«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Quando o arbítrio responde ao arbítrio

Flávia Piovesan*

Contornos da morte de Kadafi e também de Bin Laden revelam um grave retrocesso nos anseios da Justiça internacional

Desaparecido desde agosto, o ditador da Líbia por 42 anos, Muamar Kadafi [foto abaixo], foi morto durante fuga de Sirte, sua terra natal. Capturado vivo e posteriormente morto em circunstâncias desconhecidas, teve o corpo exibido ao mundo, em imagens estarrecedoras.
A morte de Kadafi lança dois desafios centrais: um se refere ao próprio destino da Líbia; e o outro, à consolidação do Estado de Direito internacional.


“Nem líbios sabem o que fazer da liberdade: democracia, teocracia islâmica ou nova ditadura?” Essa indagação - estampada em artigo deste jornal no dia 21 - expressa os dilemas da criação de uma institucionalidade democrática na Líbia após mais de quatro décadas de regime autoritário.


De acordo com o Freedom House, há aproximadamente 40 anos, mais da metade do mundo era governada por autocracias e milhões viviam sob a violência do totalitarismo. A maioria do mundo hoje vive em Estados democráticos. Em 2010, o número de democracias eletivas alcançou 115 países. Contudo, 47 ainda são considerados não livres (tendo liberdades básicas sistematicamente violadas) - o que abrange 35% da população global. Na Europa Ocidental, 96% dos países são considerados livres (com pluralismo político, respeito às liberdades civis e uma imprensa independente), enquanto no Norte da África apenas 6% o são.


O maior impasse da Primavera Árabe, que tem fomentado históricas transformações no Norte da África e no Oriente Médio desde janeiro, não se restringe à derrocada de regimes ditatoriais há sucessivas décadas hospedados no poder, mas corresponde à capacidade de fortalecer a democracia, o pluralismo, a participação política, os direitos humanos, a emancipação das mulheres, o Estado de Direito e a justiça social.


Com relação aos desafios da consolidação do Estado de Direito internacional, a provável execução sumária de Kadafi revela a brutalidade da força a simbolizar um grave retrocesso nos anseios da Justiça internacional. Ainda que, em sua maioria, líderes mundiais tenham reagido à morte do ditador como o fim de uma era de despotismo e repressão, paradoxalmente, a resposta ao arbítrio foi o sanguinário arbítrio, em violação aos parâmetros internacionais. Ao destoar da reação entusiasta de líderes que clamavam pela libertação da tirania, com serenidade, a presidente Dilma disse que “não se pode comemorar a morte de qualquer líder que seja”.


O imperativo de justiça e de combate à impunidade deve ser assegurado no marco do Estado de Direito internacional, com estrito respeito à legalidade.


Em 25 de fevereiro, ineditamente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, por unanimidade, recomendou a suspensão da Líbia, em face de graves e sistemáticas violações de direitos humanos. Em 26 de fevereiro, o Conselho de Segurança, também por unanimidade, decidiu submeter a situação da Líbia à promotoria do Tribunal Penal Internacional - que expediu uma ordem de prisão contra o então ditador Kadafi e seu filho por crimes contra a humanidade.


Cabe a esse tribunal processar e julgar os mais graves crimes internacionais, compreendendo o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os de guerra e os de agressão. Diversamente dos tribunais ad hoc que o antecederam, por vezes acusados de juízo de exceção, o Tribunal Penal Internacional é uma justiça preestabelecida, permanente e independente, guiada pelo primado da legalidade, das garantias processuais e do devido processo legal. Exerce sua jurisdição de forma subsidiária e complementar à jurisdição nacional. Só se impõe se as instituições nacionais se mostrarem incapazes, falhas ou omissas na realização da justiça.


Atualmente, 114 Estados reconhecem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Há a crescente expansão de seu repertório de casos, a envolver dramáticas violações de direitos em Uganda, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Sudão, Quênia, Costa do Marfim e Líbia.


O caso Kadafi - somado ao caso Bin Laden - apresenta uma especial carga simbólica: a vitória do direito da força em face da força do direito, com a perigosa derrota dos anseios civilizatórios da Justiça internacional.

FLÁVIA PIOVESAN [foto no alto] É PROFESSORA DOUTORA DE DIREITOS HUMANOS E DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA PUC-SP E PROFESSORA DE DIREITOS HUMANOS DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DA PUC-SP E DA PUC-PR.

Fonte: O Estado de S. Paulo - ALIÁS - Domingo, 23 de outubro de 2011 - Pg. J3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,quando-o-arbitrio-responde-ao-arbitrio,789396,0.htm

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