O PERFEITO IDIOTA BRASILEIRO!
Adriano Silva
Jornalista
Ele fura fila. Ele estaciona atravessado.
Acha que pertence a uma casta privilegiada. Anda de metrô – mas só no exterior.
Conheça o PIB (Perfeito Idiota Brasileiro).
E entenda como ele mantém puxado o freio de mão do nosso país.
Ele não
faz trabalhos domésticos. Não tem gosto nem respeito por trabalhos manuais. Se
puder, atrapalha o trabalho de quem pega no pesado. Trata-se de uma tradição
lusitana, ibérica, que vem sendo reproduzida aqui na colônia desde os tempos em
que os negros carregavam em barris, nas costas, a toilete dos seus
proprietários, e eram chamados de “tigres” – porque os excrementos lhes caíam
sobre as costas, formando listras. O Perfeito Idiota Brasileiro, ou PIB, também
não ajuda em casa por influência da mamãe, que nunca deixou que ele
participasse das tarefas – nem mesmo por ou tirar uma mesa, nem mesmo arrumar a
própria cama. Ele atira suas coisas pela casa, no chão, em qualquer lugar, e as
deixa lá, pelo caminho. Não é com ele. Ele foi criado irresponsável e
inconsequente. É o tipo de cara que pede um copo d’água deitado no sofá. E não
faz nenhuma questão de mudar. O PIB é um especialista em não fazer, em fazer de
conta, em empurrar com a barriga, em se fazer de morto. Ele sabe que alguém
fará por ele. Então ele se desenvolveu um sujeito preguiçoso. Folgado. Que se
escora nos outros, não reconhece obrigações e que adora levar vantagem. Esse é
o seu esporte predileto – transformar quem o cerca em seus otários particulares.
O tempo
do Perfeito Idiota Brasileiro vale mais que o das demais pessoas. É a mãe que
fura a fila de carros no colégio dos filhos. É a moça que estaciona em vaga
para deficientes ou para idosos no shopping. É o casal que atrasa uma hora num
jantar com os amigos. A lei e as regras só valem para os outros. O PIB não
aceita restrições. Para ele, só privilégios e prerrogativas. Um direito divino
– porque ele é melhor que todos os outros. É um adepto do vale tudo social, do
cada um por si e do seja o que Deus quiser. Só tem olhos para o próprio
umbigo e os únicos interesses válidos são os seus.
O PIB é
o parâmetro de tudo. Quanto mais alguém for diferente dele, mais errado esse
alguém estará. Ele tem preconceito contra pretos, pardos, pobres, nordestinos,
baixos, gordos, gente do interior, gente que mora longe. E ele é sexista para
caramba. Mesma lógica: quem não é da sua tribo, do seu quintal, é torto. E às
vezes até quem é da tribo entra na moenda dos seus pré-julgamentos e da sua
maledicência. A discriminação também é um jeito de você se tornar externo, e
oposto, a um padrão que reconhece em si, mas de que não gosta. É quando o
narigudo se insurge contra narizes grandes. O PIB adora isso.
O PIB
anda de metrô. Em Paris. Ou em Manhattan. Até em Buenos Aires ele encara. Aqui,
nem a pau. Melhor uma hora de trânsito e R$ 25 de estacionamento do que 15
minutos com a galera no vagão. É que o Perfeito Idiota tem um medo bizarro de
parecer pobre. E o modo mais direto de não parecer pobre é evitar ambientes em
que ele possa ser confundido com um despossuído qualquer. Daí a fobia do PIB
por qualquer forma de transporte coletivo.
Outro
modo de nunca parecer pobre é pagar caro. O PIB adora pagar caro. Faz questão.
Não apenas porque, para ele, caro é sinônimo de bom. Mas, principalmente,
porque caro é sinônimo de “cheguei lá” e “eu posso”. O sujeito acha que
reclamar dos preços, ou discuti-los, ou pechinchar, ou buscar ofertas, é coisa
de pobre. E exibe marcas como penduricalhos numa árvore de natal. É assim que
se mostra para os outros. Se pudesse, deixaria as etiquetas presas ao que veste
e carrega. O PIB compra para se afirmar. Essa é a sua religião. E ele não se
importa em ficar no vermelho – preocupação com ter as contas em dia, afinal é
coisa de pobre.
O PIB é
cleptomaníaco. Sua obsessão por ter, e sua mania de locupletação material, lhe
fazem roubar roupão de hotel e garrafinha de bebida do avião e amostra grátis
de perfume em loja de departamento. Ele pega qualquer produto que esteja sendo
ofertado numa degustação no supermercado. Mesmo que não goste daquilo. O PIB gosta
de pagar caro, mas ama uma boca-livre.
E o PIB
detesta ler. Então este texto é inútil, já que dificilmente chegará às mãos de
um Perfeito Idiota Brasileiro legítimo, certo? Errado. Qualquer um de nós corre
o risco de se comportar assim. O Perfeito Idiota é muito mais um software do
que um hardware, muito mais um sistema ético do que um determinado grupo de
pessoas.
Um
sistema ético que, infelizmente, virou a cara do Brasil. Ele está na atitude da
magistrada que bloqueou, no bairro do Humaitá, no Rio, um trecho de calçada em
frente à sua casa, para poder manobrar o carro. Ele está no uso descarado dos
acostamentos nas estradas. E está, principalmente, na luz amarela do semáforo.
No Brasil, ela é um sinal para avançar, que ainda dá tempo – enquanto no Japão,
por exemplo, é um sinal para parar, que não dá mais tempo. Nada traduz melhor
nossa sanha por avançar sobre o outro, sobre o espaço do outro, sobre o tempo
do outro. Parar no amarelo significaria oferecer a sua contribuição individual
em nome da coletividade. E isso o PIB prefere morrer antes de fazer.
Adriano Silva - jornalista |
Na
verdade, basta um teste simples para identificar outras atitudes que definem o
PIB: liste as coisas que você teria que fazer se saísse do Brasil hoje para
morar em Berlim ou em Toronto ou em Sidney. Lavar a própria roupa, arrumar a
própria casa. Usar o transporte público. Respeitar a faixa de pedestres, tanto
a pé quanto atrás de um volante. Esperar a sua vez. Compreender que as leis são
feitas para todos, inclusive para você. Aceitar que todos os cidadãos têm os
mesmos direitos e os mesmo deveres – não há cidadãos de primeira classe e
excluídos. Não oferecer mimos que possam ser confundidos com propina. Não
manter um caixa dois que lhe permita burlar o fisco. Entender que a coisa
pública é de todos – e não uma terra de ninguém à sua disposição para fincar o
garfo. Ser honesto, ser justo, não atrasar mais do que gostaria que atrasassem
com você. Se algum desses códigos sociais lhe parecer alienígena em algum
momento, cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus do PIB. Reaja, porque
enquanto não erradicarmos esse mal nunca vamos ser uma sociedade para valer.
Fonte: Revista SUPERINTERESSANTE –
Edição 335 – Julho/2014 – Pgs. 24-25. Edição impressa.
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