ONDE ESTÁ O "NÓ" DA VIOLÊNCIA NO BRASIL?
SOB VELHA DIREÇÃO
Fernando Luís Schüler
Acredite, a violência no País diminuiu - o grande nó é o sistema prisional
Cadeia. 70% dos que deixam nosso sistema penitenciário voltam ao crime |
A violência é um
fenômeno em declínio mundo afora. Steven Pinker nos oferece, em seu monumental
estudo Os Anjos Bons de nossa Natureza, uma avalanche de dados demonstrando
esse fato. No entanto, quando ligamos a TV somos bombardeados com imagens que
vão do linchamento de uma mulher no Guarujá à barbárie do Isis no norte do
Iraque. Quando compramos uma revista nacional, bem editada, com a capa “Brasil,
recorde de homicídios”, parece não haver dúvida de que vivemos uma época de
explosão de violência.
Não é verdade. Nos EUA,
por exemplo, a taxa de homicídios caiu 42% desde o início dos anos 1990. No
Canadá, a queda foi de 35%. Trata-se de uma tendência global. No Brasil, década
a década registra-se uma redução no ritmo de expansão da taxa de homicídios.
Ela dobrou nos anos 1980. Na década de 1990, o crescimento foi de 20%, caindo
para pouco mais de 2% na primeira década do século.
Isso não nos absolve dos
nossos pecados. Ostentamos o nada honroso título de campeões mundiais de
homicídios, em números absolutos. Nossa média é de 29 assassinatos para 100 mil
habitantes. Há uma Belíndia escondida nesses números. O Brasil do Rio Grande do
Sul, São Paulo e Santa Catarina apresenta taxas abaixo de 20 homicídios por 100
mil habitantes, para mais de 60 no Brasil de Alagoas.
Em parte, isso ocorre
porque somos uma sociedade tolerante com a violência. Desde Hélio Oiticica, nos
anos 1960, com seu poema Seja Marginal, Seja Herói, ode a Cara de Cavalo,
bandido e seu amigo, até Caetano Veloso, vestido de black bloc, nossa cultura
tem caído no logro de encontrar algum charme na violência. Se ela for praticada
sob o manto de algum discurso ideológico, então, o sujeito se arrisca a virar
líder de opinião, articulista de jornal ou capa de revista. Black Blocs, no Brasil,
têm direito a reunião com ministro de Estado.
Há duas variáveis que
podem ajudar a compreender a aceleração e, logo, a redução no ritmo de
crescimento da violência no País. Uma delas é a expansão da população urbana.
Em 1970, 56% dos brasileiros viviam nas cidades. Em 1990, esse número saltou
para 75%. Vinte anos depois, o senso de 2010 registrou que 84% dos brasileiros
vivem no espaço urbano. O ritmo de crescimento da violência acompanhou, de modo
geral, a expansão da vida urbana no País - uma vida urbana precária, feita de
favelização e exclusão étnica, social e territorial.
A outra variável é
demográfica. Os crimes violentos têm maior incidência entre a população jovem,
masculina, de menor renda, residente nas periferias urbanas. O ritmo de
crescimento dessa população, entre os anos 1960 e 1980, foi assombroso. Em
meados dos 1960, a taxa de fecundidade média no Brasil era de seis filhos por
mulher. Hoje, é de 1,9. Novamente, temos dois Brasis: um nos anos 1960/80,
outro nos anos 1990/2000. Há muitas razões para a mudança: a ação dos programas
de saúde da família, a disseminação do planejamento familiar, a mudança do
papel da mulher na sociedade, o aumento dos níveis de informação, as taxas de
escolarização.
Se queremos apostar em
políticas públicas que reduzam a violência, ofereço uma sugestão: fazer uma
reforma estrutural em nosso sistema prisional. Pessoas são privadas de
liberdade como punição e para que se reeduquem e voltem a viver pacificamente
em sociedade. O Estado tem sido sistematicamente incapaz de atender à segunda
tarefa. Em 2012, o CNJ divulgou estudo mostrando que 54% dos adolescentes que
cumprem medidas de internação reincidem em atos infracionais. No sistema
prisional adulto, calcula-se que o porcentual vá a 70%, na média nacional.
Nosso primeiro desafio é
reconhecer essa situação e romper com alguns preconceitos. Nos anos 1990,
nossos políticos descobriram que o Estado era incapaz de administrar, de modo
eficiente, empresas como a Vale do Rio Doce, Embraer ou a CSN. Depois,
descobrimos que os hospitais públicos administrados em parceria com o setor
privado, como no modelo das Organizações Sociais, em São Paulo, ou na Rede Sara
Kubitschek, apresentavam resultados muito superiores às instituições
gerenciadas segundo o modelo estatal. Recentemente, descobrimos que também os
aeroportos eram mal administrados pelo governo e iniciamos um processo -
tardio, é verdade - de concessão de terminais aeroportuários.
Não obstante,
continuamos a acreditar que o governo possa ser um bom gestor de unidades
prisionais. E o fazemos contra todas as evidências disponíveis. Estudo
publicado pelos professores Sandro Cabral e Sérgio Lazzarini, a partir da
experiência dos presídios terceirizados no Paraná, no início dos anos 2000,
demonstrou a superioridade do modelo de gestão público-privada não apenas no
tocante à racionalidade de custos, mas também aos aspectos de segurança, saúde
e ressocialização dos apenados. A variável determinante para a qualidade dos
serviços prisionais não é o volume de recursos aportado no sistema, mas o
modelo de gestão, o sistema de incentivos, a accountability da gestão por parte
dos operadores do sistema. O Brasil tem todos os instrumentos jurídicos, a
começar pela legislação das PPPs, e todas as condições de mercado para avançar
nessa direção. Por que não o faz? Será o despreparo de nossa liderança pública?
A força e o medo das corporações do setor público? A prevalência de uma cultura
política que confunde o público com o estatal? Tudo isso junto?
No terreno da justiça
juvenil, a situação ainda é pior. Em boa parte do País ainda vigora, na
prática, o antigo modelo das Febens. Políticos sugerem a redução da maioridade
penal como solução para a violência entre os jovens. Ideia curiosa. Imaginamos
que distribuir adolescentes infratores de 16 ou 17 anos pelos nossos presídios,
Brasil afora, seria uma boa solução. Dou um pequeno testemunho na direção
inversa. Em 2008, participei da implantação de um programa que oferecia meio
salário-mínimo, durante um ano, e um programa intensivo de treinamento
profissional, para jovens egressos das unidades da Fase (o sucedâneo da Febem),
no Rio Grande do Sul. O Tribunal de Contas do Estado publicou estudo mostrando
que a reincidência em delitos dos jovens participantes do Programa, em 2012,
foi de 9,5%, para 45% de reincidência dos internos não participantes. O caminho
parece claro. Bandido bom, no fundo, não é o bandido morto, mas o que consegue
mudar de vida. E nem é tão difícil assim ajudar para que isso aconteça.
* Fernando Luís Schüler é curador do projeto Fronteiras do Pensamento.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 29 de junho
de 2014 – Pg. D8 – Internet: clique aqui.
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