Verdade seja dita
Confinamento é um luxo inviável para
os mais pobres,
constata um sociólogo
Norberto Paredes
BBC
News Mundo
13-04-2020
Entrevista
com Hamza Esmili
Sociólogo
e professor da Universidade Paris 8 – França
Para o sociólogo francês, o confinamento é um
luxo que não chega
às classes mais pobres, que precisam
continuar trabalhando
para sobreviver
HAMZA ESMILI |
Como
sociólogo e professor da Universidade Paris 8, Hamza Esmili tem se dedicado a
estudar temas como a desigualdade, a radicalização e a marginalização
urbana, que são muito recorrentes nos famosos subúrbios de Paris.
Ele vive no
mais emblemático de todos, Saint-Denis, palco de violentos protestos que
acabaram se espalhando pela França em 2005. À época, a população saiu às ruas
para manifestar insatisfação com o alto desemprego e a brutalidade policial.
Quinze anos
depois, Saint-Denis figura como uma das regiões da França com os mais altos
índices de criminalidade, desemprego e, agora, mortalidade pelo novo
coronavírus. "É como se a vida dos pobres não tivesse nenhum valor",
afirma Esmili em entrevista à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
A pandemia
atingiu com força os franceses e a economia do país. Na semana passada, o Banco
da França anunciou uma queda de 6% no PIB, o pior desempenho trimestral desde
1945. E o número de infectados segue aumentando. Até esta segunda-feira
(13/04), o país havia registrado 133 mil casos da doença e 14 mil mortes.
Eis a
entrevista.
Qual
é a opinião do senhor sobre o confinamento?
Hamza
Esmili: Acredito que obviamente o confinamento é necessário
para frear a pandemia atual. Mas, como sociólogo, vejo que a ideia de
confinamento tem um certo número de pressupostos e não corresponde à realidade.
Especialmente, não corresponde à realidade da população nos bairros mais
pobres.
O
confinamento é um conceito burguês. A ideia é que todos tenhamos uma
casa separada, um pouco burguesa, na qual possamos nos refugiar quando há uma
pandemia ou um desastre natural. Mas nos bairros pobres não vejo nada disso.
Existe uma realidade rodeada de condições insalubres, mas não é só isso. Nesse
tipo de bairro, há casas em que vivem quatro, cinco pessoas por cômodo, por
exemplo.
Há também
moradias que não são habitáveis, onde não é possível ficar ali o dia inteiro porque o
espaço não serve para isso. O problema do confinamento é que ele se baseia numa
espécie de mentira, de que estamos todos confinados. Mas em bairros mais
pobres, como Saint-Denis, muita gente continua trabalhando, já que algumas
fábricas continuam abertas, alguns mercados continuam abertos. O mesmo se passa
com os agentes de segurança.
Tudo isso
tem consequências dramáticas. Hoje, a região de Saint-Denis tem uma das mais
altas taxas de mortalidade da França por causa do vírus.
Como
a população local recebe anúncios do governo de que não deve sair em casa e
deve trabalhar remotamente, se puder?
Hamza
Esmili: Isso não significa nada para eles. É como se você falasse em
um idioma que ninguém entende. Não se traduz no cotidiano de muitas pessoas. Como
você diz a um caixa de mercado para trabalhar remotamente? Como você diz isso a
um vigia?
SAINT DENIS - subúrbio de Paris (França) |
Eles
não têm medo de se infectar?
Hamza
Esmili: Claro que sim. Mas o que é possível ser feito quando se
trabalha em um hospital ou quando se encontra em uma situação em que tem de
alimentar sua família? Hoje, por exemplo, uma caixa de um mercado de
Saint-Denis morreu. No dia anterior, foi um açougueiro que morreu.
As pessoas
morrem porque as circunstâncias as obrigam a continuar trabalhando. Isso gera
medo e raiva ao mesmo tempo, porque muitos se sentem abandonados. É como se
a vida dos pobres não tivesse valor nenhum.
O
senhor acredita ser possível permanecer confinado quando se vive em um bairro
periférico na América Latina, no Sudeste Asiático ou na África?
Hamza
Esmili: O caso brasileiro é ainda mais complicado porque lá o
próprio presidente nega a realidade da pandemia. Em alguns casos, como no
Marrocos, uma realidade que eu conheço bem, o confinamento é extremamente
difícil porque a maioria da população vive de economia informal.
Atualmente,
temos visto manifestações no Líbano, na Tunísia e em países do hemisfério sul,
onde as pessoas falam “sim, o coronavírus mata, mas mata menos que a fome. A
fome mata com certeza”.
O
senhor acha necessário impor punições a quem viola as medidas de confinamento,
como tem sido adotado em alguns países, como a França?
Hamza
Esmili: Acho que essa é uma medida extrema. Há governos que têm
sido inconsistentes no tratamento da crise. Na França, o Estado manteve as
eleições municipais no mesmo momento em que a epidemia ganhava força no país.
Hoje,
sabemos de prefeitos que morreram e pessoas que colaboraram nos
colégios eleitorais também foram afetadas. Contamos com governos que não
sabem como gerenciar a crise e mudam de opinião constantemente. Essas ações têm
cobrado vidas humanas. Punir pessoas, seja por repressão policial, multas ou prisão,
parece grave e extremo para mim.
Comentários
Postar um comentário