Não se iluda nem se engane!
O
poder que Bolsonaro quer
Editorial
Jornal
«O Estado de S. Paulo»
O poder que Bolsonaro almeja é aquele exercido
sem que tenha
de prestar conta às instituições democráticas, como o
ditador
Hugo Chávez
Manifestação de golpistas, em Brasília, domingo, 19 de abril de 2020 |
Em meio ao
repúdio unânime das instituições à sua participação num comício de caráter
golpista em Brasília no domingo passado, o presidente Jair Bolsonaro
defendeu-se dizendo que “falta um pouco de inteligência para aqueles que me
acusam de ser ditatorial”. Segundo Bolsonaro, “o pessoal geralmente conspira
para chegar ao poder”, mas “eu já estou no poder, eu já sou presidente”. E
concluiu: “Então eu estou conspirando contra quem, meu Deus do céu?”.
De fato,
Bolsonaro já está no poder, conferido a ele pelos eleitores no pleito de 2018. A
questão é que esse poder Bolsonaro não quer, não só porque, no fundo, sabe
que não tem a menor ideia de como exercê-lo, tamanho é seu despreparo,
mas principalmente porque é um poder regulado pela Constituição e limitado
pelos freios e contrapesos institucionais. Um presidente “pode muito,
mas não pode tudo”, como disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso
de Mello, ao criticar a convocação, feita por Bolsonaro, de protestos contra o
Congresso, em fevereiro. Ou seja, já naquela ocasião, o presidente deixava
explícito que não pretendia se submeter aos controles constitucionais,
pois, em sua visão, sua Presidência é “o povo no poder”, como bradou aos seus
seguidores no domingo passado. Depreende-se que Bolsonaro almeja presidir um
regime plebiscitário, em que a voz do que ele chama de “povo” se impõe como
a lei, tendo o presidente como zeloso intérprete, submetendo todos os
demais Poderes a seu tacão.
JAIR BOLSONARO Tosse ao discursar em manifestação golpista em Brasília, domingo, 19 de abril de 2020 |
Os
problemas são sempre fruto de tramoias
Nesse
regime dos sonhos bolsonaristas, nem o tal “povo” nem o presidente da República
são responsáveis pelos problemas do País; estes são sempre fruto das tramoias
dos demais Poderes, que se recusam a satisfazer a vontade do “povo” e são
vistos como inimigos que tramam para usurpar o poder conferido ao presidente
nas urnas. Não à toa, Bolsonaro vive a invocar a possibilidade de sofrer
impeachment, quase como se estivesse a desejá-lo, para servir como “prova”
da tal conspiração.
Que
poder, de fato, deseja Bolsonaro
O poder que
Bolsonaro almeja, portanto, é aquele exercido sem que tenha de prestar conta
às demais instituições democráticas - que permanecem em funcionamento, mas
sem condições objetivas de cumprirem suas funções. Nem é preciso ir muito longe
no tempo para encontrar exemplos desse tipo de regime - a Venezuela do
ditador Hugo Chávez é o caso mais bem acabado de uma autocracia construída sem
a necessidade de um golpe formal.
Vejam, só, o que Jair Bolsonaro, sim, ele mesmo, diz sobre Hugo Chávez e o comunismo. E os fanáticos levam ele a sério quando vê comunistas em todo canto! |
Bolsonaro
elogiou Chávez e quer imitá-lo
Não deve
ser mero acaso que em 1999 o então deputado Bolsonaro tenha rasgado elogios
ao caudilho venezuelano, dizendo que Chávez, “uma esperança para a
América Latina”, faria “o que os militares fizeram no Brasil em 1964,
com muito mais força”.
Como
ensinou Chávez, a construção do poder discricionário demanda uma democracia
de fachada, com eleições regulares e Parlamento em funcionamento, enquanto
as estruturas democráticas vão sendo carcomidas. A imprensa livre é sufocada
e a oposição é constrangida pela máquina de destruição de reputações. Já o
Judiciário é tomado por governistas, transformando-se em pesadelo dos
dissidentes do regime. Assim, estão dadas as condições para que a Constituição
se torne letra morta.
É evidente
que tal empreendimento deve ser contido já em seus primórdios. O Congresso faz
sua parte quando impede Bolsonaro de aprovar medidas inconstitucionais e quando
investiga a militância virtual bolsonarista que atua febrilmente para
constranger os opositores do presidente.
Do mesmo
modo, é alentador observar que o Supremo Tribunal Federal também está
vigilante. Agora mesmo, por meio do ministro Alexandre de Moraes, atendeu ao
pedido da Procuradoria-Geral da República e mandou abrir inquérito para
saber quem organizou o ato antidemocrático do qual o presidente Bolsonaro
participou animadamente no fim de semana. O ministro teve que lembrar que a
Constituição “não permite o financiamento e a propagação de ideias
contrárias à ordem constitucional e ao Estado democrático, nem tampouco a
realização de manifestações visando o rompimento do Estado de Direito”.
