«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 22 de junho de 2014

NOVAS TENDÊNCIAS NA SOCIEDADE E NA POLÍTICA

A quarta agenda democrática

Renato Janine Ribeiro*

Além da luta por melhores serviços públicos, 
há uma exigência de liberdade no Brasil
Manifestação na Avenida Paulista (S. Paulo) no dia 20 de junho de 2013

Desde o ano passado, o Brasil mudou de futuro. As manifestações de maio a julho definiram um horizonte novo. O problema é que as eleições de outubro estarão aquém da nova agenda política. Tivemos três agendas democráticas bem-sucedidas nestes 30 anos: 
  • a derrubada da ditadura [1985], 
  • a da inflação [1994] e 
  • a inclusão social em larga escala [desde 2003]. 
Agora é a vez do que chamo “quarta agenda democrática”, que consiste em transporte, educação, saúde e segurança públicos de qualidade. É ela que porá fim ao apartheid entre quem paga ao setor privado pela qualidade deles, e quem está restrito à má qualidade do Estado. Mas os candidatos de oposição, centrando a campanha na crítica à política econômica, não têm uma proposta que sensibilize uma população que exige direitos que custam dinheiro, direitos que ela nunca viu atendidos, dinheiro que - dizem os dois candidatos - faltará. Já a candidata à reeleição enfrenta o êxito das políticas de inclusão social: quem subiu na vida quer subir mais e, afinal, sente - sem muita razão - que nada deve a políticas públicas, só ao próprio esforço e mérito.

Mas, além da exigência de serviços de qualidade, outro tema vai se firmar em nossa política. Cresce uma exigência de liberdade, nos mais amplos sentidos - uma exigência que os partidos não parecem ter compreendido.

Essa liberdade tornada valor, antes de mais nada, é a liberdade pessoal. Cada um tem o direito de florescer o máximo, no que lhe importa. Essa ideia é liberal. Para ela, cada ser humano tem riquezas singulares, únicas, que para se manifestarem só precisam de uma coisa: não serem reprimidas. Estado, Igreja, externalidades, impedem esse florescimento. Então, reduzindo esses obstáculos externos, cada um crescerá. Só que tal ideia de liberdade, mesmo sendo de origem liberal, vai muito além da direita. Hoje suas faces mais visíveis são a liberdade da mulher em face do machismo, do homossexual diante da homofobia, do negro e do indígena contra o racismo.

A pauta da liberdade se fortalece a cada dia. Comentei em outro lugar que ela está, por exemplo, no[s jornais] El País, no New York Times e, entre nós, na revista Trip e talvez Rolling Stones. Sua primeira característica é se opor radicalmente a qualquer preconceito. Um vídeo que se tornou viral no YouTube - The Ultimate (Sarcastic) Anti-Gay Marriage Ad - mostra bem isso: diante da igualdade entre heterossexuais e homossexuais, uma família bem norte-americana - crianças rosadinhas, todos loiros, gente de comercial de margarina - chora e se descabela porque todos vão ser “obrigados” a se separar e, cada um, a casar-se com pessoa do mesmo sexo... É hilariante. Ou seja: o preconceito está sendo vencido quando, de odioso, vai se tornando ridículo.
Timur Vermes, escritor alemão, com o seu livro em mãos

Um romance que fez sucesso na Alemanha - uma boa ideia, ainda que com resultado final fraco - é Ele Voltou, de Timur Vermes. “Ele” é Hitler, que acorda, em 2011, de um desmaio que durou décadas. Retoma sua carreira, mas todos creem que ele é um cômico. Talvez seja esse o grande sucesso sobre a maldade - quando ela não desperta mais medo, só riso. Quando sai do horizonte do possível e do pensável. Os preconceitos parecem, hoje, estar perto de agonizar: em breve, quem se opuser a mulheres, gays e negros será folclórico. É o que essa nova sensibilidade implica.

