Como viver em tempos de quarentena?
A “vida
normal” que conhecemos
não existe mais
RITA LISAUSKAS
Talvez a gente passe mais alguns meses em
casa,
longe dos nossos familiares e amigos
Desde
pequenos somos ensinados que tempo é dinheiro, pra frente é que se anda, “quem
fica parado é poste”. Por isso nem sempre pudemos dar um tempo para refletir
sobre qual era o melhor caminho a seguir e nem deixar para amanhã o que não
se tinha maturidade para decidir hoje.
A vida
sempre nos impôs pressa e ensinamos essa urgência para os nossos filhos,
mesmo sem perceber. ‘Vai logo’, ‘coloca a roupa rápido’, ‘assim a gente vai se
atrasar’ – são frases que falamos o tempo todo enquanto puxamos as crianças
pela mão, obrigando que apertem o passo e deixem as pequenas descobertas e
prazeres do dia a dia de lado. Só que desde que o coronavírus nos
trancafiou em casa, jogou a chave e o relógio fora e nos presenteou com dias
que são exatamente iguais ao de ontem e idênticos ao de amanhã não temos mais
porque correr com eles. Ir para onde?
Uma freada
brusca pode não ser a forma mais confortável de parar, mas é a única
alternativa quando a morte surge de repente e é avistada a poucos metros do
para-brisa. Essa diminuição abrupta da velocidade tirou de muitos de nós o
sustento e a convivência com quem amamos. Mesmo nessa nova realidade, onde tudo
está em compasso de espera, o corpo insiste em acordar no mesmo horário, os
e-mails chegam e nos impõem prazos, as aulas on-line dos nossos filhos começam
e pedem rotina.
Parte do
mundo quer manter a roda girando como garantia de que daqui a pouco, “quando
tudo isso passar”, poderemos retomar a vida do ponto exato onde paramos. As
crianças de volta à escola reabririam o livro na página 25 enquanto a gente, já
no escritório, planejaria entre uma reunião e outra o próximo happy hour
com os amigos.
Mas nada
nos aponta que a vida volte ao normal, não para aquele ‘normal’ que conhecemos. Talvez a
gente passe meses em casa e sem poder ter contato com nossos familiares e
amigos. Existe a possibilidade de que a gente não tenha mais dinheiro para
pagar as contas todas no final do mês. Eventos e aglomerações em geral como
festinhas, teatros e shows podem ficar um tempão sem entrar na nossa agenda.
A tendência
é que esse ano seja de recolhimento máximo e que a gente tenha que lidar
apenas com nós mesmos e a família mais próxima, nossos filhos, o companheiro,
talvez nossos pais idosos se não houver outra alternativa. Essa possibilidade é
tão angustiante que me parece pior tentar manter a rotina de um tempo que
não existe mais. Mas sei também que, para muitos, conservar os hábitos pode
trazer algum tipo de segurança e de conforto mental.
Dia desses
eu mesma cortei o cabelo do meu filho enquanto ele fantasiava que quando voltar
à escola os amigos estarão todos muito diferentes. Brincamos dizendo que eles
vão ter de se reapresentar uns aos outros, como naquelas reuniões de ex-amigos
do colégio onde a gente até reconhece os rostos, mas não lembra o nome de
ninguém. Depois almoçamos, limpamos a casa, abrimos a janela para entrar um
pouco de ar. Ele me disse que não queria fazer as tarefas pedidas pela escola,
falei que tudo bem. Não temos mais por que ter pressa.
Como
estamos impedidos de sair correndo para a natação, consulta médica, reunião ou
para os muitos compromissos de uma outra segunda-feira qualquer, decidimos que a
boa pedida da tarde era dormir no sofá, algo que a gente não se permitia fazer
há tempos, mas que esse ‘novo normal’ nos impõe como o mais certo a se
fazer agora. Quem diria.
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