«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

QUEM CRITICA A TEORIA DE MARX, CONHECE-A DE VERDADE?

Quatro mitos sobre a crítica de Marx ao Capitalismo (ou “o que a crítica marxiana ao capitalismo não é”)

Paulo Pachá
Capitalismo em desencanto
18-05-2015

Em 2011, na esteira de um renovado interesse por Marx e por sua crítica ao capitalismo, Terry Eagleton publicou um livro intitulado “Marx Estava Certo” [edição em português: Nova Fronteira, 2012]. Cada um dos dez capítulos do livro apresenta uma crítica usual ao marxismo (na maior parte das vezes oriunda do senso-comum) e a resposta de Eagleton. O livro é uma leitura interessante para qualquer leitor interessado, mas as dez críticas selecionadas respondiam a critérios diversos, como o contexto britânico e a subjetividade do autor.

O livro de Eagleton pretendia desenvolver subsídios para o evidente retorno da crítica marxiana ao palco do debate político mundial. Desde a crise de 2008 a percepção do público em geral havia se transformado: subitamente, o capitalismo deixou de ser encarado como um sistema natural e as alternativas – ou ao menos a busca por elas – ressurgiram. A obra marxiana (re)apareceu então como um manancial importante onde poderíamos encontrar algumas respostas – ou pelo menos perguntas mais adequadas.

No Brasil, uma efetiva polarização social vem se expressando nos últimos anos através de uma polarização do debate eleitoral. Termos como comunista, socialista, vagabundo e Cuba voltaram definitivamente à cena. Se Terry Eagleton passasse uma temporada em terras tupiniquins, talvez sentisse a necessidade de escrever um complemento ao seu livro, adaptado ao contexto nacional. O que se segue abaixo é uma colaboração nesse sentido, tentando responder brevemente a alguns mitos, enganos, ignorâncias e falsificações acerca do sentido da obra marxiana.

1. Não é franciscanismo.

«É comunista, mas tem Iphone!»

A crítica marxiana ao capitalismo não é uma crítica ao modo de distribuição da riqueza, mas ao seu modo de produção. Enquanto a forma de produção das riquezas estiver organizada pela separação entre os proprietários dos meios de produção (os capitalistas) e os proprietários de sua própria força de trabalho (os trabalhadores) é impossível garantir uma redistribuição da riqueza de forma duradoura. A caridade individual pode garantir um lugar no paraíso para o bom cristão, mas não altera em nada uma questão social. Ao contrário, a transformação da forma de produção da riqueza implica transformação da sua forma de distribuição.

Outra dimensão da crítica marxiana é o reconhecimento dos imensos poderes produtivos criados pelo capitalismo: o marxismo também não é um primitivismo – uma ideia inocente de retorno a um estado natural. Ao contrário, é esse imenso poder produtivo da humanidade que aparece como pré-condição para a superação do capitalismo. Em outras palavras: o Iphone não é o problema, mas sim que ele represente uma tecnologia vedada à maior parte da população mundial. Os comunistas não querem um mundo sem smartphones, mas um em que esse tipo de tecnologia não seja acessível apenas para uma minoria.

2. Não é um passo-a-passo para o comunismo.

«O ser humano é egoísta por natureza!»

Quem lê O Capital [obra mais famosa de Karl Marx] em busca de um passo-a-passo para uma sociedade comunista, se decepciona. O subtítulo do livro, muitas vezes ignorado, é “Crítica da Economia Política”. O próprio Marx define o comunismo da seguinte maneira:

“O comunismo não é para nós um estado que deva ser criado, nem um ideal pelo qual a realidade se deve reger. Chamamos de comunismo o movimento efetivo que abole o estado atual. As condições desse movimento resultam das pressuposições atualmente existentes.”

Ou seja, comunismo é meramente a superação do modo de produção capitalista. A própria ideia de que o comunismo pudesse ser estabelecido através um “plano” definido nos mínimos detalhes por uma pessoa é expressão de um idealismo combatido pela própria crítica marxiana. Essa ideia normatizadora (“o comunismo tem que ser desse ou daquele jeito”) estaria diretamente relacionada à outra – uma normatização de como as pessoas deveriam ser para uma sociedade comunista “funcionar” (desinteressados, sem individualidade etc). Essas ideias são traduzidas pela clássica imagem de uma sociedade onde todos comem a mesma comida (ruim!), vestem a mesma roupa (cinza!) e desempenham trabalhos manuais (repetitivos!).

