«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 26 de abril de 2020

O rei está nu!

Bolsonaro fica nu ao se despir das três bandeiras que o levaram ao poder

Juan Arias

Os próximos dias serão decisivos para saber se, mais uma vez, a Presidência da República cairá nas mãos do vice-presidente
Bolsonaro nega ter usado dinheiro público em sua campanha à ...
JAIR BOLSONARO
em campanha eleitoral para a Presidência da República - 2018

O presidente de extrema direita Jair Bolsonaro manteve ontem [sexta-feira, 24 de abril] um duelo histórico com seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que lhe fez graves acusações de querer interferir na Polícia Federal para ficar a par de investigações de corrupção sobre sua família.

Ainda é cedo para saber quais serão as consequências jurídicas e legais sobre tais acusações, mas o que ficou claro é que Bolsonaro vai ficando nu ao rasgar durante seu mandato as três grandes bandeiras com as quais se cobriu durante a campanha e o levaram à vitória.

Primeira bandeira

Era a luta dura contra a corrupção política que naquela época envergonhava o país e que o candidato à Presidência jurou combater. Foi assim que aceitou que o paladino naquele momento de luta contra a corrupção, o à época juiz da Lava Jato, Sergio Moro, entrasse em seu Governo como um superministro da Justiça. Foi seu primeiro gol.

Ele foi perdendo essa bandeira à medida em que foram aparecendo possíveis escândalos de corrupção dentro de sua própria família [veja reportagens abaixo]. Hoje, Bolsonaro, com sua Presidência acossada, está se refugiando até mesmo nos velhos deputados que também estão envolvidos em escândalos de corrupção para que possam salvá-lo de um possível impeachment no Congresso. E acaba de perder sua melhor espada, o ministro da Justiça, Moro, que decidiu deixar o Governo e lançar contra ele acusações tão graves que serão agora analisadas pelo Supremo e podem acabar forçando-o a renunciar.
Para salvar mandato, Bolsonaro negocia com líderes do Centrão ...
Para salvar seu mandato de presidente, Bolsonaro negocia com os líderes do Centrão, entre eles,
à esquerda, Gilberto Kassab (PSD-SP), à direita, Valdemar Costa Neto (PL-SP)

Segunda bandeira

A segunda bandeira era a de acabar no Brasil com a chamada velha política que governava fazendo acordos pouco republicanos com os deputados oferecendo-lhes cargos e benefícios para conseguir aprovar os projetos do Governo.

Bolsonaro havia jurado acabar em seu mandato com aquele velho estilo de governo para governar “escutando mais o povo” do que os deputados e senadores.

Tal bandeira, que lhe rendeu muitos votos nas eleições até mesmo de brasileiros que não gostavam de seu aspecto militar totalitário, mas que estavam aborrecidos com as tais maneiras de governar de costas às pessoas, foi ao chão. E está tentando formar uma maioria que nunca teve no Congresso e sem a qual viu que era impossível governar. E o está fazendo com os métodos da mais rançosa velha política.

Terceira bandeira

Resta a ele, prestes a cair, a última bandeira, a de realizar uma política neoliberal, de menos Brasília e mais Brasil, menos Estado e mais capital privado. Para essa bandeira escolheu o economista da Escola de Chicago, o superliberal Paulo Guedes. Uma bandeira que pretendia reverter a desastrosa política econômica dos governos de Dilma Rousseff, que deixou 14 milhões de trabalhadores na rua.

Essa bandeira neoliberal também já está praticamente murcha e a imprensa fala abertamente que após a saída do popular ministro Moro, já estaria sendo preparada a saída da estrela econômica Guedes, que teria perdido a confiança do Presidente que pretende reverter a política econômica para dar lugar a um populismo que possa ajudá-lo na reeleição.

Ontem foi significativo que durante seu discurso para responder às acusações de Moro, durante o qual esteve cercado por todos os outros ministros, o único sem terno e gravata, de camisa e com a máscara contra o coronavírus, tenha sido justamente o ministro da Economia. Guedes com a máscara mostrava seu contraponto ao Presidente, que insiste em minimizar a epidemia e continua abraçando as pessoas nas ruas e pedindo que tudo volte à vida normal enquanto o número de mortos já se multiplica em maior proporção do que a Espanha.

