«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 2 de outubro de 2011

Uma redescoberta acessível do Brasil

Marcos Guterman

Os historiadores brasileiros parecem ter descoberto o Brasil. A leitura do primeiro volume de História do Brasil Nação (Editora Objetiva), coleção apresentada nesta semana, sugere que, enfim, o público leigo não dependerá mais apenas de "outsiders" da academia, como jornalistas, para ter acesso ao passado do País de modo didático e charmoso. A coleção é uma iniciativa da Fundação Mapfre, ligada à seguradora espanhola, e tem a pretensão de construir uma narrativa histórica da América Latina com um molde temático único para todos os países do continente, a partir do processo de independência de cada um deles. O objetivo é localizar a realidade latino-americana na História Contemporânea, que normalmente é contada tendo como eixo a Europa e os EUA.


Ao todo, serão cerca de cem volumes - o Brasil contribui com seis, elaborados por 28 historiadores e estudiosos, que se situam entre os maiores especialistas do País nos temas tratados. A coleção brasileira estará completa até o primeiro trimestre de 2013 [ver quadro acima]. "É a oportunidade que nós, historiadores brasileiros, há muito queríamos ter, isto é, profissionais de história escrevendo para o grande público, em escala nacional", diz José Murilo de Carvalho, coordenador do segundo volume (A Construção Nacional: 1830-1889). Os outros coordenadores são Alberto da Costa e Silva (Volume 1 - Crise Colonial e Independência: 1808-1830), já nas livrarias; Lilia Moritz Schwarcz (Volume 3 - A Abertura: 1889-1930), Angela de Castro Gomes (Volume 4 - Olhando para Dentro: 1930-1964), Daniel Aarão Reis (Volume 5 - A Busca da Democracia: 1964-2000) e Boris Kossoy (Volume 6 - A História do Brasil Através da Fotografia). A direção geral é de Lilia Schwarcz, que qualifica o grupo com o qual trabalhou de "verdadeiramente impressionante" (leia entrevista abaixo).


Sem abrir mão de rigor historiográfico básico, o trabalho, a julgar pelo primeiro volume, expressa genuíno esforço na produção de textos que possam ser lidos por quem não é iniciado no tema. E não é apenas uma história que emerge desse trabalho, mas várias: embora enquadrados num modelo temático, os pesquisadores envolvidos puderam expressar claramente suas afinidades pessoais com o objeto, e isso torna cada narrativa única, embora vinculada a uma estrutura tópica que se repete em todo o trabalho - os capítulos são sempre sobre:

  • População e Sociedade
  • A Vida Política
  • O Brasil no Mundo
  • O Processo Econômico
  • Cultura.

Alguns exemplos são eloquentes. Rubens Ricupero, um entusiasmado estudioso da independência diplomática brasileira, reserva atenção especial a José Bonifácio, que ele identifica como patriarca dessa forma de relacionamento do País com o mundo. Lilia Schwarcz, por sua vez, faz um capítulo sobre cultura naturalmente impregnado do clima de seu livro A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis (Companhia das Letras, 2002), no qual mostra, por meio da vinda da biblioteca de d. João VI para o Rio, as vicissitudes do transplante da sede da Coroa portuguesa, em 1808. Alberto da Costa e Silva [foto ao lado], africanista e membro da Academia Brasileira de Letras, enfatiza, ao falar da sociedade, seus notórios conhecimentos sobre a origem dos negros escravizados no Brasil. Ele lembra, não sem uma nota de ironia, que foram os negros e índios que ensinaram aos brancos europeus o hábito do banho diário, em meio ao ambiente fétido das principais cidades da colônia. É, aliás, o capítulo de leitura mais agradável da edição, malgrado seu pesadíssimo tema.


Em todos os casos, há uma notável preocupação em demonstrar que a historiografia consolidada sobre o processo de independência do Brasil tem problemas diversos - e mesmo obras de vocação "popular" deveriam se ocupar em discuti-los.


