O rei está nu!
Bolsonaro
fica nu ao se despir das três bandeiras que o levaram ao poder
Juan Arias
Os próximos dias serão decisivos para saber
se, mais uma vez, a Presidência da República cairá nas mãos do vice-presidente
JAIR BOLSONARO em campanha eleitoral para a Presidência da República - 2018 |
O
presidente de extrema direita Jair Bolsonaro manteve ontem [sexta-feira, 24 de
abril] um duelo histórico com seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que lhe
fez graves acusações de querer interferir na Polícia Federal para ficar a par
de investigações de corrupção sobre sua família.
Ainda é
cedo para saber quais serão as consequências jurídicas e legais sobre tais
acusações, mas o que ficou claro é que Bolsonaro vai ficando nu ao rasgar
durante seu mandato as três grandes bandeiras com as quais se cobriu
durante a campanha e o levaram à vitória.
Primeira
bandeira
Era a luta dura contra a corrupção política que naquela
época envergonhava o país e que o candidato à Presidência jurou combater. Foi
assim que aceitou que o paladino naquele momento de luta contra a corrupção, o
à época juiz da Lava Jato, Sergio Moro, entrasse em seu Governo como um
superministro da Justiça. Foi seu primeiro gol.
Ele foi
perdendo essa bandeira à medida em que foram aparecendo possíveis escândalos
de corrupção dentro de sua própria família [veja reportagens abaixo]. Hoje, Bolsonaro, com sua
Presidência acossada, está se refugiando até mesmo nos velhos deputados que
também estão envolvidos em escândalos de corrupção para que possam salvá-lo de
um possível impeachment no Congresso. E acaba de perder sua melhor espada, o ministro
da Justiça, Moro, que decidiu deixar o Governo e lançar contra ele acusações
tão graves que serão agora analisadas pelo Supremo e podem acabar forçando-o a
renunciar.
Para salvar seu mandato de presidente, Bolsonaro negocia com os líderes do Centrão, entre eles, à esquerda, Gilberto Kassab (PSD-SP), à direita, Valdemar Costa Neto (PL-SP) |
Segunda
bandeira
A segunda
bandeira era a de acabar no Brasil com a chamada velha
política que governava fazendo acordos pouco republicanos com os
deputados oferecendo-lhes cargos e benefícios para conseguir aprovar os
projetos do Governo.
Bolsonaro
havia jurado acabar em seu mandato com aquele velho estilo de governo para
governar “escutando mais o povo” do que os deputados e senadores.
Tal
bandeira, que lhe rendeu muitos votos nas eleições até mesmo de brasileiros que
não gostavam de seu aspecto militar totalitário, mas que estavam aborrecidos
com as tais maneiras de governar de costas às pessoas, foi ao chão. E está
tentando formar uma maioria que nunca teve no Congresso e sem a qual viu que
era impossível governar. E o está fazendo com os métodos da mais rançosa
velha política.
Terceira
bandeira
Resta a
ele, prestes a cair, a última bandeira, a de realizar uma política neoliberal, de menos Brasília e mais
Brasil, menos Estado e mais capital privado. Para essa bandeira
escolheu o economista da Escola de Chicago, o superliberal Paulo Guedes. Uma
bandeira que pretendia reverter a desastrosa política econômica dos governos de
Dilma Rousseff, que deixou 14 milhões de trabalhadores na rua.
Essa
bandeira neoliberal também já está praticamente murcha e a
imprensa fala abertamente que após a saída do popular ministro Moro, já estaria
sendo preparada a saída da estrela econômica Guedes, que teria perdido a
confiança do Presidente que pretende reverter a política econômica para dar
lugar a um populismo que possa ajudá-lo na reeleição.
Ontem foi
significativo que durante seu discurso para responder às acusações de Moro,
durante o qual esteve cercado por todos os outros ministros, o único sem terno
e gravata, de camisa e com a máscara contra o coronavírus, tenha sido
justamente o ministro da Economia. Guedes com a máscara mostrava seu
contraponto ao Presidente, que insiste em minimizar a epidemia e continua
abraçando as pessoas nas ruas e pedindo que tudo volte à vida normal enquanto o
número de mortos já se multiplica em maior proporção do que a Espanha.
