«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Participação popular e facções

ROBERTO ROMANO*
Roberto Romano - professor de Ética e Filosofia na UNICAMP

Com os conselhos populares pretendidos pelo governo, pela enésima vez a Presidência da República legisla e usa a mão felina do Congresso para pegar as castanhas que a fortalecem. O Executivo abusa das normas e das medidas provisórias. Todas essas medidas propiciam "negociações" que rendem cargos aos partidos, mas privilegiam o Executivo. Propostas corretas podem ser viciadas. Sim, a participação popular é alvo democrático. O problema reside no modo e na dose.

Alguns doutrinadores exageram as prerrogativas oficiais, outros acentuam a soberania popular. Fernando Bianchini (Democracia Representativa sob a Crítica de Schmitt e Democracia Participativa na Apologia de Tocqueville, 2014) mostra que Tocqueville não ataca, nos moldes de Carl Schmitt, o Estado parlamentar. Ele quer diminuir a distância entre cidadãos e legisladores. O movimento, no entanto, deve brotar "de baixo para cima", e não ser imposto pelo Executivo. Tal é o defeito do decreto assinado por Dilma Rousseff.

O diploma finge que a sociedade não é dividida. Nela não existiriam interesses contraditórios de grupos políticos organizados. Partidos e interesses vários não manobrariam esses grupos, só aparentemente autônomos. Só anjos ignoram que os "movimentos não institucionalizados" têm líderes, ideólogos, agenciadores. Dilma busca um Estado nas dobras do Estado. Ninguém, em movimentos desprovidos de instituição, assume responsabilidade oficial, ou seja, diante do povo soberano, pelos erros nas decisões. O caso de um deputado paulista, popular graças aos recursos de campanha, é importante. O político recebeu um mandato das urnas e guarda relações enigmáticas com "movimentos não institucionalizados", os perueiros que têm elos "não institucionais" com... setores que operam à margem da lei.

Bem diverso era o orçamento participativo, fechado ao ser eleito Luiz Inácio da Silva. Ali os movimentos discutiam com os administradores públicos. Eles decidiam prioridades na aplicação do orçamento. Toda a assembleia se responsabilizava pelas decisões. Mesmo assim, existiam "donos" de movimentos. Certa feita, na assembleia (de Porto Alegre), um grupo abriu uma faixa: "A comunidade de (invento o nome) Pedro Leopoldo saúda os participantes". Perguntei ao meu cicerone: "Onde é Pedro Leopoldo?". Pergunta errada, corrige ele: "Quem é Pedro Leopoldo?". Era o dono do grupo. Líderes referiam-se aos movimentos com o possessivo: "o meu". Comento: "Estranha forma de indicar a comunidade". Replica o acompanhante: eles se pensam proprietários da coisa. A Secretaria da Educação de Porto Alegre, para diminuir filas na matrícula escolar, distribuiu fichas de agendamento. Líderes comunitários exigiam que fossem eles a levar as fichas aos genitores. É a lógica do "favor não institucionalizado".

Sim, o Congresso brasileiro afasta-se da cidadania. Antes de junho (de 2013), nele se discutiram a aprovação da PEC 37, que feria o Ministério Público, mudanças que atenuariam a Lei de Improbidade Administrativa, aleijões na Lei da Ficha Limpa, etc. O problema não está só no Congresso, mas no Estado brasileiro. Fosse o Supremo Tribunal Federal "apenas" uma Corte constitucional, as questões contidas no decreto em pauta já estariam encaminhadas. Ente que tudo julga, e a todos, ele se afoga em processos decididos sem a tranquilidade necessária. Ademais, ele decide com base numa Constituição que é triste colcha de retalhos, dadas as inúmeras emendas, várias oriundas de imposições do Executivo (como a da reeleição).

É grave a distância entre o Estado e os eleitores. Seria importante diminuir o gap [trad.: abismo, brecha, distância] que desmoraliza os Poderes. 

Mas o proposto agora é a imposição de movimentos sociais como operadores do Executivo, negando-se o fato de que na democracia o poder exige responsabilidade pública. 

Segundo H. Guaino, "as ONGs começam a constituir um contrapoder, mas não têm legitimidade política. Elas não expressam o direito dos povos: um debate na internet não equivale a eleição legislativa ou referendo". As ONGs não têm legitimidade política. E os movimentos que seguem líderes anônimos, com interesses idem?

Hobbes alerta contra as assembleias "populares": antes das reuniões os líderes tudo decidem mantendo "em separado reuniões secretas com alguns poucos, em que combinam o que irão propor na assembleia-geral, a ordem dos assuntos, as pessoas que agirão em primeiro lugar e sobre a habilidade com que irão cooptar os mais poderosos da facção para o seu lado, e aqueles cujo partido tem maior popularidade (...). E, assim, às vezes eles oprimem a república (commonwealth) quando não há outra facção para se opor à sua. Mas na maior parte das vezes eles causam uma guerra civil" (De Cive, 12).

