Domingo de Pentecostes – Ano A – HOMILIA
Evangelho: João
20,19-23
19 Ao
anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos
judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e,
pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
20 Depois
dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se
alegraram por verem o Senhor.
21 Novamente,
Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos
envio”. 22 E, depois de ter dito
isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23 A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão
perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA
"Pentecostes" (1597-1600): pintura de El Greco - Museu Nacional do Prado (Madri - Espanha) |
VIVER DEUS A PARTIR
DE DENTRO
Há
alguns anos, o grande teólogo alemão Karl
Rahner atrevia-se a afirmar que o principal e mais urgente problema da
Igreja dos nossos tempos é a sua “mediocridade
espiritual”. Estas eram as suas palavras: o verdadeiro problema da Igreja é
“continuar com resignação e tédio cada
vez maiores pelos caminhos habituais de uma mediocridade espiritual”.
O problema
não parou de se agravar nessas últimas décadas. De pouco serviram as intenções
de reforçar as instituições, salvaguardar a liturgia ou vigiar a ortodoxia. No coração de muitos cristãos está se
apagando a experiência interior de Deus.
A sociedade moderna apostou pelo “exterior”. Tudo
nos convida a viver a partir de fora. Tudo nos pressiona para nos movermos com
rapidez, sem pararmos em nada nem em ninguém. A paz já não encontra fendas para penetrar até o nosso coração.
Vivemos quase sempre na superfície da vida. Estamos esquecendo o que é saborear a vida a partir de dentro. Para
ser humana, à nossa vida falta uma dimensão essencial: a interioridade.
É
triste observar que tampouco nas comunidades cristãs sabemos cuidar e promover
a vida interior. Muitos não sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé a partir de dentro. Privados da experiência interior,
sobrevivemos esquecendo a nossa alma: escutando
palavras com os ouvidos e pronunciando orações com os lábios, enquanto o nosso
coração está ausente.
Na
Igreja fala-se muito de Deus, mas onde e quando escutam os crentes a presença
silenciosa de Deus no mais fundo do coração? Onde e quando acolhemos o Espírito do Ressuscitado no nosso interior?
Quando vivemos em comunhão com o Mistério de Deus a partir de dentro?
Acolher
o Espírito de Deus quer dizer deixar de falar só com um Deus a quem quase
sempre colocamos longe e fora de nós, e aprender
a escutá-lo no silêncio do coração. Deixar de pensar em Deus apenas com a
cabeça, e aprender a percebê-lo no mais
íntimo do nosso ser.
Essa
experiência interior de Deus, real e concreta, transforma a nossa fé. É
surpreendente, como se pôde viver sem descobrir isso antes. Agora se sabe por
que é possível acreditar, inclusive, numa cultura secularizada. Agora se
conhece uma alegria interior nova e diferente. Parece-me muito difícil manter
por muito tempo a fé em Deus no meio da agitação e frivolidade da vida moderna,
sem conhecer, ainda que seja de forma humilde e simples, alguma experiência
interior do Mistério de Deus.
ABERTOS AO ESPÍRITO
Não
falam muito. Não se fazem notar. Sua presença é modesta e calada, porém são “sal
da terra”. Enquanto houver, no mundo, mulheres
e homens atentos ao Espírito de Deus será possível seguir esperando. Eles
são o melhor presente para uma Igreja ameaçada pela mediocridade espiritual.
Sua
influência não provém daquilo que fazem nem do que falam ou escrevem, mas de
uma realidade mais profunda. Encontram-se retirados nos mosteiros ou escondidos
em meio à multidão. Não se destacam pela sua atividade e, no entanto, irradiam
energia interior aonde se encontram.
Não vivem de aparências. Sua
vida nasce do mais profundo de seu ser. Vivem em harmonia consigo mesmos,
atentos a fazer coincidir sua existência com o chamado do Espírito que os
habita. Sem que eles mesmo se deem conta, são o reflexo do Mistério de Deus
sobre a terra.
Eles
têm defeitos e limitações. Não estão imunizados contra o pecado. Porém não se deixam absorver pelos problemas e
conflitos da vida. Voltam, repetidamente, ao profundo de seu ser.
Esforçam-se por viver na presença de Deus. Ele é o centro e a fonte que unifica
seus desejos, palavras e decisões.
Basta
colocar-se em contato com eles para tomar
consciência da dispersão e agitação que existe dentro de nós. Junto deles é
fácil perceber a falta de unidade
interior, o vazio e a superficialidade de nossas vidas. Eles
nos fazem intuir dimensões que desconhecemos.
Esses
homens e mulheres abertos ao Espírito são fonte de luz e de vida. Sua
influência é oculta e misteriosa. Estabelecem com os demais uma relação que
nasce de Deus. Vivem em comunhão com pessoas que jamais viram. Amam com ternura
e compaixão pessoas que não conhecem. Deus lhes faz viver em união profunda com
a criação inteira.
Em meio
a uma sociedade materialista e superficial, que tanto desqualifica e maltrata
os valores do Espírito, quero fazer memória desses homens e mulheres “espirituais”. Eles nos recordam o maior alento
do coração humano e a Fonte última da qual se sacia toda sede.
Traduzido
do espanhol por Telmo José Amaral de
Figueiredo.
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