É a vez dos ricos pagarem
Chegou
a hora de o andar de cima colaborar
Paulo Feldmann
Professor
de Economia da USP e ex-presidente da Eletropaulo (1995-1996)
Imposto emergencial de 4% para o 1% mais rico
da população
seria decisivo
PAULO FELDMANN Economista - FEA/USP |
Claro que o
problema mais sério decorrente da pandemia são os doentes e as vidas que estão
indo embora — e que, infelizmente, vai aumentar. Mas o país precisa derrotar
o vírus da Covid-19 com todas as suas forças, inclusive econômicas. E as
projeções sobre a necessidade de recursos ultrapassam os R$ 300 bilhões.
Uma quantia
gigantesca, mas fundamental para melhor equipar nossos hospitais públicos, o
SUS e dotar os mais necessitados e desempregados de alguma renda básica para
sua sobrevivência durante os meses de crise mais aguda. Como resolver essa
questão? Sem esses gastos 2020 já fecharia no vermelho, com um déficit fiscal
previsto em R$ 150 bilhões. Agora, com esse montante adicional, o governo
federal terá um rombo da ordem de meio trilhão de reais. Para resolver o
colapso econômico pós-vírus, teremos que enfrentar alguns anos de recessão.
A
solução para evitarmos uma brutal recessão
A solução
existe e está em se fazer algo que nunca fizemos: taxar a riqueza. Dados
recentemente divulgados pela Receita Federal e Fenafisco
(Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) mostram que a riqueza
total do país — ou seja, patrimônio, imóveis, propriedades, aplicações
financeiras e ações em poder das famílias brasileiras — atinge R$ 16,3
trilhões, sendo que 49% deste valor (R$ 8 trilhões) estão na mão de apenas 1%
das famílias. Um imposto emergencial de 4%, aplicável apenas a essas
famílias super-ricas, conseguiria eliminar todo o rombo acima mencionado.
Alternativa
mais branda seria taxar apenas as aplicações financeiras. Nesse
caso, segundo dado de 2019 divulgado pelo respeitado banco Credit Suisse,
existem no Brasil 259 mil famílias com aplicações superiores a R$ 5 milhões.
São chamadas pelos bancos de famílias milionárias ou super-ricas. Mas, em
média, cada uma dessas famílias possui o dobro deste valor. Se resolvêssemos
taxar apenas essa categoria, e com a mesma alíquota de 4% acima
exemplificada para o patrimônio total, então conseguiríamos arrecadar cerca
de R$ 100 bilhões; ou seja, um terço do que o país vai precisar. Claro, já
seria uma ajuda considerável na guerra contra o vírus.
O Cristo Redentor, no alto do Corcovado, embaixo, uma das favelas cariocas Rio de Janeiro - RJ |
Brasil:
um dos países mais desiguais do mundo
Taxar a
riqueza é algo trivial nos países mais desenvolvidos, e precisamos caminhar
para isso, pois estamos entre as nações mais desiguais do mundo. Da
lista divulgada no último Fórum Econômico Mundial, em janeiro, estamos entre
os dez piores, ao lado de países africanos muito pobres. Aliás, entre esses
países paupérrimos, somos o único que tem alguma importância na economia
mundial.
A proposta
de taxar a riqueza é necessária apesar de a desigualdade nos países ser medida
mais pela renda e menos por propriedade e patrimônio. Mas, quando consideramos
a renda, a situação também é calamitosa: o 1% mais rico da população possui
28% da renda total. Só existe um outro país no mundo com tamanha aberração.
É o Qatar, uma nação pequena de xeiques e emires.
A verdade é
que o Brasil não possui um sistema tributário adequado. Aliás, não fosse
o coronavírus, a discussão da reforma tributária estaria efervescente no
Congresso neste exato momento. Entre as mudanças necessárias está a necessidade
de fazer com que pessoas físicas que possuem lucros em suas empresas ou ganhos
em aplicações financeiras e ações voltem a pagar impostos. Como era antes
de 1996.
Ao taxarmos
os ricos e as grandes fortunas vamos não apenas vencer a guerra contra o novo
coronavírus, mas também evitar o colapso econômico iminente. Chegou a hora
de o andar de cima colaborar.
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