Isolamento social é coisa de rico?
Você
precisa saber
Carlos Pereira
O “medo da morte” relativiza as preocupações
com
as potenciais perdas econômicas
CARLOS PEREIRA |
Tem ganhado
força a interpretação de que a política de isolamento social, preconizada pela
Organização Mundial da Saúde e implementada pelos governadores dos estados,
estaria sendo primordialmente apoiada por aquelas pessoas que teriam recursos
financeiros para se manter confortavelmente em quarentena. A pressuposição,
inclusive reverberada pelo presidente Bolsonaro, é a de que seria mais fácil
para o grupo social de maior renda priorizar os cuidados com a saúde e
relegar os problemas econômicos gerados pela pandemia para segundo plano.
Por outro
lado, as famílias com rendimentos mais baixos, que dependem de rendas do
trabalho e/ou de transferências governamentais, seriam mais vulneráveis e,
portanto, necessitariam voltar mais cedo às suas atividades profissionais e
apresentariam assim maior resistência a manutenção do isolamento social. Na
realidade, as famílias menos abastadas já estariam sendo atingidas pela crise.
Muitos não teriam recursos para alimentação, aluguel, remédios etc. Sabem
que seus empregos, casas, negócios, estariam em risco iminente, especialmente o
setor de serviços, onde as famílias mais pobres e de menor qualificação estão
mais empregadas. Por isso, prefeririam enfrentar o risco de serem contaminados
pelo vírus e voltar ao trabalho.
Será que
este aparente antagonismo em relação ao isolamento social é realmente baseado
nas diferenças de renda ou risco de prejuízo econômico? Para responder essas
perguntas, eu e meus colegas Amanda Medeiros e Frederico Bertholini fizemos uma
pesquisa de opinião, com o apoio do jornal O Estado de S. Paulo. O
questionário foi divulgado nas redes sociais, em especial pelo WhatsApp, entre
os dias 28 de março a 04 de abril. A amostra total foi de 7.848 respostas
válidas.
A grande
maioria dos respondentes que se auto identificam como de esquerda,
centro-esquerda e centro discordaram da atuação de Bolsonaro durante a pandemia
e aprovaram o isolamento social.
Resolvemos, portanto, concentrar a análise apenas no segmento onde
observamos variância de opiniões, entre os respondentes que se auto identificam
como centro-direita e direita. Será que o nível de renda ajuda a explicar as
diferenças de opinião?
A Figura 1 mostra que, ao contrário da expectativa de
que as pessoas com diferentes faixas de renda deveriam exibir distintos padrões
de apoio a política de isolamento social, a diferença entre as médias das
distintas faixas de renda não é estatisticamente diferente. Ou seja, pelo menos
até a semana que os dados foram coletados, a sociedade não está cindida pela
renda. Os mais pobres e os mais ricos ainda estão no mesmo barco,
apoiando majoritariamente o isolamento social e se opondo a recomendação do
presidente de volta ao trabalho.
Correlação entre renda e apoio ao isolamento social |
O que dizer
dos potenciais prejuízos econômicos gerados pela política de isolamento social?
A Figura 2 mostra a distribuição dos distintos
níveis de prejuízo econômico em função do apoio à flexibilização do isolamento
social pelo presidente, correlacionada com o conhecimento de pessoas infectadas
pela Covid-19 e seus respectivos graus de gravidade.
Enquanto os
que não conhecem pessoas contaminadas (linha escura) chegam a apoiar a política
do presidente e identificam risco de grande prejuízo econômico como
consequência isolamento social, os que conhecem pessoas que se contaminaram
e que vieram a falecer (linha amarela) não apresentam variação em relação aos
níveis de prejuízo econômico. Em outras palavras, a gravidade da
contaminação que eventualmente venha a gerar óbito, leva as pessoas a minimizar
as potencias perdas econômicas que o isolamento social possa vir a lhes
proporcionar.
Fonte: O
Estado de S. Paulo – Política / Colunista – Segunda-feira, 20 de
abril de 2020 – Página A5 – Internet: clique aqui.
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