Despojado
das três bandeiras que lhe deram a vitória, o Presidente, cujo Governo faz água
por todos os lados, aparece a cada momento mais nu e sozinho. Restam a ele
os ministros generais do Exército cuja reação diante das graves acusações
lançadas por Moro, ninguém ainda sabe se decidirão abrigar o Presidente nu, ou
se farão algum malabarismo para cobrir sua nudez com seu voto de confiança.
Os próximos
dias serão decisivos para saber se, mais uma vez, a Presidência da República
deste país cairá nas mãos do vice-presidente eleito com ele nas urnas que no
Brasil, hoje, é o general Mourão. A última palavra agora será do
Congresso e do Supremo, as duas instituições que podem colocar em andamento o impeachment
de um Presidente da República.
Um momento
que para o Brasil não poderia ser mais crítico, já que o coronavírus, além de a
cada dia levar mais vidas, está produzindo uma grave crise econômica com
milhões de brasileiros que sem poder trabalhar voltam aos anos terríveis da
fome e da miséria.
Polícia Federal identifica Carlos Bolsonaro como
articulador em esquema criminoso
de fake news
Leandro Colon
Investigação
sigilosa é conduzida em inquérito no
STF
(Supremo Tribunal Federal)
O presidente Jair Bolsonaro e seu filho Carlos, vereador do Rio |
Em
inquérito sigiloso conduzido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a Polícia
Federal identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair
Bolsonaro, como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news.
Dentro da
Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor
da PF Maurício Valeixo, homem de confiança do ex-ministro da Justiça Sergio
Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho,
chamado por ele de 02 e vereador do Rio de Janeiro pelo partido Republicanos.
Para o
presidente, tirar Valeixo da direção da PF poderia abrir caminho para obter
informações da investigação do Supremo ou inclusive trocar o grupo de delegados
responsáveis pelo caso.
Um dos
quatro delegados que atuam no inquérito é Igor Romário de Paula, que
coordenou a Lava Jato em Curitiba quando Sergio Moro, agora ex-ministro da
Justiça, era o juiz
da operação.
Valeixo,
diretor da PF demitido por Bolsonaro, foi superintendente da polícia no Paraná
no mesmo período e escalado por Moro para o comando da polícia.
Não à toa,
na sexta-feira (24), logo após Moro anunciar publicamente sua demissão do
Ministério da Justiça, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no
Supremo, determinou que a PF mantenha os delegados no caso.
O inquérito
foi aberto em março do ano passado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para
apurar o uso de notícias falsas para ameaçar e caluniar ministros do tribunal.
Carlos é
investigado sob a suspeita de ser um dos líderes de grupo que monta notícias
falsas e age para intimidar e ameaçar autoridades públicas na internet. A
Polícia Federal também investiga a participação de seu irmão Eduardo Bolsonaro,
deputado federal pelo PSL de SP.
A partir de
depoimentos e indícios já coletados, a PF agora busca um conjunto de provas que
sustente um indiciamento ao fim da investigação.
Procurado
pela Folha por escrito e por telefone, o chefe de gabinete de Carlos
não respondeu aos contatos.
Após a
publicação da reportagem, Carlos compartilhou o texto em uma rede social
acompanhado da seguinte mensagem: "Esquema criminoso de... NOTÍCIAS FALSAS
O nome em si já é uma piada completa! Corrupção, tráfico, lavagem, licitações?
Não! E notaram que nunca falam que notícias seriam essas? É muito mais fácil
apontar manipulação feita pela grande mídia. Matéria lixo!".
O vereador
acrescentou: "Não é necessário esquema de notícia pra falar o que penso
sobre drácula, amante, botafogo, nervosinho, aproveitadores, sabotadores, ou
sobre quem quer que seja! Há quem faça isso, e são aqueles que mais acusam.
Sabemos quem é amiguinho dos jornalistas que direcionam ataques!".
Provável chefe da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, passou Réveillon de 2019 com Carlos Bolsonaro |
Para o
lugar de Valeixo, no comando da PF, Bolsonaro escolheu Alexandre Ramagem,
hoje diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Ramagem é
amigo de Carlos Bolsonaro, exatamente um dos alvos do inquérito da PF que
tramita no STF. [Que bela “transparência” e “combate”
à corrupção que esse governo tem, não é mesmo?!]
