''A Igreja deve aceitar se despojar para renascer.''
Entrevista
com Timothy Radcliffe
Céline
Hoyeau
La Croix
(Paris)
07-06-2014
Para o
padre dominicano inglês Timothy Radcliffe, ex-mestre-geral da Ordem dos
Pregadores, os cristãos, diante da escassez de vocações e de meios, devem se
situar na crista desconfortável da fé em um Deus criador e da sua própria
responsabilidade pelos fiéis.
Timothy Radcliffe - sacerdote e teólogo dominicano |
Eis a
entrevista.
Que
atitude espiritual é preciso adotar diante de uma Igreja que parece condenada
ao declínio e à escassez de padres e de meios?
Timothy Radcliffe: A
história da Igreja da França está marcada por turbulências periódicas. O que
aconteceu durante a Revolução (Francesa) foi muito mais dramático do que o que
vivemos hoje: milhares de padres e de religiosos foram mortos. Depois, houve um
renascimento totalmente inesperado. Ela passou de novo, há cerca de um século,
de outro período terrível, com a expulsão dos religiosos do território. A vida
da Igreja é marcada pela travessia de crises dramáticas. Isso não deve nos
causar medo. Elas levam a uma vida nova. A crise atual é menor! O Espírito
Santo vai trazer um renascimento, se o permitirmos.
Entre
abandono à Providência e decisões realistas, como se situar diante do futuro da
Igreja?
Timothy Radcliffe: Inquietar-nos
pelo amanhã pode nos paralisar. Devemos refletir sobre o que podemos fazer
hoje, levando em conta o que vai acontecer amanhã. Não devemos permanecer
parados diante daquilo que vem ao nosso encontro, mas assegurar que manteremos
a iniciativa. Como mestre da Ordem [dominicana], eu dizia às províncias em declínio: "Não
se pergunte o que vocês precisam deixar de fazer, mas o que vocês têm vontade
de fazer". Então, o poder criador do Espírito Santo nos renovará. Seria
extremamente irrealista não levar em conta a criatividade muito real de Deus.
Podemos
nos basear na frase que se ouve frequentemente: "Deus proverá"?
Timothy Radcliffe: Deus
proverá, sim, mas geralmente através de nós. Se eu rezo por uma intenção, pode
apostar que eu mesmo devo ser a resposta à minha oração. Rezar e permanecer
passivo, remetendo tudo a Deus, às vezes pode ser fruto de uma fé muito
infantil, que nos priva da nossa responsabilidade.
Alguns
bispos fecham seminários, fundem paróquias. Outros, ao contrário, acreditam que
isso seja um "pecado contra a esperança". O que o senhor pensa?
Timothy Radcliffe: Eu não
tenho nenhuma ideia. Nunca fui pároco, muito menos bispo. É claro que as
decisões devem ser tomadas depois de ouvir o povo de Deus, mas eu não tenho uma
opinião sobre se é melhor fechar as paróquias ou deixá-las abertas. Também pode
ser que o próprio sistema das paróquias esteja ligado ao passado rural da Igreja,
e que tenhamos de imaginar outras maneiras de estar em comunhão uns com os outros.
O que
podemos imaginar, justamente, para amanhã, para fazer de "outra
forma", de forma "diferente"?
Timothy Radcliffe: A
tendência da Igreja, durante os séculos passados, consistiu em se defender
contra a modernidade. Muitas vezes, manifestamos medo em relação a tudo o que
era novo. A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja começou a renunciar a essa
atitude temerosa. Abandonamos essa atitude defensiva para nos engajar no caos
do mundo real. É o convite do Papa Francisco. Os padres devem sair da
sacristia, e, como uma comunidade, temos que acompanhar as pessoas nas suas
lutas. Temos que nos confrontar com experiências sem ter medo de errar. Ao
menos, se cometermos erros, vamos tirar lições disso!
O que
devemos abandonar das nossas instalações, das nossas atitudes?
Timothy Radcliffe: Por
causa da sua atitude defensiva, a Igreja muitas vezes foi muito centralizadora,
e o Vaticano dominou a vida da Igreja, tentando controlar mais do que o
necessário. O cardeal Basil Hume [1923-1999, beneditino e ex-arcebispo de
Westminster] sempre disse que a Cúria deve estar a serviço do governo da
Igreja, assegurado pelo papa e pelos bispos, e não os bispos a serviço do
governo da Igreja administrado pelo papa e pela Cúria. O Papa Francisco espera
desfazer essas estruturas de controle excessivo, que podem impedir os impulsos
livres do Espírito. Precisamos das instituições, é claro. Nenhuma comunidade
pode existir sem instituições, nem mesmo um time de futebol. Mas o seu papel é
o de responsabilizar os cristãos, e não de coagir.
Como se
reorganizar? Essa situação leva a reformular as relações entre responsabilidade
e sacerdócio?
Timothy Radcliffe: Toda a
sociedade saudável, assim como toda instituição, dá a palavra aos diversos
membros da comunidade. Acima de tudo, precisamos encontrar a maneira de dar uma
voz forte para as mulheres na vida e na tomada de decisões da igreja. Assim, eu
acho que chegou o tempo de uma criatividade institucional, que possa nos ajudar
a falar e a escutar uns aos outros. A nova organização do Sínodo dos Bispos, da
forma como deve ser inaugurada em outubro, sobre o tema da família, deve
contribuir para isso. O próprio Papa Francisco disse que é preciso repensar a
forma de exercer o poder na Igreja, que esse poder não deve estar tão
intimamente ligado à ordenação. Ele não quer clericalizar as mulheres, mas
desclericalizar a Igreja. Nós nos queixamos da falta de vocações porque
pensamos de forma muito restritiva em termos de vocações ao sacerdócio e à vida
religiosa. São vocações magníficas, mas cada um tem uma vocação, um chamado a
viver plenamente unido a Cristo e ao seu povo.
Em que
sentido essa crise pode ser uma oportunidade para a Igreja?
Timothy Radcliffe: Ao se
aproximar da sua morte e da sua ressurreição, Jesus se despojou de muitas
coisas. Não fez mais nenhum milagre, não estava mais no centro da multidão, uma
figura cercada por apoiadores e admiradores. Ele se privou dos seus discípulos
que o renegaram e fugiram. Finalmente, ele se despojou das suas vestes e subiu
nu na cruz. Tudo isso abriu o caminho para o dom inimaginável da Ressurreição.
Assim é com a Igreja. Nós nos despojamos da nossa reputação, da nossa
autoridade, da nossa posição na sociedade, dos nossos membros. Mas devemos
ousar acreditar que isso vai nos preparar para um novo nascimento por caminhos
que não podemos antecipar. É uma época apaixonante para a Igreja hoje.
Trata-se de uma crise, evidentemente, mas não esqueçamos que houve a Última
Ceia, que é o sacramento da nossa esperança.
Traduzido
do francês por Moisés Sbardelotto.
Acesse a entrevista na língua original (francês), clicando aqui.
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