Sexta-feira da Paixão de Jesus – Homilia
Evangelho: João 18,1–19,42
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a leitura do Evangelho:
José María Castillo
Teólogo
espanhol
O que, de fato, celebramos
hoje
A Sexta-feira Santa é o dia em que
a Igreja recorda a paixão e morte de Jesus. Porém, acontece que essa recordação
pode-se fazer de duas formas:
a) uma recordação
“ritual”, mediante “ritos”,
b) ou uma recordação
“existencial”, mediante a própria “existência”, isto é, “a própria vida”.
Como bem sabemos, a Igreja optou
de modo preferencial pela “recordação ritual”. Por isso, hoje, quando nas
igrejas, paróquias e conventos, se recorda a paixão e morte de Jesus isso se
faz mediante um “rito religioso” no qual se lê a paixão junto a uma série de
orações, cantos e outros ritos. Inclusive, as celebrações que se fazem nas
ruas de cidades e vilarejos, irmandades, tradições religiosas..., tudo isso,
não são senão rituais religiosos transladados ao âmbito do profano.
Pois bem, a primeira coisa que,
hoje, deveríamos ter presente é que a morte de Jesus, tal como de fato aconteceu,
não foi um rito religioso, mas a execução de uma sentença legal
contra um delinquente. Como é sabido, a morte na cruz era “o suplício
mais cruel e mais ignominioso” (Cícero), que se aplicava somente a escravos
e a quem não era cidadão romano (ou os que eram condenados por “alta traição”).
Jesus não morreu no Templo, nem
sobre o altar, nem segundo um ritual sagrado. A morte de Jesus foi algo de mais
vergonhoso, exclusivo e humilhante que possamos imaginar. Abandonado por todos,
desprezado pelos Sumos Sacerdotes, desamparado por Deus (Mt 27,46 paralelos;
cf. Sl 22,2). Jesus morreu “fora da porta” (Hb 13,12) da cidade santa,
o que implica que ali não podia haver ritual sagrado algum, mas um autêntico “opróbrio”
(Hb 13,13).
Porém, na história da teologia
cristã produziu-se um fenômeno de perversão inimaginável. Os cristãos
converteram a “humilhação da cruz” na “exaltação do Crucificado”.
Isto se explica porque na Igreja coexistem dois modelos de teologia:
1) a “teologia
especulativa”, que tem sua origem e sua elaboração básica em São Paulo;
2) a “teologia
narrativa”, que é a própria dos evangelhos.
O que ocorreu é que Paulo não
conheceu o Jesus terreno, mas somente o Cristo Ressuscitado (Gl 1,11-16; 1Cor
9,1; 15,8; 2Cor 4,6; At 9,1-19; 26,9-18). A história de Jesus não preocupou
Paulo (2Cor 5,16). Por isso, Paulo, que fala tanto do Crucificado, nunca se
perguntou nem com quem o crucificou, nem por que o crucificaram.
Nas ideias de Paulo, quem tomou a decisão da morte de Cristo na cruz foi Deus,
que assim “condenou o pecado em sua carne” (Rm 8,3).
Assim, a história se converteu em
teologia especulativa. E as “exigências evangélicas” ficaram reduzidas a
“rituais sagrados”.
Por outro lado, na cultura do
Império romano, dizer que se acreditava em um “Deus crucificado”
representava uma contradição tão repugnante, que Paulo, para explicar sua
fé no Crucificado, teve de lançar mão de argumentos tomados da teologia do “sacrifício”
e da “expiação”, segundo o Antigo Testamento (Rm 3,15. 18-20; 8,3; Gl
3,13; 2Cor 5,21).
Por isso, a teologia cristã da
morte de Cristo é, basicamente, uma “teologia especulativa”, na qual se
explica essa morte como “redenção de nossos pecados”, ficando a “teologia
narrativa” da morte de Jesus como tema para os estudiosos da história e da
exegese. E como argumento para a espiritualidade dos fiéis.
O fato é que, o grande relato da
dor, do fracasso e da morte de Jesus não é determinante para a vida de
milhões de cristãos. Por quê? Porque recordamos esse relato vivenciando-o
como um ritual. E, aqui, é decisivo ter presente que “os ritos condensam todo o
sistema de signos de uma religião”. Com isso, afirma-se que o tipo de
comportamento, ao qual leva diretamente a religião, é o “rito”, não é o “ethos”,
ou seja, a conduta, a vida moral e honrada.
Por quê? Porque “os ritos são ações
que, devido ao rigor e à exatidão na observância das normas, constituem um fim
em si”. Por isso que, quando a fé se centra na observância dos ritos, essa
fé se traduz no “regulamentado”, no “ordenado”, o que se contrapõe ao caos.
Porém, isso não leva necessariamente ao seguimento daquele que carrega a cruz,
como nos deixou dito Jesus (Mc 8,31ss paralelos; 9,31ss e paralelos; 10,33ss e
paralelos).
Os observantes gananciosos,
ambiciosos, invejosos e, até violentos são demasiados na Igreja e no mundo.
É o triste espetáculo que, com frequência, oferece esta Igreja a qual, apesar
disso, amamos. Porque foi ela que nos conservou a “memória subversiva” da
dor de Deus em todos os que sofrem.
Traduzido do espanhol por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
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