Disputa por água pode afetar oferta para o campo
Liana
Melo
Valor
Econômico
05-06-2014
Com a
população mundial se aproximando da marca dos nove bilhões de pessoas em 2050,
a produção de alimentos terá que aumentar em 70% para fazer frente a essa
explosão populacional projetada pelos demógrafos. A demanda global de energia,
por sua vez, terá que sofrer um incremento de 36% nas próximas duas décadas.
Nesse cenário a água passou a ser alvo de uma disputa acirrada entre a
agricultura, as cidades e a indústria. Se existia ainda alguma dúvida de que
esse recurso natural está se transformando na "coluna vertebral da
economia verde do amanhã", como já previu a Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês), hoje a tese já
virou certeza absoluta.
O
Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na
sigla em inglês) lançou, no último dia 20, um relatório que discutia exatamente
isso: o nexo causal entre recursos naturais, especialmente a água, e a produção
de alimentos num cenário de mudanças climáticas. O documento 'Cootimizando
soluções: água e energia para o alimento, ração e fibra' foi divulgado em Bonn,
na Alemanha, durante a conferência 'Sustentabilidade em
Água-Energia-Alimentos'.
Pelas
projeções do WBCDS, a competição mundial pelos recursos hídricos pode causar
uma redução de até 18% na disponibilidade de água para a agricultura. O setor é
disparado a atividade econômica que mais demanda água no mundo: 70% contra 22%
da indústria e 8% do consumo doméstico.
Apesar
de não estar citado nominalmente no documento, o Brasil, que sempre foi
identificado como rico em recursos naturais e abundante em água, já começa a
sentir os impactos das mudanças climáticas. A crise no Sistema Cantareira, que
levou consumidores e indústria a sofrerem com falta de água na capital
paulista, chamou a atenção para uma situação até há pouco tempo circunscrita às
regiões mais áridas do país. A falta de água em São Paulo virou exemplo
simbólico dos efeitos da crise que se avizinha.
Não à
toa o estresse hídrico passou a fazer parte das discussões das empresas,
inclusive daquelas para as quais a água é um recurso secundário. "O risco
hidrológico passou a fazer parte do planejamento estratégico das empresas
brasileiras", afirma Fernando Maia, diretor de Relacionamento
Institucional do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (Cebds).
A
Ambev [fabricante de cervejas e refrigerantes], para quem a água é um recurso prioritário, vem tentando mitigar o
problema. Há quatro anos iniciou o Projeto Bacias com vistas a melhorar a
qualidade da água e aumentar a sua disponibilidade. "A empresa vem
desenvolvendo modelos customizados de intervenção", explica Simone Veltri,
gerente de relações socioambientais da empresa, comentando que o projeto
começou pela cidade satélite do Gama, no Distrito Federal, onde a empresa tem
uma fábrica.
A
região é abastecida pela Bacia Hidrográfica Corumbá-Paranoá. O projeto é tocado
em parceria com a ONG ambientalista WWF. O objetivo da Ambev é melhorar a
qualidade da água do rio Crispim, que sofre com esgoto in natura. As
intervenções ocorrem através do plantio de mudas nativas e educação ambiental
com a população do entorno.
Em
2013, o projeto-piloto do Gama foi replicado para São Paulo, onde a empresa tem
uma fábrica em Jaguariúna, nos arredores de Campinas. Lá, em parceria com a
TNC, o esforço é pela preservação da Bacia Hidrográfica dos rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí e o foco é a venda de serviços ambientais via restauração da
mata ciliar e a manutenção do que resta de floresta em pé. O próximo passo será
estender o Projeto Bacias para Sete Lagoas, em Minas Gerais.
Nos
dois últimos anos a empresa diminuiu em 7% o consumo de água na produção,
volume suficiente para abastecer uma cidade grande, de 800 mil habitantes,
durante um mês. A Ambev gasta 3,34 litros de água para cada litro de bebida
envasado. A redução drástica do consumo de água na produção levou a empresa a
virar benchmark ["marca de referência"] no mercado global de bebidas.
Como a
mudança climática não é mais uma preocupação do futuro, e sim do presente, como
enfatiza o professor Carlos Martinez, da Universidade de São Paulo (USP), a
escassez de água já preocupa pecuaristas. É que o Brasil é um dos maiores
exportadores mundiais de carne e, a cada incremento da temperatura, o prejuízo
aumenta.
Testes
vêm comprovando que a adubação da gramínia com ureia aumenta a emissão de óxido
nitroso na atmosfera. O fertilizante é usado em larga escala por apresentar uma
excelente relação custo benefício, ou seja, a combinação de preço baixo com
alto desempenho. Só que o óxido nitroso aumenta a temperatura em três vezes. A
pesquisa tem por objetivo criar alternativas para a ureia na pecuária
brasileira.
Pepsico,
DuPont, Monsanto, Dow e Syngenta vêm testando soluções alternativas para o desafio
de integrar produção de alimentos e energia à disponibilidade de água no mundo.
Há testes para produzir arroz mais tolerante à salinidade, além do uso de
plástico biodegradável na agricultura para reduzir a evaporação de água.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos –
Notícias – Sexta-feira, 6 de junho de 2014 – Internet: clique aqui.
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