Mas isso não significa que a luta tenha terminado. Crimes de ódio são frequentes no País. Não são reprimidos de maneira sistemática. Pior: a veiculação de propaganda de ódio é tolerada, em que pese afrontar diretamente a Constituição e constituir incitação ao crime. Deputados, ainda que poucos, dizem enormidades, pelas quais poderiam perder o mandato, ao negarem que membros dos grupos discriminados sejam iguais em direitos aos homens brancos heterossexuais. E por isso mesmo, essa nova sensibilidade não está - ainda? - vitoriosa. Na verdade, não sabemos se triunfará ela ou o preconceito supersticioso. Seria bom os candidatos firmarem um pacto contra o preconceito e a superstição.

Porém, seria errado ligar diretamente esse novo modo de ver o mundo humano a um lado político específico. Repudiar o preconceito contra indivíduos e grupos é uma tradição que, desde o Iluminismo e seus herdeiros das grandes revoluções, inspira as esquerdas. Mas em vários pontos a nova sensibilidade desagrada à esquerda brasileira. Pois faz parte dessa atitude o horror à corrupção; ora, o PT, que já foi nosso partido mais veemente na condenação do tráfico de dinheiros públicos, é acusado de ter sido leniente, no governo, com essas velhas práticas brasileiras. Não importa se o escore do PSDB é igual ou pior que o seu: o mensalão acabou simbolizando uma séria falta dos governantes à honestidade. Tal situação gerou um estresse entre o que chamo de nova sensibilidade e a esquerda.

Outro desencontro se refere ao repúdio à opressão política e internacional. Alguns amigos meus, por desconfiarem das intenções ocidentais sobre a Ucrânia, simpatizam com Putin. Mas com isso acabam endossando políticas autoritárias e repressivas: negam o valor da luta do povo na Praça Maidan, acusando-o de ingênuo ou agente estrangeiro. Ou tomemos o voto facultativo. Embora haja no PT defensores do fim da obrigatoriedade do sufrágio - ao que parece, talvez o próprio Lula -, a esquerda é mais favorável a ele. Os argumentos pela obrigatoriedade são bons: havendo voto facultativo, a abstenção dos miseráveis aumenta, o que leva os políticos a não se preocuparem com eles, o que por sua vez aumenta a abstenção entre os mais pobres. Mas aqui falamos de uma atitude pró-liberdade, de uma filosofia, de uma sensibilidade. O voto facultativo e a descriminação da maconha andam juntos: nos dois casos, se repudia a tutela sobre as escolhas pessoais.

Resumindo, o que temos? Uma atitude contrária aos preconceitos de costumes, à opressão, à corrupção - e também à repressão. Com todo incômodo que as greves pré-Copa causaram no transporte público, também se vê com maus olhos a repressão a esses movimentos.

Resta explicar por que, falando da mídia internacional, citei dois jornalões e, no Brasil, duas revistas quase alternativas, Trip que nasceu para os surfistas, RS [Rolling Stones], que é de rock - e por que eu, nem surfista nem roqueiro, as menciono. Ora, é interessante que a atitude pró-liberdade que aqui celebro nasça fora da política. Na verdade, a política é um setor da atividade humana sem dúvida essencial, mas nem sempre fecundo.

Quando na mesma família se sucedem gerações de políticos, o que sem dúvida é rotina nas regiões mais atrasadas do País, mas também acontece nos Estados mais desenvolvidos, o que se perde não é só a renovação de sangue, mas também a de ideias.

E disso, para nossa política atual? Não penso, até o momento, que as eleições deste ano sejam particularmente importantes para o Brasil.

Provavelmente marcarão o fim de um ciclo, não o começo de outro. O PT fez um trabalho notável de inclusão social, mas isso já não basta, tanto porque é preciso garantir que os serviços públicos sejam bons quanto porque a sensibilidade que descrevo não é a do PT dos anos 2010, embora fosse a sua de 1982 a 2002. Já os candidatos de oposição cometeram um ato falho forte ao tentar surfar nos xingamentos à presidenta Dilma Rousseff. Nem Eduardo Campos nem Aécio Neves deram importância ao teor sexual do ataque a uma mulher. Provavelmente, netos ambos de políticos, Miguel Arraes e Tancredo Neves, que figuram entre os mais importantes governadores de nossa história, eles não se dão conta de quanto é difícil uma mulher liderar na política. Os dois “insiders” desconhecem o que é ser a grande “outsider”, a mulher. Basta ver uma coisa: a dificuldade enorme que tem uma mulher em conciliar o poder e a feminidade. Candidatos a presidente podem se casar e ter filhos em plena campanha; já a presidenta é sozinha. Aliás, veja-se que a oposição situa entre seus principais temas de ataque ao governo a existência ou não da palavra “presidenta”, que Carlos Drummond utiliza na sua tradução das Relações Perigosas. Poderia ser mera “questão de opiniães”, como diz Guimarães Rosa sobre “pão ou pães”, mas virou um cabo de guerra - que é claro sinal, ainda que involuntário, dessa recusa a conjugar no feminino o poder.

