A dupla face de Bento XVI
Massimo Teodori
Il Sole 24 Ore (Itália)
09.10.2011
Com Crisi di un papato, Marco Politi [foto ao lado], estudioso do mundo católico e experiente vaticanista (são iluminadores os seus livros sobre o Papa Wojtyla), relata com maestria o caráter tradicionalista do pontificado de Bento XVI há seis anos desde o conclave no qual ele havia de se tornar papa.
Fundamentado sobre uma grande quantidade de documentos de diversas origens, o livro ilumina as etapas do declive regressivo sobre o qual o teólogo Ratzinger deslizou, não tendo conseguido se tornar um homem de governo da Igreja. Com o catastrófico discurso de Regensburg, ele comprometeu as relações com o Islã, às quais João Paulo II havia se dedicado por 20 anos; ignorando o Holocausto em Auschwitz e defendendo que o nazismo havia sido um corpo estranho na Alemanha, se afastou da simpatia do mundo judaico; diminuindo o uso dos preservativos na África devastada pela Aids, despertou reações indignadas no mundo; simpatizando com o radicalismo religioso, readmitiu na Igreja quatro bispos lefebvrianos, incluindo um conhecido negacionista; e, mesmo condenando a pedofilia, diminuiu a gravidade do caso com a afirmação de que o fenômeno está presente em todos os ambientes.
Concentrado nos estudos teológicos e relutante a ouvir os sinais externos, o Papa Ratzinger acentuou assim um estilo de governo solitário que rejeitou a interpretação do Vaticano II como ruptura entre a Igreja pré-conciliar e pós-conciliar, e não conseguiu nem domar os conflitos internos da Cúria. Como espinha dorsal e missão principal da Igreja, o pontífice indicou com obstinação a necessidade de condenar o "secularismo agressivo", dominante hoje na Europa, e incitou a combater o relativismo que representaria o grande mal do século, junto com os perigos do indiferentismo, do libertinismo e do individualismo.
Portanto, se essa é a bússola teológica ratzingeriana, não menos nostálgico é o horizonte que dele deriva no magistério civil: "Nenhum fiel pode apelar ao princípio do pluralismo e da autonomia dos leigos na política, favorecendo soluções que comprometem e que atenuem a salvaguarda das exigências éticas fundamentais". Singular cânone integralista segundo o qual, no século XXI, o apelo ético deve necessariamente coincidir com a interpretação eclesiástico-doutrinária da religião católica.
Não é de admirar, então, que, nos anos de Bento XVI, com a mediação na Itália da Conferência Episcopal e, na Europa, do Conselho Pontifício para a Nova Evangelização, confiado ao bispo Rino Fisichella, ex-"capelão" da Câmara [italiana], tenha se manifestado o fechamento mais rígido perante algumas questões em discussão também na Igreja: o biotestamento, a homossexualidade, o divórcio, a pílula, os casais de fato e a fecundação assistida.
Marco Politi tem o mérito, fora dos labirintos iniciáticos e das gírias, de lançar luz sobre o encastelamento de Bento XVI que, a seu ver, levou à crise do papado, de forma divergente da herança deixada à Igreja e ao mundo pelo seu antecessor.
Luzes e sombras
O livro do correspondente Marco Politi se intitula Joseph Ratzinger. Crisi di un papato (Ed. Laterza, 344 páginas) e tenta investigar, com o espírito do cronista de assuntos vaticanos, as orientações e as discussões abertas pelo papado de Bento XVI.
Depois de seis anos de pontificado, o Papa Bento XVI ainda é um pontífice que divide, cujos atos obviamente provocam discussão, desde os incidentes como a citação sobre Maomé, às frases sobre a Aids que levantaram reações de protesto em todo o planeta, até as ardentes questões como o declínio dos sacerdotes e o papel da mulher.
Mas Politi também traça o perfil do homem Ratzinger: sensível, tímido, caloroso e muito bem-humorado em privado. Um homem que acredita em um cristianismo "religião do amor".
Tradução de Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 12/10/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48275
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''Perplexidade e confusão diante de certas decisões do papa''
O desabafo de um bispo
Andrea Tornielli
Vatican Insider
07.10.2011
Algumas decisões do Papa Bento XVI, como a liberalização da missa antiga e a revogação da excomunhão aos bispos lefebvrianos geram "perplexidades e confusões". A afirmação é do bispo de Mazara del Vallo, Domenico Mogavero (foto ao lado), ex-subsecretário da Conferência Episcopal Italiana, em um livro-entrevista que traz o prefácio do cardeal Dionigi Tettamanzi [ex-arcebispo de Milão - Itália] e que chega às livrarias nos próximos dias.
O livro, intitulado La Chiesa che non tace [trad. livre: A Igreja que não se cala], é o diálogo que o bispo escreveu com o vaticanista do La Stampa, Giacomo Galeazzi ([foto abaixo] Ed. BUR, 208 páginas). "Eu não me escondo – disse Mogavero – que, nestes anos, também tenham ocorrido situações de constrangimento em decorrência de pronunciamentos do papa, que se devem, a meu ver, a algumas distrações da equipe, que não soube acompanhar com a devida atenção certas passagens muito comprometedoras dos seus ensinamentos".
Uma delas, para o bispo de Mazara, é o motu proprio Summorum Pontificum. "Eu percebi algumas escolhas papais – afirma – como uma marcha a ré pouco compreensível com relação às indicações amadurecidas nos anos anteriores como fruto do Concílio Vaticano II. Observo que, nos últimos tempos, se registraram com maior insistência e petulância dentro da Igreja orientações neotradicionalistas que tentam esvaziar o sentido de alguns pontos-chave da reforma litúrgica. A retomada do Missal em latim de São Pio V não é um resultado coerente com o caminho feito, seja porque ele apareceu como uma concessão injustificada aos contestadores da reforma conciliar, seja porque corre o risco de criar tensões e divisões dentro da Igreja, das quais não há nenhuma necessidade".
O bispo também cita um segundo "momento de perplexidade", quando "Bento XVI tentou conter o cisma dos lefebvrianos". O Papa Ratzinger "tentou de todos os modos curar essa ferida à comunhão que, seguramente, pesava muito sobre ele. Por isso, ele considerou o fato de derrogar a disciplina eclesiástica que impõe o arrependimento e o abandono da conduta contrária à normativa canônica, previamente à absolvição da pena".
"Na tentativa de vencer as resistências que se opunham à reconciliação – afirma Mogavero no livro-entrevista –, Bento XVI, com um gesto de boa vontade, no dia 24 de janeiro de 2009, levantou a excomunhão dos seguidores de Lefebvre, que morreu em 1991. Olhando para os fatos do ponto de vista canônico e convencido do valor pedagógico do direito penal canônico, eu considerei excessiva a condescendência do papa. O epílogo da história, que não levou de fato ao arrependimento e à reconciliação dos seguidores de Lefebvre, acabou anulando o gesto de boa vontade do papa e confirmando, infelizmente, as minhas dúvidas".
O bispo de Mazara explica que "não está em discussão", de sua parte, a aceitação das decisões papais, mas acrescenta: "Eu gostaria que se pudesse ter um debate mais direto e mais franco com o papa, considerando-se que, enquanto bispos, somos todos sucessores dos apóstolos e que, com ele, levamos juntos a solicitude para com todas as Igrejas".
Tradução de Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 12/10/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48268
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