Ricupero, por exemplo, mostra que a abertura dos portos, em 1808, ao contrário do que se deduz habitualmente, não foi ditada pelos ingleses - que chegaram inclusive a reclamar da falta de privilégios. O ex-embaixador, ademais, nega que a subserviência dos senhores do Brasil recém-independente aos interesses ingleses fosse inevitável, como em geral se imagina, já que a Inglaterra era a potência hegemônica de então. Para Ricupero, a opção contrária era perfeitamente possível, uma vez que as imposições de Londres só se justificariam "se o Brasil continuasse a ser, como Portugal, um virtual protetorado da Inglaterra", o que já não era mais verdade. "A antiga colônia, ora independente, deixava de ser um apêndice do sistema europeu e passava a inserir-se no sistema internacional das Américas".


O cientista político Jorge Caldeira, por seu turno, introduz uma ideia nova no debate historiográfico ao defender que a economia do Brasil colonial não era "voltada para o exterior e simples fornecedora do comércio internacional", como escreveu Caio Prado Júnior em Formação do Brasil Contemporâneo (1942). Embora a maior parte das exportações das colônias de Portugal fosse proveniente do Brasil e o País consumisse o grosso dos produtos exportados por Portugal às colônias, o fato, diz Caldeira, é que a maior fatia da produção brasileira era consumida dentro do próprio Brasil - apenas 15% eram destinados à exportação. O mercado interno, que Caio Prado qualificou de "elemento subsidiário de expressão mínima e desprezível", é descrito por Caldeira como "amplo".


Já no capítulo sobre a vida política, a historiadora Lúcia Bastos Pereira Neves mostra que não se pode comprar pelo valor de face a descrição consagrada das alas políticas que disputavam poder em meio ao processo de independência. Assim, os "democratas" não eram propriamente partidários da ideia de participação política generalizada. Eles eram, na verdade, opositores da centralização do poder nas mãos de d. Pedro I, e sua preocupação era defender suas "pequenas pátrias", isto é, os interesses locais das diversas províncias, às quais deviam lealdade. Lúcia mostra ainda que a sensação cristalizada de que a independência do Brasil se deu sem derramamento de sangue não tem respaldo na realidade - houve guerra civil e resistência de várias províncias fiéis a Portugal. Ela também enfatiza a força da imprensa no debate político, já que os jornais viveram um período de liberdade peculiar. Como expressa o Nova Luz Brasileira, selecionado por Lúcia, a incipiente opinião pública é temida: "Desgraçado daquele que lhe faz oposição".


Desse modo, tomando-se por base o primeiro volume, a narrativa que a coleção pretende fixar busca superar a leitura linear da história, mostrando os solavancos e as contradições de um país em cujas cidades havia relativamente mais luxo do que nas equivalentes europeias, segundo o relato de um viajante citado por Lilia Schwarcz, e que ao mesmo tempo convivia dia e noite com mosquitos, fezes e escravos.




História do Brasil Nação: 1808-2010
Volume 1: Crise Colonial e Independência


Autor: Alberto da Costa e Silva (coordenador)
Editora: Fundación Mapfre/Objetiva
Páginas: 280
Preço: R$ 39,90


Fonte: O Estado de S. Paulo - SABÁTICO - Sábado, 1º de outubro de 2011 - Pg. S6 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,uma-redescoberta-acessivel-do-brasil,779941,0.htm
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A construção de uma nação


Marcos Guterman

Embora "feita para brasileiros", a coleção História do Brasil Nação se enquadra num projeto de aproximação com os vizinhos latino-americanos, para ter "uma mirada comparativa", como disse ao Sabático a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz [foto ao lado], diretora do projeto no País. Mas a particularidade brasileira foi enfatizada - a equipe daqui alterou até o título da coleção e introduziu a palavra "Nação", para marcar "a construção do projeto de nacionalidade". Para Lilia, não se pode mais fazer história do Brasil só como extensão da Europa, sobretudo agora, "diante das crises sucessivas nas ex-metrópoles".