Os dois se
aproximaram durante a campanha eleitoral de 2018, quando Ramagem atuou no
comando da segurança do então candidato presidencial Bolsonaro após a facada
que ele sofreu em Juiz de Fora (MG).
Carlos foi
quem convenceu o pai a indicar Ramagem para o lugar de Valeixo. Os dois
ficaram ainda mais próximos quando Ramagem teve cargo de assessor especial no
Planalto nos primeiros meses de governo. Carlos é apontado como o mentor do
chamado “gabinete do ódio”, instalado no Planalto para detratar adversários
políticos.
Segundo
aliados de Moro, ao mesmo tempo que a PF avançava sobre o inquérito das fake
news, Bolsonaro aumentava a pressão para trocar Valeixo.
“O MP está preparando uma pica do
tamanho de um cometa para empurrar na gente”
Sérgio Ramalho
Rachadinha de Flávio Bolsonaro financiou
prédios ilegais da milícia no Rio, mostra investigação do MP
FLÁVIO BOLSONARO Senador pelo Rio de Janeiro (Republicanos) |
FLÁVIO
BOLSONARO FINANCIOU e lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela
milícia usando dinheiro público. É o que mostram documentos sigilosos e dados
levantados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro aos quais o Intercept
teve acesso. A investigação preocupa a família Bolsonaro – os advogados
do senador já pediram por nove vezes que o procedimento seja suspenso.
O
investimento para as edificações levantadas por três construtoras foi feito com
dinheiro de “rachadinha”, coletado no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na
Assembleia Legislativa do Rio, como afirmam promotores e investigadores sob
a condição de anonimato. O andamento das investigações que fecham o cerco
contra o filho de Jair Bolsonaro é um dos motivos para que o presidente tenha
pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da Polícia
Federal no Rio, que também investiga o caso, e em Brasília.
O inquérito do Ministério Público do Rio, que apura fatos de organização
criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público) pelo
filho de Bolsonaro segue em sigilo. O Intercept teve acesso à íntegra da
investigação. Os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o
cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no
esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os
dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos
prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo
ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – executado em fevereiro – e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.
O
esquema funcionaria assim:
* Flávio Bolsonaro
pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
* A partir
daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de
rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e
repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega,
apontado como chefe do Escritório do Crime, uma
milícia especializada em assassinatos por encomenda.
* A
organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio
na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino
de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.
* As duas
favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na zona
oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares
nos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a
outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos.
* O lucro
com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio
Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema
usando dinheiro público.
Condecorado
por Flávio Bolsonaro com a Medalha Tiradentes, principal honraria do Rio, o ex-caveira
Adriano da Nóbrega foi morto a tiros em fevereiro em um controverso cerco
policial no interior da Bahia com indícios de queima de arquivo. Foragido da
Justiça, o ex-capitão estava escondido no sítio de um vereador bolsonarista.
Os diversos celulares do miliciano ainda aguardam por perícia.
As
investigações do Ministério Público (MP) revelaram que os repasses da
rachadinha chegavam às mãos do capitão Adriano por meio de contas usadas por
sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, e sua esposa, Danielle da Costa Nóbrega.
As duas ocupavam cargos comissionados no gabinete do deputado na Alerj entre
2016 e 2017. Ambas nomeadas por Queiroz, amigo do ex-capitão dos tempos
de 18º batalhão da Polícia Militar, Jacarepaguá.
Segundo o MP,
a mãe e a mulher de Adriano movimentaram ao menos R$ 1,1 milhão no período
analisado pela investigação, amealhado com o esquema de rachadinha por meio
de contas bancárias e repasses em dinheiro a empresas, dentre as quais dois
restaurantes, uma loja de material de construção e três pequenas construtoras.
Com sede em
Rio das Pedras, as construtoras São Felipe Construção Civil Eireli, São
Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ foram registradas,
segundo o MP, em nome de “laranjas” do Escritório do Crime. O dinheiro então
chegava aos canteiros de obras ilegais por meio de repasses feitos pelo
ex-capitão aos laranjas das empresas.
