidades interiores e na subjetividade juvenil, que encontra justamente na criatividade e na imaginação uma expressão decisiva. Para ficar fascinado pela fé, um jovem deve sentir que ela diz respeito a toda a sua humanidade, a todas as suas capacidades expressivas, ao seu corpo e à sua mente, à sua racionalidade e à sua emotividade.

(Continua...)

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sábado, 13 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521873-jovens-o-futuro-da-igreja-em-fuga-parte-5
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Última parte

Eis o debate.
Campus Fidei (Campo da Fé) - Guaratiba - RJ - Jornada Mundial da Juventude 2013

Para concluir, pedimos a vocês três conselhos para não se desperdiçar esta Jornada Mundial da Juventude (JMJ), para fazer com que uma ocasião desse tipo traga frutos depois e para além do evento em si mesmo.

Armando Matteo – A JMJ funciona não se ela se torna o estilo da pastoral juvenil, mas sim da Igreja inteira. Por trás da pastoral juvenil, de fato, há a necessidade de encontrar os jovens, e essa hoje é a necessidade da Igreja. Sem mudança geracional, quer gostemos ou não, o cristianismo ocidental está destinado a fechar. E a mudança geracional diz respeito às paróquias, às vocações, aos movimentos.

Outro elemento: modular melhor os cânones da liturgia. Nós não podemos ter esse monopólio da missa, que absorve todas as atividades de trabalho da paróquia.

E depois a experiência da festa, da acolhida. No fundo, o que falta à geração dos adultos é a capacidade de se acolher, de se querer bem e não simplesmente de permanecer aferrados a si mesmos e aos seus próprios privilégios. A festa é o lugar onde nasce a vida adulta. No fim, nós nascemos para o domingo, nós somos filhos desse Deus que repousa. A Igreja como um lugar de encontro, de reunião, também entre as gerações.

Renato Rosso – Diante de manifestações oceânicas, como a JMJ, eu tenho algumas perplexidades. Muitas vezes se corre o risco de focalizar somente isso e de se esquecer do depois, do antes ou da periferia. O melhor é observar e ouvir.

Esta edição no Brasil, com o papa sul-americano, em um país onde há anos está em curso um confronto entre as Igrejas neopentecostais e o catolicismo social, poderia ser diferente das outras. Como ocidentais, por uma vez, olhemos, escutemos o que acontece, as mensagens que essa cultura, essa Igreja, esse universo religioso nos apresentam e vejamos, depois, como importá-lo na cotidianidade da nossa vida. Mas sem enfatizar: de fato, é preciso se perguntar o que as outras JMJs realmente produziram no cotidiano. Em suma, como todas as coisas positivas, olhemo-las pelo que elas são.

Chiara Giaccardi – A primeira resposta é a dimensão da reciprocidade: é um evento pensado para os jovens, em que os bispos também estão presentes exclusivamente na veste de pastores e em que realmente se faz um esforço de sintonia recíproca. É um momento de graça, que dá sabor ao presente e lança as premissas de uma renovação para todos. Uma ocasião, portanto, potencialmente generativa.

O segundo elemento positivo é o da experiência, que, de um lado, é propriamente físico, porque se sai do próprio mundo e vai-se a um outro mundo que não se conhece, e esse deslocamento pode ser sempre o ponto de partida de um processo virtuoso. O elemento da imersão é importante porque dá o "gosto" do evento. Mas depois são importantes emersão e reflexão, sem as quais não pode ocorrer a apropriação da vivência, que sozinha nos transforma.

Eu acredito que deve ser valorizada a preparação à viagem, tentando conhecer alguma coisa desse país, da sua situação social, da sua língua, da sua comida, da sua cultura. E depois, no retorno, deve ser encorajado o momento da restituição com relação a quem não pôde participar. Solicitar os jovens a encontrar canais de narração que os ajudem a se reapropriarem de maneira mais madura daquilo que viveram e de algum modo a doar isso a outros.

O terceiro momento é o da excedência, que é o elemento da festa. A religião católica é vista como a religião dos "nãos", dos preceitos, da mortificação. Na verdade, é o contrário do que ela é! Então, em momentos como esses, que são momentos, em certo sentido, exagerados – faz-se um esforço econômico, não se dorme durante dias, fala-se com todos –, esse elemento da excedência deve ser vivido plena e conscientemente, porque é a figura da alegria da nossa religião. Bento XVI também fala sobre isso na Caritas in Veritate, o "a mais" não é apenas o devido, mas é essa ulterioridade que nos dá a esperança e a alegria.

Luciano Manicardi – Três conselhos que são um só: insistir na centralidade dos Evangelhos e de Jesus. Enfatizar que a humanidade de Jesus "ensina a viver" (Tt 2, 12) e educa a nossa humanidade. Portanto, ler os Evangelhos buscando qual humanidade move Jesus nos seus encontros com os outros, como Jesus fala, que vida interior ele revela... Enfim, mostrar a fé como caminho de sentido, isto é, capaz de dar sabor (dimensão estética), direção (dimensão ética) e significado (dimensão filosófico-teológica) à vida do jovem.

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Domingo, 14 de julho de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521874-jovens-o-futuro-da-igreja-em-fuga-ultima-parte

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