Como manipular pessoas
Os
robôs do presidente
Editorial
O
Estado de S. Paulo
É grave ver Bolsonaro perto de milícias
virtuais, que se servem de manobras digitais para atacar o ambiente de
liberdade
Mais da
metade das publicações no Twitter favoráveis ao presidente Jair
Bolsonaro, por ocasião das manifestações do dia 15 de março, foi realizada
por robôs, revela estudo da Fundação Escola de Sociologia e Política de
São Paulo (FESPSP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Após analisar mais de 3 milhões de mensagens no Twitter, o levantamento
ajuda a dar uma dimensão mais exata do tipo de apoio que o presidente Jair
Bolsonaro tem nas redes sociais, bem como a expor os efeitos deletérios da
manipulação digital.
Segundo o
estudo, a hashtag #bolsonaroday foi a mais compartilhada na plataforma
do Twitter no dia 15 de março de 2020, com cerca de 1,2 milhão de
menções.
«Os dados apontam uma ação expressiva de
perfis não humanos – tanto de robôs, contas automatizadas, como de
ciborgues, contas semiautomatizadas – nas publicações do Twitter, chegando a
atingir picos de 55% de automatização das postagens
no dia do evento»,
afirma o estudo.
Em geral,
as pessoas que usam o Twitter publicam cerca de três a dez tuítes por dia. Os
usuários mais ativos chegam a publicar até 50 tuítes por dia. No dia 15 de
março, cada robô favorável ao presidente Jair Bolsonaro publicou, em média, 700
mensagens com a hashtag #bolsonaroday. Houve casos de robôs com mais de 1,2
mil tuítes naquele dia.
O
porcentual de 55% de interação por robôs é uma taxa incrivelmente alta,
que supera amplamente outros casos recentes de manipulação do debate público
por instrumentos digitais. Na eleição do presidente Donald Trump, por exemplo,
as contas automatizadas geraram aproximadamente 18% do tráfego do Twitter,
segundo o Internet Institute da Universidade de Oxford. No caso do
Brexit, dois pesquisadores, Samuel Woolley e Bence Kollanyi, avaliaram que 32%
das publicações no Twitter favoráveis à saída da Grã-Bretanha da União Europeia
foram realizadas por contas desproporcionalmente ativas, o que indica algum
grau de automação.
Consequências
dessa manipulação
O estudo da
FESPSP e da UFRJ relata algumas evidências empíricas sobre o papel desempenhado
pelos robôs nas redes sociais. “A disseminação de mensagens e orquestração de
campanhas online com o uso de automação e inteligência artificial tem consequências
sociais, políticas e culturais relevantes:
(a)
sequestram a atenção da rede de usuários e ajudam a manipular os
algoritmos das plataformas;
(b)
criam cascatas de informação que tendem a influenciar o comportamento
de outros usuários por meio de contágio;
(c)
contribuem para a distorção e manipulação da opinião pública em
constante construção e mutação;
(d)
pautam o debate e as conversações online e offline”.
O uso dos
robôs não apenas falsifica o tamanho do apoio ao
presidente Bolsonaro, como deturpa todo o espaço público de diálogo,
debate e informação.
Outro ponto
destacado no estudo é o uso da estratégia de “campanha permanente” nas
redes sociais pelos bolsonaristas, “com hashtags e mensagens cujo apelo, frequência
e quantidade são típicos de períodos de campanha, incluindo alusão às eleições
presidenciais de 2022 e 2026”. Entre as ações da campanha permanente está a “ativação
constante da militância virtual para se defender e atacar seus adversários
e o uso de narrativas de testemunho de diferentes atores sociais para a
construção ‘do bem e do mal’”, diz o estudo.
Alvos
mais frequentes
Um dos
alvos mais frequentes dos bolsonaristas é o Supremo Tribunal Federal
(STF). “Ainda que o Congresso tenha ganhado maior destaque mais recentemente, a
campanha permanente se nutre do universo lavajatista que vê no STF um obstáculo
para a continuidade da operação, além da questão da prisão em segunda
instância”, aponta o estudo.
Os robôs
bolsonaristas não só apoiam o presidente Bolsonaro, como atacam as instituições. Se é um
alívio saber que muito dessa movimentação contra o Estado Democrático de
Direito não vem de pessoas reais – é mera atuação de robôs –, é grave ver o
presidente Bolsonaro tão próximo dessas milícias virtuais, que se servem de
manobras digitais para atacar o ambiente de liberdade e diálogo próprio de uma
democracia.
Picos de novos seguidores de
Bolsonaro coincidem com crises do governo
Tiago Aguiar
Crises de repercussão na imprensa, como
aumento de queimadas na Amazônia, foram revertidos em engajamento e novos
seguidores
Um estudo
elaborado pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital da
Universidade de São Paulo (USP) mostra que, no último ano, a base de seguidores
do presidente Jair Bolsonaro em todas as redes sociais oficiais cresceu acima
da média em momentos de crise.
A pesquisa,
que analisou as contas do Facebook, YouTube, Instagram e Twitter do
presidente, sugere que, ao longo do último ano de governo, ocorreu uma
série de alinhamentos da base pró-Bolsonaro para defendê-lo, pela radicalização
e negação da avaliação de especialistas de ações do governo.
Segundo o
relatório, crises de repercussão na imprensa, como:
* os atos
contra os cortes na Educação,
* o
depoimento do porteiro do condomínio Morada do Sol associando a família
Bolsonaro ao assassinato da vereadora Marielle Franco e
* o aumento
expressivo de queimadas na Amazônia,
foram
revertidos em engajamento e ganhos de novos seguidores, com
expressão mais notável no Facebook.
O
pronunciamento, do último dia 24 [de março], em que Bolsonaro defendeu o
isolamento social apenas para pessoas do grupo de risco do novo coronavírus, causou
aumento do número de seguidores cerca de dez vezes maior do que a média, o
maior aumento desde março do ano passado.
Márcio
Moretto Ribeiro, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio
Digital e autor do estudo, avalia que o levantamento não é contraditório
com quedas de aprovação do governo nos mesmos períodos.
Segundo o
professor da USP, o fenômeno é possível porque os novos apoiadores são ou se tornam mais radicais e negam especialistas
apresentados pela imprensa como premissa. “Como pesquisas indicam queda de
aprovação de seu governo no mesmo período, o que fica sugerido é um
realinhamento de sua base de apoio que se torna menos numerosa, porém mais
radical”.
A reprovação
ao governo atingiu 42% em abril, ante 36% em março, de acordo com edição da
“Pesquisa XP com a População”, realizada pela instituição em parceria com o
instituto Ipespe divulgada nesta sexta-feira [03/março/2020].
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