Hobbes conhecia a falência da democracia em Atenas e observou a Revolução Inglesa, enterrada na ditadura pessoal de Cromwell, mas dirigida por líderes anônimos. A democracia exige responsabilidade de pessoas concretas, nega força hegemônica ao Executivo com seus braços, os pretensos "movimentos não institucionalizados". O decreto presidencial lembra um texto a ser lido pelos imprudentes: Estado, Movimento, Povo, de Carl Schmitt. O poder, segundo o jurista, se dividiria em três setores: o povo inerte que diz "sim" ou "não" plebiscitariamente e segue o partido, que, por sua vez, segue o líder (princípio da Führung), mantendo o Estado. Schmitt deseja conselhos de líderes, eleitos ou escolhidos pelo Führer...

No despotismo dos que imperam sem responsabilidade pública, decidem as facções. Com seu decreto, o próprio governo se transforma em facção, esquece um compromisso com o povo na sua totalidade soberana. De um lado, a Secretaria da Presidência e, de outro, os almejados tentáculos do Executivo. Se houvesse algo democrático no decreto, ele seria discutido amplamente com a sociedade, depois enviado ao Legislativo. O resto é propaganda.

* PROFESSOR DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, É AUTOR DE VÁRIOS LIVROS, ENTRE OS QUAIS “O CALDEIRÃO DE MEDEIA” (EDITORA PERSPECTIVA).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Sexta-feira, 13 de junho de 2014 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

DECRETO DO GOVERNO FEDERAL CRIA 
CONSELHOS POPULARES 
SOBRE GRANDES TEMAS

Cristiane Jungblut

Jurista diz que obrigar órgãos a ter estruturas para ouvir sociedade engessa governo e é um exagero
Carlos Velloso - Jurista e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Num ano eleitoral, a presidente Dilma Rousseff editou decreto que obriga os órgãos do governo a promover consultas populares sobre grandes temas, antes de definir a política a ser adotada e anunciada pelo governo. O decreto 8243/2014 cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e diz que o objetivo é “consolidar a participação social como método de governo”. A decisão provocou polêmica e foi recebida com críticas por juristas e parlamentares.

Na prática, a proposta obriga órgãos da administração direta e indireta a criar estruturas a título de participação social, como “conselho de políticas públicas” e “comissão de políticas públicas”. Até mesmo as agências reguladoras terão que cumprir as novas regras. De acordo com o texto, os órgãos serão obrigados a considerar esses colegiados durante “a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas”. Na prática, ministérios e demais órgãos serão obrigados a criar conselhos, realizar conferências ou mesmo promover mesas de diálogo. Esse tipo de mecanismo pode engessar ainda mais o governo. Os órgãos terão que promover relatórios anuais para mostrar que estão cumprindo a determinação e prestar contas.

A decisão da presidente Dilma de tentar criar um modelo de participação social via decreto foi vista como um exagero, passando por cima inclusive da Constituição. Para o jurista Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, há risco de enfraquecimento do Poder Legislativo como fórum de representação da sociedade e de discussão de grandes temas, além do engessamento das decisões do governo. Um tema polêmico pode demorar devido à exigência de se ouvir diversos representantes da sociedade, por exemplo.

— Isso é um exagero. E utilizar decreto é exagero demais. Acredito que essa discussão só poderia ser feita por lei, ou até por meio da Constituição. A Constituição estabelece os casos em que pode haver consulta popular. E isso acaba deixando o Legislativo no corner — disse Velloso.

O deputado Miro Teixeira (PROS-RJ) considera que a medida pode “travar a administração pública”:

— Em geral, esses conselhos populares não são populares, porque são nomeados pelos governantes. Em tempos de dificuldades, é que surgem essas ações (nos governos).

O diretor de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência, Pedro Pontual, defende o decreto e rebate críticas de que as normas possam engessar o governo ou mesmo tenham viés esquerdista. Ele disse que esse tipo de consulta já é utilizada, por meio das conferências. Ele citou as discussões do Plano Brasil Sem Miséria, alegando que elas não “atrasaram” o lançamento do programa:

— A Constituição garante o direito do cidadão de participar. O que o governo quer é que a participação social vire um método de governo. As políticas públicas que passam pelo processo social saem do governo com mais qualidade. Todas as políticas deverão ter alguma interlocução com a sociedade.

Questionado sobre as críticas de que o governo se baseia em práticas do governo do presidente venezuelano Hugo Chávez, ele reagiu:

— Isso não engessa o governo e não tem nada a ver (com política chavista). É a institucionalidade da democracia, é uma relação de soma.

Para ter acesso ao decreto nº 8.243 de 23 de maio de 2014,
clique aqui.

Fonte: O GLOBO – Brasil – 29/05/2014 – 22h29 – Atualizado em 05/06/2014 – 17h38 – Internet: clique aqui.

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