«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 22 de junho de 2014

O USO POLÍTICO DAS IGREJAS E DA FÉ!

Fé no poder
 José de Souza Martins*


 Recomeça entre nós o ciclo do aliciamento eleitoral das religiões tendo em vista as próximas eleições. Os religiosos que barganham politicamente a fé de membros de suas igrejas abusam da fé e fingem que se trata de trabalho missionário. No Getsêmani da política brasileira o galo não canta apenas três vezes, nem o mentiroso é um só. Satanás mobiliza cúmplices e banaliza a fé. Está na informalidade do calendário eleitoral paralelo.

Uma das grandes anomalias do processo político pós-ditatorial tem sido a transformação das religiões em avalistas de políticos e de partidos que não confiam no discernimento do povo e o temem. É o que subtrai do eleitor o direito de decidir conscientemente em quem votar e em que partido político confiar. A política brasileira tem sido cada vez mais política de usufrutuários de currais eleitorais de uma nova política de cabresto que mutila a concepção de cidadania, viola os princípios do regime republicano e coloca a sociedade inteira de joelhos. Igrejas e religiões têm sido cúmplices dessa usurpação. Os danos à democracia e ao regime republicano são imensos. Fala-se muito em corrupção, mas não se fala no envolvimento partidário das religiões como outra e perversa forma de corrupção, enquanto roubo da consciência política dos votantes. A fé deveria ser para iluminar e não para enganar.

Reflexos dessa deturpação já são visíveis na apelação de baixo nível em que partidos difamam os adversários para se acobertarem. Fazem-se de santos. É o retorno ao maniqueísmo deturpante que preside a política brasileira desde os pródromos das eleições presidenciais de 2002. Desde então somos dominados pelo autoritarismo de um pensamento político binário: uma cara para o diabo e outra para o povo. O País foi engolido pela farsa ideológica de que o que somos e o que expressa nosso querer político está nas polarizações, amor e ódio, pobres e ricos, negros e brancos, incultos e cultos. Isso é falso. Ninguém diz que o objetivo desse binarismo não é combater o ódio, mas disseminá-lo como motor do processo político.

Sem dúvida, este é um país que tem ricos muito ricos e pobres muito pobres. Mas tem também uma multidão distribuída por diferentes graus da classe média. Este ainda é o país da ascensão social. Basta que cada um compare o que é com o que seus avós foram. É um país de mestiços, mais do que um país de brancos e negros. Um país singular em que muito negro é branco e muito branco é negro. É também inútil teimar na tese reacionária de que há mérito em não ter estudado. É evidente que não há demérito em não ter tido acesso à escola: há injustiça. Ser culto, em qualquer lugar do mundo, é mérito e virtude, não defeito. Ironizar o diploma e a formação universitária é expressão de ignorância.

Essa mentalidade de botequim também se imiscui nas religiões para nelas infiltrar o binarismo diabólico. Para fazer supor que o incréu que na missa copia gestos dos vizinhos, ou no culto fecha os olhos, é pessoa de Deus. Pessoas de Deus não precisam fingir nem mentir. Igreja de comício é mero instrumento da mesma lógica da polarização: para os políticos que se locupletam do púlpito, fingir é mais importante do que ser. A difamação do adversário completa esse quadro. Estamos sendo empurrados para o falso confronto dos defeitos e não para o verdadeiro confronto dos méritos. Uma cultura intolerante e fascista se apossa de nossos direitos políticos e nos transforma no rebanho carneiril que decidirá não decidindo. Se isso não é ditadura, francamente, já não sei o que o é.
Uma das grandes conquistas do regime republicano brasileiro foi ter introduzido na Constituição de 1891 o princípio, que se repetiu nas Constituições subsequentes, da separação entre o Estado e as religiões. A medida foi altamente benéfica para as igrejas, que puderam devotar-se estritamente à prática religiosa, os devotos exercitando plenamente a liberdade de crença. Foi particularmente benéfica para a Igreja Católica Apostólica Romana. Até então, bispos e padres eram praticamente funcionários públicos, recebiam a côngrua, pagos pelo governo. De vários modos tinham que pedir a bênção às oligarquias, aos grandes senhores de terra e de escravos. Era o governo que nomeava os bispos. O Estado crucificava Cristo todos os dias em nome das conveniências dos poderosos. A República libertou a Igreja Católica dessa servidão e Deus mesmo ficou livre das manhas da dominação prepotente e interesseira.

Agora, com a transformação do púlpito de diferentes igrejas e religiões em palanque de comício eleitoral ou de encabrestamento do voto, a política coloca de novo o cabresto das disputas eleitorais e do poder no Cristo crucificado para que, em vez do sangue da redenção, verta votos para quem, por fazê-lo, certamente, não merece semelhante sacrifício. Mérito político só existe na decisão racional e soberana do eleitor na hora de votar, sem cabresto, livre da dominação daqueles que, fingindo religiosidade, só têm fé no poder.

* José de Souza Martins é sociólogo. Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Entre outros livros, autor de “A política do Brasil Lúmpen e Místico” (Ed. Contexto).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 22 de junho de 2014 – Pg. D9 – Internet: clique aqui.

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