Escandaloso!
A insensatez dos planos de saúde
Mário Scheffer
Professor
do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
Nem o coronavírus detém a sanha dos PLANOS DE
SAÚDE de
tirar proveito das circunstâncias
Num esforço
solidário sem precedentes, boa parte dos brasileiros acatou o afastamento
social para frear o coronavírus e tentar evitar o colapso dos nossos hospitais.
Ao custo humano do isolamento somam-se escolas fechadas, empregos perdidos e
salários cortados, além da corrida do Sistema Único de Saúde (SUS) para
readequar serviços, sabidamente precários e insuficientes, e coordenar a
vigilância epidemiológica, as instituições de pesquisa e a produção de insumos.
Enquanto o
sacrifício aflige amplos setores da vida nacional, é insensata a
movimentação dos planos de saúde, que ganharam do governo Bolsonaro pacote
de recursos no valor de aproximadamente R$ 15 bilhões.
O segmento de saúde suplementar, que em
2019 faturou R$ 213,5 bilhões, ainda não expôs ao país o que planeja para
enfrentar a Covid-19.
Muitos dos
47 milhões de seus consumidores, dentre os quais 6,5 milhões com mais de 60
anos, estarão infectados. Calcula-se que até 15% dos diagnosticados possam
demandar internação e, desses, cerca de 5%, irão precisar de terapia intensiva.
Como sempre
foi, muita gente que tem plano privado será atendida em hospital público. Isso porque há planos com
restrições de coberturas e serviços de má qualidade perto do que é oferecido
pelo SUS, ao qual todos os brasileiros podem recorrer — e que vem se
organizando diante do avanço da pandemia, investindo em hospitais de campanha e
ampliação de leitos, inclusive de UTI.
Como
é bom ser empresa privada no Brasil:
Mesmo
assim, os planos de saúde foram:
a)
autorizados a mobilizar R$ 10,5 bilhões do fundo garantidor, composto
por ativos próprios, antes intactos para proteger usuários, hospitais e médicos
diante da insolvência de operadoras.
b) Também
foram desobrigados de compor reservas e garantias, entre elas recursos
para assegurar o ressarcimento ao SUS, quando seus clientes são atendidos
na rede pública.
Para
liberar os saques, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) exige
contrapartidas genéricas e extemporâneas: os planos devem “pagar regularmente
os prestadores” e “oferecer renegociações de contratos” até o dia 30 de junho,
data burocrática sem sincronia com a situação sanitária. Ao não vincular as
retiradas à ampliação da assistência, e sem definir como se dará a reposição ao
fundo, as medidas da ANS soam como cheque em branco.
Agora,
ajudar quem necessita nem pensar:
Recomendações
para proteger indivíduos, famílias e empregadores com mensalidades em atraso
foram desconsideradas. Já se ouve de porta-vozes do setor que os reajustes
serão maiores nos próximos aniversários dos contratos.
Além de
aliviar o caixa das operadoras, a ANS decidiu adiar consultas, exames e
internações não urgentes. Postergar prazos de atendimento pode piorar o estado
de doentes que necessitam programar e realizar tratamentos e cirurgias. Sem
acesso a consultas médicas agendadas, pacientes tendem a buscar emergências de
hospitais, nas quais o risco de contaminação é elevado.
As
flexibilidades não param por aí. Em linhas de crédito, o BNDES liberou R$ 2
bilhões para empresas da saúde, enquanto a Caixa Econômica Federal repassará R$
5 bilhões a hospitais filantrópicos, que também atendem convênios médicos.
DR. MÁRIO SCHEFFER |
Não
é de acreditar:
Escandalosamente,
o volume de recursos adicionais à disposição da saúde privada já é muito
superior ao total destinado ao Ministério da Saúde para combater a nova doença.
[Como se vê, a quem este governo federal serve??? Ao
pobre, ao paciente do SUS??? Tá!!!]
Vários
países determinaram, enquanto dura a pandemia, o uso comum de recursos
assistenciais, subordinando o setor privado ao comando único público. No
Brasil, o acesso de quem tem plano privado a serviços de saúde não tem como
critério a gravidade dos casos. E clientes de planos mais baratos são
atendidos em hospitais menos prestigiosos. A emergência sanitária não rompeu
barreiras prejudiciais ao melhor atendimento.
A liberação
de tanto dinheiro para ajudar empresários não têm como perspectiva uma rede
integrada de assistência com escala adequada para salvar vidas de todos. Por
aqui, nem o coronavírus detém a sanha dos planos de
saúde de tirar proveito das circunstâncias.
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