Despojado das três bandeiras que lhe deram a vitória, o Presidente, cujo Governo faz água por todos os lados, aparece a cada momento mais nu e sozinho. Restam a ele os ministros generais do Exército cuja reação diante das graves acusações lançadas por Moro, ninguém ainda sabe se decidirão abrigar o Presidente nu, ou se farão algum malabarismo para cobrir sua nudez com seu voto de confiança.

Os próximos dias serão decisivos para saber se, mais uma vez, a Presidência da República deste país cairá nas mãos do vice-presidente eleito com ele nas urnas que no Brasil, hoje, é o general Mourão. A última palavra agora será do Congresso e do Supremo, as duas instituições que podem colocar em andamento o impeachment de um Presidente da República.

Um momento que para o Brasil não poderia ser mais crítico, já que o coronavírus, além de a cada dia levar mais vidas, está produzindo uma grave crise econômica com milhões de brasileiros que sem poder trabalhar voltam aos anos terríveis da fome e da miséria.

Polícia Federal identifica Carlos Bolsonaro como articulador em esquema criminoso 
de fake news

Leandro Colon

Investigação sigilosa é conduzida em inquérito no
STF (Supremo Tribunal Federal)
O presidente Jair Bolsonaro e seu filho Carlos, vereador do Rio
O presidente Jair Bolsonaro e seu filho Carlos, vereador do Rio

Em inquérito sigiloso conduzido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a Polícia Federal identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, como um dos articuladores de um esquema criminoso de fake news.

Dentro da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho, chamado por ele de 02 e vereador do Rio de Janeiro pelo partido Republicanos.

Para o presidente, tirar Valeixo da direção da PF poderia abrir caminho para obter informações da investigação do Supremo ou inclusive trocar o grupo de delegados responsáveis pelo caso.

Um dos quatro delegados que atuam no inquérito é Igor Romário de Paula, que coordenou a Lava Jato em Curitiba quando Sergio Moro, agora ex-ministro da Justiça, era o juiz da operação.

Valeixo, diretor da PF demitido por Bolsonaro, foi superintendente da polícia no Paraná no mesmo período e escalado por Moro para o comando da polícia.

Não à toa, na sexta-feira (24), logo após Moro anunciar publicamente sua demissão do Ministério da Justiça, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo, determinou que a PF mantenha os delegados no caso.

O inquérito foi aberto em março do ano passado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para apurar o uso de notícias falsas para ameaçar e caluniar ministros do tribunal.

Carlos é investigado sob a suspeita de ser um dos líderes de grupo que monta notícias falsas e age para intimidar e ameaçar autoridades públicas na internet. A Polícia Federal também investiga a participação de seu irmão Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de SP.

A partir de depoimentos e indícios já coletados, a PF agora busca um conjunto de provas que sustente um indiciamento ao fim da investigação.

Procurado pela Folha por escrito e por telefone, o chefe de gabinete de Carlos não respondeu aos contatos.

Após a publicação da reportagem, Carlos compartilhou o texto em uma rede social acompanhado da seguinte mensagem: "Esquema criminoso de... NOTÍCIAS FALSAS O nome em si já é uma piada completa! Corrupção, tráfico, lavagem, licitações? Não! E notaram que nunca falam que notícias seriam essas? É muito mais fácil apontar manipulação feita pela grande mídia. Matéria lixo!".

O vereador acrescentou: "Não é necessário esquema de notícia pra falar o que penso sobre drácula, amante, botafogo, nervosinho, aproveitadores, sabotadores, ou sobre quem quer que seja! Há quem faça isso, e são aqueles que mais acusam. Sabemos quem é amiguinho dos jornalistas que direcionam ataques!".
Provável chefe da PF passou Réveillon de 2019 com Carlos Bolsonaro
Provável chefe da Polícia Federal, Alexandre Ramagem,
passou Réveillon de 2019 com Carlos Bolsonaro

Para o lugar de Valeixo, no comando da PF, Bolsonaro escolheu Alexandre Ramagem, hoje diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Ramagem é amigo de Carlos Bolsonaro, exatamente um dos alvos do inquérito da PF que tramita no STF. [Que bela “transparência” e “combate” à corrupção que esse governo tem, não é mesmo?!]