Trecho de interceptação detalha registro da construtora em nome de laranja |
O papel de
“investidor” nas construções da milícia ajudaria a explicar a evolução
patrimonial de Flávio Bolsonaro, que teve um salto entre os anos de 2015 e 2017
com a aquisição de dois apartamentos: um no bairro de Laranjeiras e outro em
Copacabana, ambos na zona sul do Rio. Os investimentos também permitiram a
compra de participação societária numa franquia da loja de chocolates
Kopenhagen.
Flávio
entrou na vida política em 2002, com apenas um carro Gol 1.0, declarado por R$
25,5 mil. Na última declaração de bens, de 2018, o senador disse ter R$ 1,74
milhão. A elevação patrimonial coincide com o período em que a mãe e a mulher
do ex-capitão estavam nomeadas em seu gabinete.
O
papel de Adriano
A ligação
do ex-capitão com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização
em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as
execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na
noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos
telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os
promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de
terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim,
multiplicando seus lucros.
Adriano
da Nóbrega e dois outros oficiais da PM integrantes do grupo – o tenente
reformado, Maurício da Silva Costa, e o major Ronald Paulo Alves Pereira – usaram,
segundo os promotores, nomes de moradores de Rio das Pedras para registrar as
construtoras na junta comercial do Rio de Janeiro. A estratégia de usar
“laranjas”, segundo o MP, foi adotada para tentar dar legitimidade às
atividades do Escritório do Crime na construção civil.
A
descoberta foi usada pelos promotores como base para a abertura do inquérito
que resultou na Operação Intocáveis – nome escolhido numa
referência às patentes de oficiais da Polícia Militar ostentadas pelos chefes
da organização criminosa. A ação contra a milícia foi coordenada pelo Grupo de
Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP, o Gaeco, e desencadeada,
em janeiro de 2019, como forma de fechar o cerco à milícia suspeita de
arregimentar os assassinos da vereadora do PSOL. Na ocasião, o ex-capitão
Adriano e outros 12 suspeitos tiveram as prisões decretadas.
Trecho da denúncia cita a milícia de Adriano, construções e empresas em nome de laranjas |
Dados do
inquérito a que tive acesso comprovam que Adriano, Costa e Pereira eram os
“donos ocultos” das construtoras ConstruRioMZ, São Felipe Construção Civil e
São Jorge Construção Civil. As três empresas foram registradas na junta
comercial no segundo semestre de 2018, respectivamente, em nome Isamar Moura,
Benedito Aurélio Carvalho e Gerardo Mascarenhas, conhecido como Pirata. Os
três “laranjas” foram presos na operação policial, juntamente com os oficiais
da PM Costa e Pereira.
Numa das
interceptações, o miliciano Manoel de Brito Batista,
que atuava como uma espécie de gerente das obras, alerta em tom ameaçador a um
interlocutor que o questiona sobre um prédio recém erguido na favela Rio das
Pedras: “Eu tenho oito apartamentos naquele prédio, o resto é tudo do Adriano e
do Maurício. Entendeu? Você procura eles e fala com eles, entendeu? Não adianta
ficar me mandando mensagem”. Batista também foi preso na Operação Intocáveis.
Manoel era o síndico dos negócios no ramo imobiliário |
Na denúncia
do MP, Batista é citado como responsável pela supervisão dos canteiros de
obras e pela negociação de imóveis. Numa das escutas telefônicas, ele
oferece um andar inteiro num prédio recém erguido por 60 parcelas de R$ 4 mil.
Valor previamente acertado com o ex-capitão Adriano, ora tratado por
“Gordinho”, ora por “Patrãozão”, apelidos captados nas investigações da
rachadinha e das execuções de Marielle e Anderson.
Trecho de conversa entre Manoel e Adriano |
Era Adriano
que definia preços, condições de pagamentos e, em muitos dos casos, fazia a
cobrança dos valores diretamente aos compradores e inquilinos. Não há na
investigação uma estimativa dos lucros obtidos pela milícia no ramo
imobiliário, mas o preço médio dos apartamentos, com dois quartos, sala,
banheiro e cozinha nas duas favelas gira em torno de R$ 100 mil.
