O mundo após o coronavírus
“A
globalização está morta e enterrada:
a
distância social será a regra”
Eugenio Occorso
Jornal
«La Repubblica» - Roma (Itália)
29-03-2020
Entrevista
com Jeremy Rifkin
Economista,
Escritor e Cientista Social norte-americano – autor de vários best-sellers
A hora é de aproveitar a oportunidade dessa
trágica pausa
para repensar nosso modelo de desenvolvimento
JEREMY RIFKIN |
“Bom,
chegamos à redução de energias fósseis e CO2 na atmosfera que venho pregando há
anos. Garanto-lhe que teria preferido muito chegar lá por outras vias”. Jeremy
Rifkin encontra um momento de amarga autoironia, o guru mundial da economia
aplicada à ecologia. Ele imediatamente explica seu pensamento: “Espero que
você e sua família estejam bem. Esta é uma enorme tragédia que nos deixa
consternados. Quando a carnificina terminar, enfrentaremos uma crise
econômica sem precedentes”.
Enquanto
conversamos com o professor, trancado em sua casa hiperconectada em Washington,
as agências superaram a previsão da Morgan Stanley para o PIB dos EUA: menos 30%
no segundo trimestre.
Eis a
entrevista.
Não
apenas nada será como antes, mas nunca voltaremos à normalidade, escreveu o
diretor do Mit Technology Review, Gideon Lichfield. Você concorda?
Jeremy
Rifkin: Definitivamente, sim. Teremos que estudar novas
modalidades de comportamento, estudo, trabalho, vida social, para manter
sempre uma distância segura uns dos outros. Teatros, estádios, cinemas, aviões
terão que ser repensados novamente, para que abriguem menos pessoas e menos
aglomeradas. Eu vou além. Enquanto a pesquisa de vacinas continua, é necessária
uma triagem global. Os dados deverão ser armazenados com alguma forma de
proteção de privacidade em uma plataforma blockchain à disposição das
autoridades internacionais.
No momento,
devemos nos resignar: o vírus permanecerá entre nós e, como o bloqueio
não pode ser mantido para sempre para não dobrar definitivamente a economia
mundial, teremos que esperar por alguma remissão para reabrir (parcialmente) as
portas, resignando-nos a fechá-las rapidamente assim que as terapias intensivas
do hospital sinalizarem um anômalo aumento de acessos. Mas a revolução terá
que ir além, redesenhando a governança mundial.
É o
Waterloo da globalização?
Jeremy
Rifkin: Assim como a conhecemos, está morta e enterrada. Devemos nos
familiarizar com o termo glocal. Estou envolvido em um projeto da União
Europeia propedêutico do Green Deal da Presidente Ursula von der Leyen: as Bio-regiões,
também áreas supranacionais com particular homogeneidade e vocação
industrial, agrícola, cultural. Estamos delineando as fronteiras para aprimorar
as atividades, as produções e as trocas internas. É claro que, visto que as
tecnologias o permitem, com o máximo de conexões com o resto do mundo.
A área
teste é Hauts-de-France, a espinha dorsal de Lyon até Dunquerque, um
histórico rust belt (cinturão industrial) a ser destinado a um
desenvolvimento industrial mais moderno. Já temos resultados favoráveis em
termos de investimentos. Outras áreas estão na Holanda e em Luxemburgo. Nos
últimos dias estávamos focando na Itália. A propósito: estou pensando nas
afinidades entre a Lombardia e a Suíça, quais bio-regiões você identificaria,
que diferença existe além do clima entre norte e sul?
Região de Hauts-de-France em destaque e pormenores, no alto, canto direito, vê-se a localização da região no interior da França |
Nasce
o nacionalismo ecológico?
Jeremy
Rifkin: As instituições políticas permanecem na plenitude de seus
poderes. Exceto pelo fato de que são acompanhadas por um comitê de
especialistas que vive na área, 300 pessoas, incluindo acadêmicos,
sindicalistas, pessoas da cultura e estudantes. Eles têm dez meses para fazer
as propostas. A presidente von der Leyen estava prestes a tornar público o
projeto quando fomos atingidos pelos eventos. Também há um plano semelhante nos
Estados Unidos: há cinco bio-regiões aqui, dos grandes lagos do norte ao
deserto da Califórnia. Temos dificuldades óbvias com a Casa Branca, mas o
divisor de águas foi cruzado com a eleição em novembro de 2018 de Alexandria
Ocasio-Cortez, determinada como apenas os jovens sabem ser, com um grupo de
seguidores muito forte em sua faixa etária.
Aproveitar
a oportunidade dessa trágica pausa para repensar nosso modelo de
desenvolvimento?
Jeremy
Rifkin: Na história, as transformações de época sempre foram
precedidas por epidemias desastrosas, incluindo a revolução industrial do
início do século XIX e para trás ao longo dos séculos. Toda vez se pensa nos
erros cometidos. Aqui, para não me repetir, o erro, vamos chamá-lo assim para
não usar termos mais apocalípticos, se chama mudança climática.
Os eventos extremos - incêndios, inundações, maremotos, secas, carestias -
ocorrem com periodicidade plurianual e não a cada cinquenta anos, como no
passado. E sempre envolvem uma fuga e uma migração desorganizada de homens,
animais e vírus: estes últimos, para sobreviver, se prendem
desesperadamente nos outros seres vivos e, assim, se disseminam pelo mundo.
Não
devemos mais viajar?
Jeremy
Rifkin: Estou falando de fugas em massa. Mas, pensando sobre isso:
você sabe com as teleconferências quanto se economiza em viagens de
negócios, poluição, estresse e tempo tirado da família? Voltamos sempre ao
ponto básico: o homem deve diminuir o desperdício e o consumo de
combustíveis fósseis. Não sou tão ingênuo a ponto de pensar que a mudança
ocorrerá em tempos imediatos, mas os horizontes temporais começam a se
estreitar, digamos que ainda temos vinte anos.
Não
se corre o risco de decrescimento?
Jeremy
Rifkin: Não pensem no empobrecimento generalizado, mas no contrário.
A virada dos fundos de pensão de retirar centenas de bilhões de dólares dos
investimentos do setor de combustíveis fósseis e indústrias relacionadas para
reinvesti-los na economia verde, marca o advento da era do capitalismo
social.
Agora temos
essa amarga oportunidade: era melhor não a ter, mas vamos tentar aproveitá-la.
Todas as revoluções industriais foram caracterizadas pela disponibilidade de
meios de comunicação, tecnologias e fontes de energia. Se em 1800 havia a
prensa de tipos móveis, hoje temos a web, e a mesma tecnologia nos
fornece mil recursos, da Internet das coisas à digitalização de fontes
renováveis. Nada será mais como antes, tentemos fazer com que seja melhor.
Traduzido
do italiano por Luisa Rabolini.
Comentários
Postar um comentário