Essa investigação deve ir até o fim, dando nome e sobrenome aos liberticidas -
seja qual for o cargo que ocupem ou o poder que tenham - e estes devem ser
punidos de acordo com a lei.
Bolsonaro vai agir
como na “velha” política
Um pastor da Universal do Reino de
Deus na chefia da Câmara dos Deputados
Esse
é o plano do Planalto para
fevereiro de 2021
Vera Rosa
Deputado Federal Marcos Pereira (Republicanos) |
A
estratégia do presidente Jair Bolsonaro para formar uma base de sustentação
parlamentar passa pela eleição para o comando da Câmara, hoje nas mãos de
Rodrigo Maia (DEM-RJ), seu desafeto. Ao tentar atrair o Centrão com a oferta
de cargos – que vão de diretorias do Banco do Nordeste a secretarias em
ministérios –, Bolsonaro também procura construir uma candidatura à sucessão de
Maia.
Nos
bastidores, o presidente se movimenta para impulsionar a campanha do deputado Marcos Pereira (SP) nessa disputa,
marcada para fevereiro de 2021. Vice-presidente da Câmara, Pereira comanda o Republicanos,
partido que recentemente abrigou o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos
Bolsonaro, ambos do Rio. Os dois se filiaram temporariamente, enquanto o
Aliança pelo Brasil não consegue as assinaturas suficientes para sair do papel.
Pastor
licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Pereira é
um dos postulantes do Centrão ao comando da Câmara. A bancada evangélica leva hoje o título de principal
avalista de Bolsonaro no Congresso. Outro candidato que conta com a simpatia
do presidente é o deputado Arthur Lira (AL), líder do PP e réu em
processo por corrupção passiva. A ideia de Bolsonaro é observar, mais adiante,
qual dos dois será fiel a seu projeto e terá mais viabilidade.
Deputado Federal Arthur Lira (PP - Alagoas) |
Maia e o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não poderão concorrer à
reeleição, se não houver mudanças de regras. Motivo: a Constituição impede que
os presidentes da Câmara e do Senado sejam reconduzidos aos cargos na mesma
legislatura. Antes da crise do coronavírus, no entanto, havia uma articulação
nesse sentido, principalmente por parte de Alcolumbre, que encomendou até
parecer jurídico. Bolsonaro, por sua vez, está convencido de que precisa
construir uma alternativa a Maia. Cabe ao presidente da Câmara autorizar ou
não a tramitação de qualquer pedido de impeachment na Casa.
Quem
diria, o famoso “toma lá, dá cá”
Em outra
frente para buscar apoio, o Planalto decidiu apressar a entrega de cargos a
partidos do Centrão, como mostrou o O Estado de S. Paulo. Bolsonaro
impôs, porém, um filtro: os indicados não podem ter trabalhado em
administrações do PT. Além disso, o Planalto vai monitorar as redes sociais de
todos. [Isso é patrulhamento ideológico e cerceamento
de liberdade de expressão, se eu não me engano!]
O DEM
perderá o comando da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e
da Parnaíba (Codevasf), que deve ser entregue ao PP de Lira e do senador
Ciro Nogueira (PI). Pelo acerto dos últimos dias, o PL de Valdemar
Costa Neto ficará com o Banco do Nordeste. [Vejam
só as companhias com as quais se coloca Bolsonaro!] O governo também
prometeu ao partido de Valdemar a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária,
cargo que formula estratégias de combate ao coronavírus. O Republicanos, por
sua vez, poderá ocupar uma secretaria no Ministério do Desenvolvimento
Regional. Pereira foi ministro da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços na gestão de Michel Temer.
Bolsonaro
fará nova rodada de conversas nos próximos dias. Nesta quarta-feira, ele
receberá o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB. Amanhã a
audiência será com o prefeito de Salvador, ACM Neto, que dirige o DEM.
No domingo,
porém, ao participar de manifestação que defendia o fechamento do Congresso e
do Supremo Tribunal Federal, o presidente atacou o que chamou de velha
política. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil”,
disse ele, em cima da caçamba de uma caminhonete, diante do Quartel-General do
Exército. [E os apoiadores fanáticos e cegos
acreditaram, é claro!]
Para o
deputado Efraim Filho (PB), líder do DEM na Câmara, as divergências devem ser
arquivadas neste momento. “Falar em intervenção militar, por um lado, e
impeachment, por outro, é um desserviço para o Brasil. Já temos crise de saúde,
crise econômica e uma nova crise política não seria bem-vinda”, afirmou.
“Precisamos de um pacto de união nacional para enfrentar a covid-19. Não é hora
de disputa política nem de discursos agressivos”, avaliou Baleia.