Os dois se aproximaram durante a campanha eleitoral de 2018, quando Ramagem atuou no comando da segurança do então candidato presidencial Bolsonaro após a facada que ele sofreu em Juiz de Fora (MG).

Carlos foi quem convenceu o pai a indicar Ramagem para o lugar de Valeixo. Os dois ficaram ainda mais próximos quando Ramagem teve cargo de assessor especial no Planalto nos primeiros meses de governo. Carlos é apontado como o mentor do chamado “gabinete do ódio”, instalado no Planalto para detratar adversários políticos.

Segundo aliados de Moro, ao mesmo tempo que a PF avançava sobre o inquérito das fake news, Bolsonaro aumentava a pressão para trocar Valeixo.

“O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”

Sérgio Ramalho

Rachadinha de Flávio Bolsonaro financiou prédios ilegais da milícia no Rio, mostra investigação do MP
Senador Flávio Bolsonaro durante cerimônia de posse do novo Ministro da Saúde Nelson Teich, no dia 17 de abril.
FLÁVIO BOLSONARO
Senador pelo Rio de Janeiro (Republicanos)

FLÁVIO BOLSONARO FINANCIOU e lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público. É o que mostram documentos sigilosos e dados levantados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro aos quais o Intercept teve acesso. A investigação preocupa a família Bolsonaro – os advogados do senador já pediram por nove vezes que o procedimento seja suspenso.

O investimento para as edificações levantadas por três construtoras foi feito com dinheiro de “rachadinha”, coletado no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, como afirmam promotores e investigadores sob a condição de anonimato. O andamento das investigações que fecham o cerco contra o filho de Jair Bolsonaro é um dos motivos para que o presidente tenha pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da Polícia Federal no Rio, que também investiga o caso, e em Brasília.

O inquérito do Ministério Público do Rio, que apura fatos de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público) pelo filho de Bolsonaro segue em sigilo. O Intercept teve acesso à íntegra da investigação. Os investigadores dizem que chegaram à conclusão com o cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia. Os dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – executado em fevereiro – e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.
 
O esquema funcionaria assim:

* Flávio Bolsonaro pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

* A partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda.

* A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.

* As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares nos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos.

* O lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público.

Condecorado por Flávio Bolsonaro com a Medalha Tiradentes, principal honraria do Rio, o ex-caveira Adriano da Nóbrega foi morto a tiros em fevereiro em um controverso cerco policial no interior da Bahia com indícios de queima de arquivo. Foragido da Justiça, o ex-capitão estava escondido no sítio de um vereador bolsonarista. Os diversos celulares do miliciano ainda aguardam por perícia.

As investigações do Ministério Público (MP) revelaram que os repasses da rachadinha chegavam às mãos do capitão Adriano por meio de contas usadas por sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, e sua esposa, Danielle da Costa Nóbrega. As duas ocupavam cargos comissionados no gabinete do deputado na Alerj entre 2016 e 2017. Ambas nomeadas por Queiroz, amigo do ex-capitão dos tempos de 18º batalhão da Polícia Militar, Jacarepaguá.

Segundo o MP, a mãe e a mulher de Adriano movimentaram ao menos R$ 1,1 milhão no período analisado pela investigação, amealhado com o esquema de rachadinha por meio de contas bancárias e repasses em dinheiro a empresas, dentre as quais dois restaurantes, uma loja de material de construção e três pequenas construtoras.

Com sede em Rio das Pedras, as construtoras São Felipe Construção Civil Eireli, São Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ foram registradas, segundo o MP, em nome de “laranjas” do Escritório do Crime. O dinheiro então chegava aos canteiros de obras ilegais por meio de repasses feitos pelo ex-capitão aos laranjas das empresas.
Trecho de interceptação detalha registro da construtora em nome de laranja

O papel de “investidor” nas construções da milícia ajudaria a explicar a evolução patrimonial de Flávio Bolsonaro, que teve um salto entre os anos de 2015 e 2017 com a aquisição de dois apartamentos: um no bairro de Laranjeiras e outro em Copacabana, ambos na zona sul do Rio. Os investimentos também permitiram a compra de participação societária numa franquia da loja de chocolates Kopenhagen.