Em Marx, ao contrário, o que encontramos é uma radical percepção da dimensão plástica do humano – isto é, que não existe uma natureza humana imutável – e do respeito à individualidade – que não se confunde com individualismo. Essa percepção impossibilita qualquer previsão (ou normatização) sobre como as pessoas seriam em uma sociedade diferente e ainda inexistente. O ponto fundamental é afirmar as possibilidades concretas e imediatas de transformação da sociedade – mesmo naquilo que parece mais natural –, não a determinação a priori [antecipada] do resultado dessa transformação.

KARL MARX:
(1818 - Tréveris/Alemanha a 1883 - Londres/Reino Unido)
Economista, filósofo, historiador e teórico político
3. Não é um totalitarismo.

«O comunismo matou um trilhão de pessoas!»

Uma abordagem comum nos últimos anos vem sendo a posição anti-intelectual que vincula a crítica marxiana com os horrores do stalinismo e/ou do totalitarismo em geral. Essa vinculação seria responsável por uma mácula primordial, onde marxismo redundaria automaticamente em totalitarismo. Os críticos menos ignorantes (mas ainda assim bastante ignorantes) pensam ter encontrado no conceito de “ditadura do proletariado” justamente o termo que expressa essa vinculação necessária.

Mas o conceito de “ditadura do proletariado” não tem nenhuma relação com as ditaduras do século XX – regimes antidemocráticos, reacionários, militarizados e assassinos. No século XIX, conforme demonstrou o historiador Hal Draper, o conceito de ditadura tinha um sentido muito mais próximo de sua origem, na Roma antiga (dictatura): “Essa instituição constituía um exercício de poder emergencial por um cidadão confiável com propósitos e duração limitada, no máximo seis meses. Seu objetivo era preservar o status quo republicano”.

Em Marx a palavra se recobre de um novo sentido – a ditadura de uma classe, não mais para a preservação do status quo, mas para a sua transformação. Quando se fala em “ditadura do proletariado” (e, vale lembrar proletariado quer dizer assalariado) a imagem que devemos conjurar não são campos de concentração para a classe média ou pelotão de fuzilamento para os ricos, mas um período de transição no qual a condução política da sociedade é fruto da deliberação direta dos trabalhadores. Ecoando Marx, Friedrich Engels definiu assim a ditadura do proletariado:

Então está bem, senhores. Vocês querem saber como essa ditadura é? Olhem para a Comuna de Paris. Isso era a ditadura do proletariado.”

4. Não é datada.

«O capitalismo já não é mais como no tempo do Marx!»

Essa perspectiva supõe um reconhecimento do caráter científico da crítica marxiana, mas apenas para retirar seu caráter político. O argumento estabelece então que a crítica marxiana é correta, mas se aplicaria apenas ao capitalismo do século XIX. O capitalismo do século XX, ao contrário, seria radicalmente diferente – seja pela suposta redução do número de trabalhadores que desempenham tarefas manuais, pela expansão do ramo de serviços ou simplesmente pelo avanço tecnológico.

O que essa posição ignora é que a crítica marxiana é uma crítica aos elementos fundamentais do Capitalismo – como trabalho assalariado, a dinâmica do capital e o dinheiro como mediação social. E justamente por ser uma crítica desses elementos, inclui cada uma das “novidades” que são citadas para declarar sua irrelevância. Enquanto a produção social estiver organizada de maneira capitalista, a crítica marxiana terá validade e relevância.

O melhor antídoto contra falsificações e mistificações da crítica marxiana ao capitalismo é a leitura direta da obra do próprio Marx. Felizmente, atualmente dispomos de boas edições e excelentes materiais de acompanhamento para essa tarefa, além de cursos frequentes nas principais universidades.

Marx não tem todas as respostas – ainda que coloque muitas questões. Sua obra não fornece caminhos fechados ou dogmas, mas um método e uma crítica. A obra marxiana é, sobretudo, uma plataforma de pensamento – ombros de um gigante sobre o qual podemos nos apoiar para vermos muito além do nosso horizonte imediato.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 21 de maio de 2015 – Internet: clique aqui.

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