Disso resulta que, se Dilma, mais preocupada com o desenvolvimento econômico e social, não assume como sua essa agenda jovem, jovial, da liberdade que vai do pessoal para o público, seus adversários parecem estar ainda mais longe dela. Aqui não discuto programas votados em congresso partidário, e sim a reação quase instintiva de dois homens para quem um insulto sexual não é coisa grave, dirigido a uma mulher que chefia o Estado. Ora, quando alguém quer liderar o País, precisa estar mais antenado com as novas tendências da sociedade.

Porque o Brasil não é uma sociedade politizada, como foram França e Argentina. Nossa educação e cultura políticas são precárias. Mas em termos de costumes, de vivido, somos bons. Aqui, a política passa pelos costumes. Mesmo durante a ditadura, avançamos extraordinariamente em sensibilidade democrática, por sinal graças à música popular mais do que a manifestos políticos.

Quem se desliga da renovação constante de costumes se desliga do que o Brasil tem de melhor, de inovador - mais que isso, de invejável. Porque a política institucional está perdendo terreno, mundo afora. Aqui, podemos ainda nos perguntar o que fazer; podemos perguntar qual será a quarta agenda da democracia; podemos esperar melhorar muito. Mas olhem França, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, para não falar da Itália; nenhum desses países tematiza, a sua frente, desafios como os nossos, esperanças como as nossas. Dará trabalho conseguirmos serviços públicos de qualidade. Mas dará satisfação conseguirmos uma relação entre política e costumes que configure, uma e outros, como democráticos. Melhorar os serviços é atingir o patamar dos países desenvolvidos. Democratizar os costumes é propor algo novo, que irá além deles.

* Renato Janine Ribeiro é professor de Ética e Filosofia Política na USP e autor, entre outros livros, de A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil (Companhia das Letras).

Nota: para ler uma versão anterior desse artigo, contendo explicações mais pormenorizadas das três agendas democráticas anteriores, clique aqui.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 22 de junho de 2014 – Pg. D8 – Internet: clique aqui.

O "grande número" e a política

Luiz Werneck Vianna*

Desde junho de 2013 as ruas não têm dado tréguas em suas manifestações, primeiramente sob as bandeiras dos direitos, como os de acesso à saúde, à educação e à mobilidade urbana, e, nesta segunda onda dos dias presentes, com o claro registro da dimensão dos interesses. Em poucos meses, mudaram os temas e os personagens. As camadas médias, antes com massiva participação, cederam lugar a categorias de trabalhadores demandantes de melhorias salariais, por vezes à margem da orientação dos seus sindicatos, e a movimentos sociais de extração social difusa, como os do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), boa parte deles sob a influência de partidos da esquerda radicalizada.

Os diagnósticos que nos vêm da mídia são uniformes na interpretação economicista do mal-estar reinante na população, carregando nas tintas o tema da inflação, segundo eles, palavra-chave da sucessão presidencial que se avizinha. Contraditoriamente, tal diagnóstico convive sem conflito aparente com o reconhecimento por parte de analistas de diversas orientações de que, nos últimos anos, indicadores confiáveis atestariam o alcance de setores subalternos a melhores padrões de consumo e de acesso ao mercado de trabalho. Muitos deles até sustentando que tais setores já fariam parte das classes médias. Conquanto essas duas interpretações contenham seu grão de verdade, elas apontam, como é intuitivo, para direções opostas, embora guardem em comum o mesmo viés economicista e a mesma distância quanto à política.