Flávio entrou na vida política em 2002, com apenas um carro Gol 1.0, declarado por R$ 25,5 mil. Na última declaração de bens, de 2018, o senador disse ter R$ 1,74 milhão. A elevação patrimonial coincide com o período em que a mãe e a mulher do ex-capitão estavam nomeadas em seu gabinete.

O papel de Adriano

A ligação do ex-capitão com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros.

Adriano da Nóbrega e dois outros oficiais da PM integrantes do grupo – o tenente reformado, Maurício da Silva Costa, e o major Ronald Paulo Alves Pereira – usaram, segundo os promotores, nomes de moradores de Rio das Pedras para registrar as construtoras na junta comercial do Rio de Janeiro. A estratégia de usar “laranjas”, segundo o MP, foi adotada para tentar dar legitimidade às atividades do Escritório do Crime na construção civil.

A descoberta foi usada pelos promotores como base para a abertura do inquérito que resultou na Operação Intocáveis – nome escolhido numa referência às patentes de oficiais da Polícia Militar ostentadas pelos chefes da organização criminosa. A ação contra a milícia foi coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP, o Gaeco, e desencadeada, em janeiro de 2019, como forma de fechar o cerco à milícia suspeita de arregimentar os assassinos da vereadora do PSOL. Na ocasião, o ex-capitão Adriano e outros 12 suspeitos tiveram as prisões decretadas.
Trecho da denúncia cita a milícia de Adriano, construções e empresas em nome de laranjas

Dados do inquérito a que tive acesso comprovam que Adriano, Costa e Pereira eram os “donos ocultos” das construtoras ConstruRioMZ, São Felipe Construção Civil e São Jorge Construção Civil. As três empresas foram registradas na junta comercial no segundo semestre de 2018, respectivamente, em nome Isamar Moura, Benedito Aurélio Carvalho e Gerardo Mascarenhas, conhecido como Pirata. Os três “laranjas” foram presos na operação policial, juntamente com os oficiais da PM Costa e Pereira.

Numa das interceptações, o miliciano Manoel de Brito Batista, que atuava como uma espécie de gerente das obras, alerta em tom ameaçador a um interlocutor que o questiona sobre um prédio recém erguido na favela Rio das Pedras: “Eu tenho oito apartamentos naquele prédio, o resto é tudo do Adriano e do Maurício. Entendeu? Você procura eles e fala com eles, entendeu? Não adianta ficar me mandando mensagem”. Batista também foi preso na Operação Intocáveis.
Manoel era o síndico dos negócios no ramo imobiliário

Na denúncia do MP, Batista é citado como responsável pela supervisão dos canteiros de obras e pela negociação de imóveis. Numa das escutas telefônicas, ele oferece um andar inteiro num prédio recém erguido por 60 parcelas de R$ 4 mil. Valor previamente acertado com o ex-capitão Adriano, ora tratado por “Gordinho”, ora por “Patrãozão”, apelidos captados nas investigações da rachadinha e das execuções de Marielle e Anderson.
Trecho de conversa entre Manoel e Adriano

Era Adriano que definia preços, condições de pagamentos e, em muitos dos casos, fazia a cobrança dos valores diretamente aos compradores e inquilinos. Não há na investigação uma estimativa dos lucros obtidos pela milícia no ramo imobiliário, mas o preço médio dos apartamentos, com dois quartos, sala, banheiro e cozinha nas duas favelas gira em torno de R$ 100 mil.

