É Pentecostes...
Pentecostes:
em tempo de Páscoa morre
o
velho para surgir o novo!
Dom Mauro
Morelli
Bispo
emérito da Diocese de Duque de Caxias – RJ
“Vigiai e orai, tempo difícil pela frente,
nada fácil morrer o velho, nem fácil será o parto do novo. Vigiai e orai! Eis
que uma cidade nova vai surgir livre de reis, soldados e sacerdotes, de templos
e altares”
No dia dos
pães sem fermento Jesus pôs-se à mesa com os apóstolos e disse: “Ardentemente
desejei comer convosco esta ceia pascal, antes de padecer” (Lc 22, 15-16).
Aos nove de
Abril de 2020, reinando o coronavírus no Império da Pandemia, em São Roque
de Minas, na Serra da Canastra, a cidade deserta, em quarentena, estando
este ancião com o pastor mais jovem e titular da extensa paróquia, sentados na
varanda de nossa casa para a oração do louvor vespertino, eis que alguém com
três toques nos chama ao portão.
Para nossa
surpresa, Jesus de Nazaré, com sandálias nos pés e cajado de peregrino,
mochila nas costas, foi logo dizendo: «A paz esteja com vocês! Mais do que
nunca desejo, antes de padecer, celebrar a Páscoa com meu povo. Ouço seu clamor
e sinto sua angústia no meio dos alaridos e contorções da própria Terra ferida
pela ganância desmedida que transforma alimento em vil moeda, gerando peste,
fome e guerra.»
Sentando-se
à mesa conosco, depois de um bom café com pão de queijo, com olhar penetrante e
voz firme, mas suave para nos encorajar, quase confidenciando, retomou a
palavra: «Não tenham medo de celebrar a Páscoa... sem povo, vigiai comigo e
orai. Virão tempos difíceis pela frente com muito sofrimento e morte, mas uma
nova manhã vai raiar em que mães não mais vão chorar a morte de seus filhos,
mas dançar de alegria pois criança não mais morrerá criança e chegará aos cem
anos com o vigor da juventude (Is 65,17-21).
Vigiai e
orai, tempo difícil pela frente, nada fácil morrer o velho, nem fácil será o
parto do novo. O povo está disperso e desunido; o pão anda escasso
e o cálice vazio; cadeias amarram a liberdade; a vida de
tantas formas ameaçada; a paz, no mundo profundamente abalada. Nos
vales e planícies, não se ouvem mais os cânticos da vida, mas gemidos da fome e
gritos dos cárceres do terror.
Vigiai e
orai! Eis que uma cidade nova vai surgir livre de reis, soldados e sacerdotes,
de templos e altares (Apocalipse 21). No Quilombo do Brasil,
como em outras repúblicas e impérios, não mais fome, miséria, violência e morte
que jorram da Ordem e Progresso que sustentam e alimentam tirania, concentração
de poder e riqueza, desperdício e miséria!
Neste
século XXI, da minha era, em novo Pentecostes a Vida em Comunhão vai
renascer. Sempre a caminho, o Povo peregrino abençoará o pão e fará a
partilha nas casas ou em tendas à margem da estrada. Vai levantar e caminhar em
cada manhã em busca da Terra Prometida onde tudo e todos estarão conectados em
rede fraterna e solidária, o lobo e o cordeiro bebendo na mesma fonte.
Pelas
portas dos templos que novamente se abrem, ecoarão gemidos e cantilenas
delirantes da agonizante Velha Matrona, outrora revestida de pompa e poder,
prestígio e glória, com a Tríplice Coroa, com escudos e títulos de nobreza.
Pobres pescadores transformados em nobres e príncipes, dominando sobre reis e
até sobre a consciência dos povos como se pudessem possuir a Verdade que é
maior do que o Universo!
Eis que
surge uma menina subindo a escadaria do templo, sentando-se pelos degraus sem
pressa, olhando formigas e insetos, encantada com os pássaros e contente com
suas perguntas sobre tudo que encontra no caminho ou voando pelos ares.
Assim será
meu povo, simples como criança, incapaz de viver sem colo e sem mão amiga,
sempre querendo saber a razão das coisas que lhe apresentam. Sem
senhores e soberanos, errando ou trocando passos, não fazem distinção de classe
ou raça. Todos se revestem da mesma dignidade, como ministros e servidores
da vida.
Superando
barreiras e preconceitos, com hinos de louvor, proclamam que no seio da Terra
as sementes da Verdade, lançadas na vastidão do mundo, desabrocham em flores e
frutos, na vida de peregrinos de outros caminhos. No dom do Espírito não
adoram ídolos, nem se curvam diante do poder do ouro e da vaidade. Na força
do Espírito expulsam os demônios da magia, do poder e da riqueza.
O povo
peregrino não é dono de nada, não ajunta tesouros, repartindo o pão com a
criança, o jovem e o idoso. Acredita que a saúde e a vida das crianças, de todo
mundo, é o lucro do trabalho. O primeiro lugar pertence ao pequeno e ao
fraco, ao doente e ao idoso. Meu povo acredita que tem a posse da terra,
dádiva divina, quem nela trabalha para o sustento da vida.»
Em
silêncio, ficamos contemplando o sol se pondo sobre a Canastra, com uma prece: Fica
conosco, Peregrino do Amor Misericordioso! Na noite daquele mesmo dia,
éramos não mais do que doze tomando assento à mesa, no esplendor das luzes e no
vazio do templo, para dar início à celebração do Solene Tríduo Pascal. Pela
porta aberta do templo, na montanha elevado, água pura foi jorrando em cascata,
ladeira abaixo, a terra fecundando. Em festa da Vida transformou o jardim da
agonia.
No vale
florido, aves revoaram, paralíticos saltaram, famintos foram saciados e
prisioneiros com alegria a liberdade aclamaram, no coro do povo em fraternidade
reunido. Entre pequenos e simples, prostitutas e publicanos, pescadores e
feirantes, o cântico de Belém foi de novo entoado: Glória a Deus nas alturas e
paz na terra ao povo muito amado!
A semente
da mostarda, em muitas sementes transformada, pelo mundo foi se alastrando. De
várias raças e línguas, o povo miúdo, ignorantes e escravos, alguns poucos
nobres e sábios, na fraternidade repartem o pão, no vinho do tempo novo
embebido!
O Povo
Peregrino, cultivando sonhos, estará sempre a caminho até mergulhar na
Comunhão da Vida em que o Pai, com seu coração de Mãe, será tudo em todos (1Cor
15,28).
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