Carga horária maior não garante melhoria do ensino

OSNY TAVARES

MEC estuda expandir calendário letivo ou período diário de aulas, mas ainda não há consenso sobre a melhor forma

Duas propostas de aumento da carga horária nas escolas correm em raias separadas em Brasília. Uma delas, de 2007, vem do Senado e sugere aumentar a quantidade de aulas das atuais 800 horas para 960 anuais. Segundo o texto do projeto, o conteúdo transmitido aos alunos "tem sido insuficiente para dar base segura de conhecimentos".


A matéria, de autoria do então senador Wilson Matos (PSDB-PR), suplente de Alvaro Dias, foi aprovada em maio deste ano e agora tramita na Câmara. Internamente, o Ministério da Educação (MEC) também discute ampliações no tempo de aula.


No final do mês passado, o ministro Fernando Haddad informou que o órgão está debatendo três formas de aumentar o periodo dos alunos em sala: aumento de 200 para 220 dias letivos; ampliação da jornada diária de 4 para 5 horas; ou uma junção das duas formas, com a decisão final cabendo a cada rede de ensino.


O ministro, no entanto, não estipulou prazos para a implantação. Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define um mínimo de 4 horas diárias e 200 dias letivos por ano para o ensino básico.


A ação do MEC está embasada em um estudo feito pelo secretário de ações Estratégicas da Presidência da República, Ricardo Paes de Barros.


Reunindo pesquisas realizadas em outros países, o relatório "Caminhos para melhorar o aprendizado" mostra que a ampliação da jornada tem um impacto considerável sobre o rendimento dos alunos, principalmente entre os que têm mais dificuldade de compreender as lições.

Esforço
Ângelo Ricardo de Souza [foto ao lado], membro do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é favorável ao aumento da carga horária diária, mas é contra a ampliação do número de dias letivos.


"Uma formação integral não se faz com 4 horas diárias, contra 20 em que a criança está fora da sala de aula. Se o professor estiver um maior período em contato com os alunos, terá tempo de conhecê-los melhor e descobrir qual a melhor maneira de ensiná-los", aponta. "Expandir o ano letivo apenas aumenta o estresse dos professores", pondera.


O pesquisador destaca ainda as mudanças pelas quais a sociedade passou ao longo das últimas décadas e que precisam ser incorporadas à experiência escolar. "A escola tem o desafio de formar à altura do seu tempo. Hoje, o amplo acesso à informação exige que todos esses conhecimentos sejam também inseridos no programa curricular", relaciona.


A pedagoga Ermelina Tomacheski, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), entende que um aumento da carga horária deve estar associado a outras políticas educacionais.


"Toda a iniciativa para melhorar a Educação é positiva, mas é preciso pensar em um contexto maior. Em países com carga ampliada, o aluno passa a participar de projetos e atividades fora da sala de aula", exemplifica.


Para a professora, a frequência escolar também é vista como uma questão social. "A escola protege a criança de ficar na rua exposta a riscos, mas também é necessário o convívio com a família e o contato com outros espaços culturais", ressalta.

Tempo de aula 
O Brasil é o país com uma das menores cargas horárias escolares. Acompanhe como funciona o ano letivo em outros países:

Austrália
- Dias letivos ao ano: 200
- Jornada diária: 6h30
- O ciclo básico dura 12 anos. 

França
- Dias letivos ao ano: variável, entre 144 e 180 dias
- Jornada diária: 8 horas
- A semana letiva vai de segunda a sábado, com folga ou meio período nas quartas e sábados


China
- Dias letivos ao ano: variável, entre o começo de setembro até a metade de julho
- Jornada diária: 9h30
- Currículo com grande ênfase em línguas, ideologia e matemática. Há um computador para cada dois alunos


Irã
- Dias letivos ao ano: 200, em média
- Jornada diária: variável
- Meninos e meninas estudam separados, com professores do mesmo gênero. Ensino religioso é obrigatório


Japão
- Dias letivos ao ano: 11 meses, com dois recessos
- Jornada diária: de 5h30 a 7 horas, conforme a série
- Além das disciplinas acadêmicas, há aulas de Educação Moral, Saúde e Segurança; Disciplina; Cortesia e Boas Maneiras


Fonte: Infoplease, OCDE e Redação.


Expansão requer outros investimentos 
O Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Paraná (APP-Sindicato) mantém um pé atrás em relação às propostas de aumento de carga horária. Embora se posicione como favorável a medidas que possam melhorar a qualidade da Educação, teme que a expansão se torne uma política isolada, sem investimento em novas estratégias de ensino.


"Entendemos que precisamos de ensino integral, com revisão do currículo e diminuição do número de alunos por sala de aula", elenca Marlei Fernandes de Carvalho [foto ao lado], presidente da APP - Sindicato. "Além das disciplinas tradicionais, é necessário inserir programações culturais, esportivas e de lazer, que possam ampliar a experiência do aluno."


O sindicato ressalta que apoia a ampliação da carga horária apenas quando esses problemas, considerados mais urgentes, forem resolvidos. "Não aceitaremos mais uma vez um projeto de cima para baixo, sem um amplo debate com a classe profissional", ressalta Marlei.


O posicionamento é compartilhado pelo consultor educacional João Malheiro, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e articulista da Gazeta do Povo.


"A ampliação da jornada valeria a pena somente se a atual estrutura estivesse satisfatória. Mas hoje a maioria das aulas é uma enganação. Então, aumentando o tempo, vai aumentar a enganação", cutuca.


Ele também critica o estudo do assessor da Presidência Ricardo Paes de Barros, que serve como base para a discussão sobre o aumento da carga horária.


"É uma leitura enviesada. AEducação não pode ser estudada a partir de tabelas, pela ótica quantitativa dos economistas. Existem questões de ambiente escolar e aprendizado que não aparecem no levantamento", aponta.


Experiência
O Colégio Marista Paranaense [foto acima], em Curitiba, já adota uma carga horária maior para as turmas de ensino médio. As duas primeiras séries têm 33 horas de aula por semana e o terceirão tem 38 horas, ante as 20 horas exigidas por lei.


"Oferecemos aulas de aprofundamento, recuperação e reforço em conteúdos específicos", cita Mario José Pykocz, diretor educacional da instituição. "Hoje o aluno não estuda muito, então, o contraturno é uma forma de incentivo".


O diretor acredita que a multiplicidade de recursos, com uso de laboratórios e tecnologia, é essencial para manter o interesse dos estudantes. "Agora, discutimos para aumentar a carga horária também no ensino fundamental", antecipa.


Fonte: Gazeta do Povo (PR) - Ensino - 18/10/2011 - Internet: http://www.gazetadopovo.com.br/ensino/conteudo.phtml?tl=1&id=1181680&tit=Carga-horaria-maior-nao-garante-melhoria-do-ensino

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