Planilhas apreendidas durante a operação policial num imóvel usado como sede do Escritório do Crime, o Moradas do Itanhangá, indicavam retiradas semanais feitas pelo ex-capitão e também pelo tenente reformado Maurício e pelo o major Ronald, também amigo de Flávio Bolsonaro. Além de ser o responsável pela contabilidade do grupo, Ronald também foi homenageado por Flávio Bolsonaro com uma menção honrosa em 2004. Em várias conversas gravadas pelo MP, o major aparece combinando de se encontrar com Batista para “bater” as contas no fim da semana.
Major Ronald mantinha planilhas contábeis, com repasses de dinheiro para Adriano, plantas de prédios e outros documentos relacionados às construções ilegais

“O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”

A frase, acima, de Queiroz foi dita em áudios de WhatsApp divulgados pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo em outubro. Desde então, muito se especulou a que ele se referia. Investigadores ouvidos pela reportagem acreditam que Queiroz sabia que o inquérito tinha identificado o uso do dinheiro desviado no esquema de rachadinha para financiar o boom de construções ilegais na Muzema e em Rio das Pedras, comunidade onde Fabrício Queiroz se refugiou em dezembro de 2018, como revelam as quebras de sigilos telefônicos e telemáticos.

Na opinião de envolvidos na investigação da rachadinha, a conclusão do cruzamento de dados financeiros dos 86 citados no inquérito, dentre eles o atual senador Flávio Bolsonaro, vai ser capaz de comprovar os crimes, entre eles lavagem de dinheiro. E, assim, explicar a suspeita evolução patrimonial do primeiro-filho e, sobretudo, justificar a movimentação do senador para tentar a todo custo paralisar o trabalho dos promotores.
Item 29 revela que o crime de lavagem de dinheiro está sendo apurado em procedimento específico no inquérito da rachadinha do então deputado Flávio Bolsonaro

Antes da publicação da reportagem, o Ministério Público foi consultado formalmente sobre as investigações relacionadas ao uso de parte dos recursos obtidos com o esquema de rachadinha no gabinete do ex-deputado no financiamento de construções da milícia. Por e-mail, a assessoria de imprensa do órgão confirmou a existência dos procedimentos investigatórios que serviram de base para a reportagem. Disse o MPRJ: “após consulta junto às coordenações dos grupos com atribuição nas investigações”, foi informado que os procedimentos encontram-se com sigilo decretado, razão pela qual as questões enviadas pela reportagem não poderiam ser elucidadas.
Resposta do Ministério Público por e-mail aos questionamentos da reportagem
confirmando a existência da investigação

Nas redes sociais e nas poucas entrevistas em que falou sobre o esquema de rachadinha, Flávio Bolsonaro afirma ser vítima de perseguição da imprensa e critica o vazamento de informações do processo, que está sob segredo de justiça. O político também afirma não ter conhecimento sobre o fracionamento de salários de seus funcionários. Procurado pelo Intercept, o senador não se manifestou.

O filho 01 chegou a atribuir a responsabilidade das supostas irregularidades a Queiroz, que teve identificados 438 transferências e depósitos em suas contas, totalizando cerca de R$ 7 milhões entre os anos de 2014 e 2017.

Queiroz também fez depósitos regulares de cheques e em dinheiro em contas do primeiro-filho e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que numa das operações recebeu R$ 24 mil. Na ocasião, o presidente disse que o valor era parte de um empréstimo de R$ 40 mil que teria feito ao ex-assessor parlamentar e amigo. Para os investigadores, apenas a conclusão do inquérito permitirá o esclarecimento do fluxo de dinheiro, mas a decisão sobre o prosseguimento da investigação depende dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio, que suspenderam os julgamentos devido à pandemia de coronavírus.

Desde o início da investigação, em outubro de 2018, o trabalho dos promotores foi suspenso três vezes, atendendo à defesa de Flávio Bolsonaro. Ao todo, os advogados impetraram nove pedidos no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Rio, alegando que as quebras de sigilo bancário e fiscal do então deputado estadual não poderiam ter sido concedidas por um juiz de primeira instância. Medo de que alguém descobrisse que nem só de chocolate é feito o milionário patrimônio do senador que entrou na vida política em 2002 com um Gol 1.0 e um sobrenome influente.

Fontes: El País – Brasil – Opinião / Coluna – Publicado em 25 de abril de 2020 – Às 10h31 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui; Folha de S. Paulo – Poder / Governo Bolsonaro – Sábado, 25 de abril de 2020 – Publicado às 16h31 – Atualizado às 22h03 – Internet: clique aqui; The Intercept Brasil – Sábado, 25 de abril de 2020 – Publicado às 7h30 – Internet: clique aqui.

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