Retrato de um Presidente
O
bolsonarismo, o presidente e o vírus
Marco Aurélio Nogueira
Professor
titular de Teoria Política da UNESP
O importante é defender as instituições,
apoiar o sistema de saúde, respaldar as pessoas sensatas
Dias de pandemia
pedem solidariedade, clareza, entendimento. Alimentar o confronto, a
disputa, a politização é contribuir para a disseminação do mal. Exigem-se
ações coordenadas, sintonia, orientação. Nenhum cidadão pode deixar de
contribuir. Teremos de reaprender a viver e quanto antes desarmarmos os
espíritos, melhor.
Jair
Bolsonaro permanece alheio aos sinais do tempo. É
assustador. Seu último discurso à Nação (24/março) foi uma provocação recheada
de platitudes, mentiras e agressões. Nenhuma grandeza, nenhuma generosidade, a
mesma falação colérica de sempre. Em vez de passar confiança, provocou
insegurança. Continuou a radicalizar, a debochar, a fazer pouco-caso, a
atacar. Brigou com as diretrizes sanitárias da própria administração e
aumentou o ruído com os governadores estaduais, em detrimento da unidade
federativa tão necessária. A reação foi forte, mas não houve recuo.
Jogada
política – de olho em 2022
Sua
intervenção não se deve só ao baixo nível e a uma instável condição emocional.
Há cálculo nela. O olhar repousa em 2022 e no esforço para recuperar o
capital político que, a esta altura, está em franca evaporação. É um
cálculo rasteiro, repleto de espasmos de ódio, mesquinharia e paranoia,
narrativa e ideologia. Torpedeia o bom senso, esbofeteia a realidade.
Criar
confusão é um caminho clássico das manobras contra a democracia. Todo
autoritário gosta de respirar o ar da beligerância. Não é diferente com
Bolsonaro. O foco é:
* confundir
a população,
* desorganizar
os sistemas,
* passar
por vítima, para que se fomente a expectativa de que apareça
* a figura
sinistra do “salvador”.
O
presidente parece acuado e se deixa guiar pelas áreas mais extremadas de seu
núcleo principal, o “gabinete do ódio”. Os ministros, salvo uma ou outra
exceção isolada, batem-lhe continência. Fecham-se num mutismo incompreensível,
covarde. Nos bastidores, muito ruído e informações cruzadas, indício de que o
clima ficou pesado.
Os
seguidores de Bolsonaro
Há quem o
aplauda e reverbere suas ideias. São pessoas encolerizadas, que trafegam
pela estrada do irracionalismo. O desleixo e a irresponsabilidade de
Bolsonaro são vistos como prova da disposição de não ceder à pressão dos
políticos, da imprensa e dos interesses internacionais. Suas falas
destrambelhadas e reacionárias são desculpadas em nome da ideia de que “antes
dele era pior”. Pelas redes, o “gabinete do ódio” manda: batam nos governadores
e prefeitos, que estão a causar recessão e desemprego. Os bumbos soam.
Os
eleitores circunstanciais de Bolsonaro, aqueles que nele votaram para derrotar
o PT, já devem ter percebido o engodo em que caíram. Mas os bolsonaristas de
“raiz” permanecem ativos. Gostam do estilo grosseiro de Bolsonaro, o
“mito”. São:
* fanáticos,
*
agressivos,
*
ressentidos,
*
preconceituosos,
* têm profunda
aversão à POLÍTICA e à DEMOCRACIA REPRESENTATIVA.
Manipulação
e mentira: as armas do bolsonarismo
Vale a pena ler e refletir! Editora Vestígio |
O
questionamento da política democrática é uma pérola dos manipuladores do
sentimento popular. Está no miolo da extrema direita atual, encontrando sua
câmara de eco na figura daqueles “engenheiros do caos” tão bem
analisados por Giuliano Da Empoli. Sob a bandeira do iliberalismo
e do autoritarismo reúnem-se populistas, nacionalistas,
ultraconservadores, neonazistas, uma fila imensa de gente com ódio no
coração. Todos falam em combater os políticos, lutar contra a esquerda,
fechar a nação, defender a “pátria” e as pessoas comuns.
O
bolsonarismo emergiu sem base organizada, liderado por um deputado tosco e
inexpressivo. É uma agitação com baixa densidade associativa. Sua
reprodução se dá nas redes. Luta para erguer a Aliança pelo Brasil, uma
incógnita. Está limitado pela:
* ausência
de propostas para o País,
* pela baixa
qualidade de seus quadros,
* por sua escassa
civilidade,
* pelo uso
intensivo da mentira.
O
bolsonarista-raiz é intolerante, tem instinto persecutório e vê
traidores por toda parte, sinal de uma fragilidade psíquica que se traduz
em arrogância. Está também desprovido de pensadores com capacidade de
elaboração intelectual. Vive do combate a inimigos imaginários. São
traços que dificultam a construção partidária e levam ao canibalismo dentro da
própria organização.
A pandemia
é um repto à humanidade e aos diferentes países. Desafia os democratas, que
precisam se articular para agir sobre a vida. Quem chegou ao governo deve
mostrar que sabe enfrentar um quadro de calamidade pública. Até agora, o
bolsonarismo tem sido um fiasco. Seu líder máximo explora uma crise
epidêmica mortífera, indiferente à desgraça da população. Os recorrentes
panelaços dos últimos dias indicam que a base bolsonarista se estreitou e muitos
cidadãos estão escandalizados com a conduta insensata e insensível de Bolsonaro.
Veremos se
essa tendência se confirmará. O importante, agora, é defender as instituições
democráticas, apoiar o sistema de saúde e respaldar governadores e prefeitos,
de Doria a Caiado, que fazem um trabalho de coordenação que Bolsonaro, na ânsia
de tiranete sem preparo, jamais será capaz de fazer.
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