Planilhas
apreendidas durante a operação policial num imóvel usado como sede do
Escritório do Crime, o Moradas do Itanhangá, indicavam retiradas
semanais feitas pelo ex-capitão e também pelo tenente reformado Maurício e pelo
o major Ronald, também amigo de Flávio Bolsonaro. Além de ser o responsável
pela contabilidade do grupo, Ronald também foi homenageado por Flávio
Bolsonaro com uma menção honrosa em 2004. Em várias conversas gravadas pelo
MP, o major aparece combinando de se encontrar com Batista para “bater” as
contas no fim da semana.
Major Ronald mantinha planilhas contábeis, com repasses de dinheiro para Adriano, plantas de prédios e outros documentos relacionados às construções ilegais |
“O
MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”
A frase,
acima, de Queiroz foi dita em áudios de WhatsApp
divulgados pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo em outubro.
Desde então, muito se especulou a que ele se referia. Investigadores
ouvidos pela reportagem acreditam que Queiroz sabia que o inquérito tinha
identificado o uso do dinheiro desviado no esquema de rachadinha para financiar
o boom de construções ilegais na Muzema e em Rio das Pedras, comunidade
onde Fabrício Queiroz se refugiou em dezembro
de 2018, como revelam as quebras de sigilos telefônicos e telemáticos.
Na opinião
de envolvidos na investigação da rachadinha, a conclusão do cruzamento de
dados financeiros dos 86 citados no inquérito, dentre eles o atual senador
Flávio Bolsonaro, vai ser capaz de comprovar os crimes, entre eles lavagem
de dinheiro. E, assim, explicar a suspeita evolução patrimonial do
primeiro-filho e, sobretudo, justificar a movimentação do senador para tentar a
todo custo paralisar o trabalho dos promotores.
Item 29 revela que o crime de lavagem de dinheiro está sendo apurado em procedimento específico no inquérito da rachadinha do então deputado Flávio Bolsonaro |
Antes da
publicação da reportagem, o Ministério Público foi consultado formalmente sobre
as investigações relacionadas ao uso de parte dos recursos obtidos com o
esquema de rachadinha no gabinete do ex-deputado no financiamento de
construções da milícia. Por e-mail, a assessoria de imprensa do órgão confirmou
a existência dos procedimentos investigatórios que serviram de base para a
reportagem. Disse o MPRJ: “após consulta junto às coordenações dos grupos com
atribuição nas investigações”, foi informado que os procedimentos encontram-se
com sigilo decretado, razão pela qual as questões enviadas pela reportagem não
poderiam ser elucidadas.
Resposta do Ministério Público por e-mail aos questionamentos da reportagem confirmando a existência da investigação |
Nas redes
sociais e nas poucas entrevistas em que falou sobre o esquema de rachadinha, Flávio
Bolsonaro afirma ser vítima de perseguição da imprensa e critica o vazamento de
informações do processo, que está sob segredo de justiça. O político também
afirma não ter conhecimento sobre o fracionamento de salários de seus
funcionários. Procurado pelo Intercept, o senador não se manifestou.
O filho 01
chegou a atribuir a responsabilidade das supostas irregularidades a Queiroz,
que teve identificados 438 transferências e depósitos em suas contas,
totalizando cerca de R$ 7 milhões entre os anos de 2014 e 2017.
Queiroz
também fez depósitos regulares de cheques e em dinheiro em contas do
primeiro-filho e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que numa
das operações recebeu R$ 24 mil. Na ocasião, o presidente disse que o valor era
parte de um empréstimo de R$ 40 mil que teria feito ao ex-assessor parlamentar
e amigo. Para os investigadores, apenas a conclusão do inquérito permitirá o
esclarecimento do fluxo de dinheiro, mas a decisão sobre o prosseguimento da
investigação depende dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio, que
suspenderam os julgamentos devido à pandemia de coronavírus.
Desde o
início da investigação, em outubro de 2018, o trabalho dos promotores foi
suspenso três vezes, atendendo à defesa de Flávio Bolsonaro. Ao todo,
os advogados impetraram nove pedidos no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal
de Justiça do Rio, alegando que as quebras de sigilo bancário e fiscal do então
deputado estadual não poderiam ter sido concedidas por um juiz de primeira
instância. Medo de que alguém descobrisse que nem só de chocolate é feito o
milionário patrimônio do senador que entrou na vida política em 2002 com um
Gol 1.0 e um sobrenome influente.
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