Questão de vida ou morte

Um salve aos brasileiros

Edu Lyra
Presidente da ONG Gerando Falcões, foi selecionado como um dos jovens brasileiros
que podem ajudar a mudar o mundo pelo Fórum Econômico Mundial

Sem RENDA MÍNIMA, a ordem social será roubada
em consequência da fome
Edu Lyra _1975
EDU LYRA

Nós temos um inimigo comum a todos os brasileiros: a Covid-19. O vírus não tem como alvo somente a classe média e alta. Pelo contrário, está entrando nas favelas, subindo os morros e deixando um rastro de fome e desespero.

Segundo o Instituto Locomotiva, 49% dos moradores das favelas são autônomos. Vão para o corre todo dia para trazer o que comer à noite. Pedreiros, manicures, cabeleireiras, vendedores ambulantes etc. Se não trabalham, não têm dinheiro para alimentar as suas famílias. E há os desempregados, infelizmente em grande número.

A cultura de poupar não faz parte da realidade das favelas. Não há dinheiro de reserva.
Dado isso, é preciso alertar. Se nada for feito de grande, envolvendo governos, iniciativa privada e sociedade — como a criação de uma RENDA MÍNIMA — haverá uma “hecatombe” social nas favelas nos próximos dias. A ordem social será roubada em consequência da fome.

Uma pessoa que tem o hábito de almoçar ao meio-dia e, por alguma razão, almoça às 14h, fica com o sistema nervoso alterado. Imagine quem já está ou ficará um dia inteiro sem se alimentar. Imagine o pai de família vendo seus filhos pequenos pedindo leite, pão e não poder sair de casa para produzir e trazer o alimento. O que ele fará? Não quero trazer medo. Quero dar uma injeção de realidade.
Promessas descumpridas à favela de Paraisópolis vão de parque a metrô
Favela de Paraisópolis - São Paulo (capital)

Minha defesa não é contra a recomendação médica de não sair de casa. Mas, se o Brasil quer que a favela faça isolamento social por mais alguns dias, precisa suportar os mais pobres com uma renda mínima. Para as pessoas não perderem a dignidade e, como consequência, a sanidade mental.

Do nosso lado, na Gerando Falcões, ONG que fundei na periferia há sete anos, criamos um Fundo Emergencial, que conta com o apoio de muitos empresários, como Jorge Paulo Lemann, Abilio Diniz, Rubens Menin, Eugênio Mattar, Pedro Bueno, Alexandre Beringh e Olavo Setubal, entre outros.

Estamos em uma campanha digital para todo brasileiro doar. Temos já R$ 8 milhões e vamos distribuir o apoio por meio de um cartão de alimentação recarregável em mais de 70 favelas. Neste momento, as famílias estão sendo cadastradas e já na próxima semana serão atendidas.

Até o momento temos recurso para atender quase 100 mil pessoas. Este é um exemplo do que pode ser feito em escala pelos governos e pela sociedade.

Com todo respeito, aqui vai um puxão de orelha nos nossos governantes. Vejo a classe política do nosso país brigando entre si. Numa guerra biológica como a que estamos vivendo, as diferenças ideológicas e partidárias precisam ser colocadas de lado. As pessoas que estão doando ao nosso fundo não me ligam perguntando em quem eu votei. Elas doam.

Eu cresci jogando bola na favela e na periferia. Quando você quer vencer, precisa ter um time unido, do goleiro ao atacante. João Doria, Bolsonaro, Globo, Folha, você, eu, todos fazemos parte do mesmo time e precisamos ir na mesma direção: salvar o Brasil.

Estamos em um labirinto, onde achar a saída não é coisa para iniciante. Somente derrubando muros e construindo pontes vamos chegar lá, sem paixões exacerbadas. Temos que lembrar que vidas estão em jogo. Diante disso, somente o home office não basta. É preciso fazer mais.

Líderes de verdade fazem mais. Na Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill prometeu ao povo sangue, suor e lágrimas, mas todas as semanas seu governo levava um voucher de alimentação aos mais pobres.

Temos que decidir se vamos vencer a guerra matando os mais pobres de fome ou se ofereceremos a eles uma porção da dignidade que existe em nossa mesa todos os dias.

Fonte: Folha de S. Paulo – Tendências / Debates – Quarta-feira, 22 de abril de 2020 – Página A3 – Internet: clique aqui.

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