O fato novo que temos diante de nós vem, precisamente, dessa região oculta da Lua e se manifesta na ruptura da passividade em que se mantinha o "grande número", para flertar com a linguagem de um grande autor em suas alusões ao homem comum da sociedade de massas. As duas florações da social-democracia - a do PSDB e a do PT -, no governo por duas décadas, cada qual no seu estilo, embora a do PT venha sendo a mais desenvolta na intervenção sobre a questão social, não só têm estimulado, mesmo que indiretamente, a procura por parte dos setores subalternos da porta de acesso aos direitos da cidadania, como atuado no sentido de consolidar as liberdades civis e públicas previstas na Carta Magna de 1988. Os limites em que o governo da presidente Dilma Rousseff se manteve no curso da Ação Penal 470, o processo dito do "mensalão", em que estavam envolvidos importantes dirigentes do PT, é um exemplo disso.

A passividade do "grande número" ao longo desse período - evita-se o uso do termo multidão para manter distância das ressonâncias metafísicas com que ele, ultimamente, tem sido empregado - certamente não foi indiferente às políticas bem-sucedidas dos governos social-democratas - declarados como tal ou não - que têm estado à testa da administração pública, entre os quais a do Plano Real e a do Bolsa Família, mencionado este último apenas pela sua efetividade.

Contudo, malgrado as diferenças entre PSDB e PT, inscritas no DNA de cada um deles, ambos optaram por estilos de governo tecnocráticos. No caso do PT, bem camuflado por instituições como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, logo esvaziado, e pelas reuniões informais entre o ex-presidente Lula e as lideranças sindicais. E, sobretudo, pela incorporação de movimentos sociais ao aparelho de Estado, marcas fortes dos governos de Lula. Para os setores organizados e próximos ao partido, tais práticas podiam ser vivenciadas como um sucedâneo de democracia participativa, mesmo que suas deliberações fossem, em última instância, dependentes da discrição governamental.

Quanto aos intelectuais, em que pese a forte atração que o PT exerceu sobre eles no momento de sua fundação, incluídas grandes personalidades do mundo da ciência e da cultura, eles não encontraram em sua estrutura partidária um lugar próprio para exercer influência, rebaixados à situação de massa anônima de simpatizantes. Nessa posição marginal, eles se confortaram na crença dos poderes carismáticos da sua liderança, bafejada por sua origem operária, e hoje padecem de desencanto com a revelação dos muitos malfeitos com origem na máquina governamental. 

O PSDB, por sua vez, partido formado por intelectuais, não somente os deixou à deriva, como igualmente se manteve ao largo dos movimentos sociais e do sindicalismo, confiante nos louros conquistados com os êxitos do Plano RealAssim, se o PT se recusava a vestir a carapuça da social-democracia, que lhe cabia tão bem, o PSDB assumiu-a apenas no plano do discurso, com seu núcleo duro constituído por elites de formação e trajetória tecnocráticas. Nem um nem o outro enfrentaram o desafio da "ida ao povo". Na versão petista, o sindicalismo tem-lhe feito as vezes e, na do PSDB, a massa de consumidores. Nas favelas e nos bairros populares, em termos de organização partidária - não de voto, frise-se -, em meio a um oceano de evangélicos, não se nota a presença deles.

Nessas condições, a ativação do "grande número", a que se assiste desde junho do ano passado e, ao que parece, não vai recuar nem mesmo diante da Copa do Mundo, tem encontrado à sua frente um terreno político desertificado. Nada a surpreender quanto à sua descrença na política e à selvageria de muitas de suas manifestações, fato que o governo do PT reconhece agora, de modo tardio, atabalhoado e, como sempre, vertical, com a criação por decreto dos conselhos populares de participação na administração pública.

Seja lá o que o destino reserva a essa iniciativa discricionária, que não nos chega em momento propício, já está na hora de fazer ouvidos moucos aos ideólogos do economicismo, confessos ou encapuzados, que confundem o consumidor com o cidadão e a política com o cálculo eleitoral.

* Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Domingo, 22 de junho de 2014 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

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