O objetivo da coleção, em relação ao Brasil, parece ser também o de produzir uma história do País para consumo latino-americano. Por que essa necessidade?


O objetivo é, em primeiro lugar, produzir uma história do Brasil para os brasileiros. Afinal, a coleção sai primeiro em português e só a partir do ano que vem começa a ser traduzida para o espanhol. Além do mais, a despeito de nos enquadrarmos no modelo proposto pela Fundação Mapfre, alteramos o padrão gráfico e ainda mudamos o título da coleção. O nome História do Brasil Nação foi o resultado de um pedido da equipe brasileira que discordou do título original, História do Brasil Contemporâneo. A ideia é que esse longo processo leva à construção de um projeto de nacionalidade: um imaginário e uma sensibilidade. Mas você tem razão: um dos grandes objetivos do projeto é criar uma mirada comparativa. Trata-se não só de "mostrar a história do Brasil para países latino-americanos", como o contrário: oferecer história de países como México, Argentina, Chile e Venezuela para os nossos leitores. Impressiona como conhecemos mais acerca da França, da Inglaterra, dos EUA do que sobre a América Latina.


Por outro lado, o objetivo da coleção em relação à América Latina parece ser o de apresentar uma narrativa da inserção do continente na história contemporânea mundial. Chegou a hora de contar essa história do ponto de vista latino-americano?


Quer me parecer que sim. Há uma nova realidade global, e os países latino-americanos, em especial o Brasil, têm ganhado nova e inesperada visibilidade. Não parece mais evidente, como de fato o era, que nossa história possa ser descrita como uma extensão daquela outra, contadas pelos países centrais. Pensar em diferentes projetos de modernidade, vários modelos de nacionalidade e formas distintas de sociabilidade parece fazer parte de uma nova agenda, que nos inclui em nova posição estratégica. Modelos alternativos de fazer história e política têm se revelado importantes, sobretudo diante das crises sucessivas experimentadas pelas ex-metrópoles.


Qual é a grande dificuldade de escrever a história do Brasil com os olhos voltados para a América Latina? O historiador José Murilo de Carvalho, na conclusão do volume 2, escreve que, se o capítulo "O Brasil no Mundo" fosse dedicado às relações latino-americanas, como propõe a coleção, seria reduzido "a poucas páginas ou à irrelevância", já que o grande elo brasileiro era com os ingleses.


Concordo com o professor José Murilo e essa foi uma orientação geral para a coleção brasileira. O capítulo sobre relações internacionais não se limita às relações com os países latino-americanos. Se impuséssemos tal orientação, os volumes seriam de fato reduzidos e pouco abrangentes. Afinal, nossas relações internacionais se deram, durante largo tempo, sobretudo com Portugal, Espanha, França e, depois, EUA. Mas a ideia é que a coleção tenha um papel "produtivo" no sentido de animar o diálogo e criar novas formas de pensar e comparar as diferentes experiências latino-americanas.


Como diretora-geral da coleção, a senhora conseguiria resumir um traço característico brasileiro em relação à América Latina?


Sim, há traços que se repetem: a confusa relação entre esferas privadas e públicas; a dificuldade de lidar e assumir as relações violentas que se estabelecem no País; um projeto de modernidade particular e em muitos sentidos frágil, e a busca constante por uma identidade. Claro que há pontos comuns, mas, nossa colonização portuguesa, o fato de sermos o último país a abolir a escravidão no Ocidente, a experiência monárquica longa, popular e enraizada falam de processos particulares, a despeito de estarem em constante diálogo com as realidades dos países vizinhos.


Fonte: O Estado de S. Paulo - SABÁTICO - Sábado, 1º de outubro de 2011 - Pg. S6 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-construcao-de-uma-nacao,779942,0.htm

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