Militares cúmplices ? ? ?
Mourão
isenta militares de qualquer participação no estrago institucional
Janio de
Freitas
Jornalista
Por que um artigo do vice-presidente e
general agora,
restrito a acusações genéricas?
HAMILTON MOURÃO General e Vice-Presidente da República |
O único
setor influente na vida institucional poupado pelo vice e general Hamilton
Mourão, em artigo no jornal O Estado de S. Paulo [clique aqui],
nem precisaria dizer, mas vá lá — são os militares. Isentados de
qualquer participação no "estrago institucional" que "está
levando o país ao caos", são, portanto, um caso de completa perfeição.
Judiciário,
Câmara e Senado e seus atuais presidentes, governadores e prefeitos,
empresariado, imprensa, as áreas de governo desunidas contra o coronavírus, e
até "as celebridades" arcam com as culpas.
Por que
esse artigo agora, repentino, restrito a acusações genéricas, polêmicas sem
entrar no debate? Com a também súbita conclusão de que "há tempo
para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as
responsabilidades das autoridades constituídas".
Desconheço
a resposta precisa, se existe. Bolsonaro deve estar com a mesma pergunta,
mas inquieto. Porque a explicação mais plausível o atinge. É a de que um
esgarçamento do seu suporte militar, ainda que incipiente, induza manifestação
atrativa e estimulante do vice-presidente aos camaradas, como a dizer "olha
aqui, bem ao seu gosto, para a providência que reverta o nosso desgaste".
O texto do
manifesto de Mourão não é típico de militar. Tem sinais de gente do
direito, torto embora, ao menos como colaboração. Nem por isso, ou por não
conter sequer uma referência factual entre tantas acusações, dispensa algumas
rebatidas.
A menção a
interferências de um Poder em outro aponta para o Judiciário contra o governo,
é claro. Os militares nunca absorveram, ou nunca entenderam, a função do
Supremo como verificador da adequação de atos governamentais e decisões
parlamentares à Constituição e seu sentido.
O Supremo
já foi além disso, sim, mas como exceção, não a ponto de justificar a ideia
vulgarizada de judicialização, de apropriação de poderes do governo e do
Legislativo. E, indo além, também ficou aquém, cedendo em julgamentos políticos
à mídia e a camadas sociais fornidas. Concessões voluntárias, porém. Por
facciosismo político.
Interferência
mesmo, posta como voz de um poder armado e de histórico inesquecível, foi, por
exemplo, a do comandante do Exército durante a campanha eleitoral em 2018. O general
Eduardo Villas Bôas investiu então sobre o Supremo, com mensagem exigente de
determinado resultado em processo decisivo na eleição presidencial.
EDUARDO VILLAS BÔAS General - Ex-comandante do exército brasileiro |
Também
dentro do Supremo, é necessário registrar, ocorrem interferências de Dias Toffoli,
Gilmar Mendes e Luiz Fux, por exemplo, ou Cármen Lúcia quando presidente, com
protelações políticas de julgamentos. Mas não são interferências em outros
Poderes, como a de 2018.
Os
ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes estão conduzindo inquéritos
legais, legítimos e necessários à defesa contra o abuso de poder, a
prevaricação e, talvez, a crimes comuns com comprometimentos no Executivo. São
processos de interesse da democracia, e, se militares endossam o poder e
pessoas investigados, os ônus lhes cabem.
Governadores
e prefeitos que seguem a Organização Mundial da Saúde, nas providências contra
a pandemia, no artigo do vice são violadores dos princípios da Federação. Só
a cegueira e a surdez deliberadas impedem de notar que no Brasil há falta e não
excessos de federalização. O poder imensurável centralizado no governo
federal é uma das causas primeiras de tantos problemas de administração
estadual e municipal.
As
citações, postas no artigo do vice, de coautores do sistema político dos
Estados Unidos, na verdade contrariam o articulista. E, se fosse para levar ao
pé da letra as formulações daqueles constituintes, voltaríamos à escravatura
aqui, por eles mantida lá. Assim como o racismo legalizado.
E, afinal, por
que a obstinação de Bolsonaro para o consumo, em larga escala, da tal
cloroquina reprovada por numerosas pesquisas científicas?
A
propósito: não, Bolsonaro e seu governo não escaparam dos tiros do general. Bastante
contorcida, para ser percebida por poucos, a observação sobre a crise da
pandemia faz do primeiro parágrafo um ataque forte ao governo Bolsonaro. Logo,
também ao próprio.
Juntar esse
começo e a conclusão já lembrada dá um sentido lógico ao artigo de quem o
assina, sabe-se lá por quê, como Antonio Hamilton Martins Mourão. Apenas a
pessoa, talvez. Como se isso fosse possível em um general brasileiro.
Fonte: Folha
de S. Paulo – Poder / Colunas e Blogs – Sábado, 16 de maio de 2020 –
Publicado às 23h15 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.
Hora
de escapar da água quente
Ricardo
Rangel
Os generais de Bolsonaro não percebem o risco
que correm
Da esquerda para a direita, generais: Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (GSI) |
Sergio Moro
declarou que os ministros Heleno, Ramos e Braga Netto
estavam presentes quando Bolsonaro o ameaçou de demissão se não nomeasse um
amigo do presidente para a Polícia Federal [PF]. Celso de Mello determinou
à PF que ouça os ministros militares e ao Planalto que entregue o vídeo da
reunião em que teria ocorrido a ameaça.
Se Moro diz
a verdade, os generais têm um problema. Se confirmarem a história de
Moro, serão desleais ao chefe, tornarão a denúncia contra Bolsonaro quase
inevitável e inviabilizarão o governo — e ainda se arriscarão a ser
processados. Se desmentirem Moro, e ficar provado que mentiram, terão sido
coniventes com o chefe, e é quase certo que serão processados. Se calarem,
admitirão que Bolsonaro é culpado.
Se o
Planalto entregar o vídeo e ele contiver o que Moro diz, é prova de que
Bolsonaro tentou interferir na PF, e a denúncia será quase inevitável. Se não
entregar (há quem diga que foi apagado), isso pode ser interpretado como
obstrução de Justiça, e os responsáveis, processados.
No
pronunciamento em resposta a Moro, Bolsonaro contou que determinou à PF que
interrogasse o assassino de Marielle Franco e que teve acesso ao relatório
resultante. Admitiu sua culpa e, quando a polícia descobrir como a interferência
se deu, a denúncia será quase inevitável.
Bolsonaro
tem outros problemas:
* As
mortes por Covid-19 se multiplicarão, e Nelson Teich está tonto [aliás, já se demitiu!];
* a recessão
se aprofundará, e
* Guedes
resiste a soltar o dinheiro.
* O
inquérito das fake news deve pegar os filhos Carlos e Eduardo,
* o
inquérito das rachadinhas, que corre na Justiça do Rio, deve pegar seu filho
Flávio — e haverá estilhaços para o pai.
O risco que
Bolsonaro corre não o tornou mais prudente, pelo contrário. Ele
compareceu a um comício ilegal, deu declarações golpistas, afirmou que as
Forças Armadas o apoiam. Quase insistiu na nomeação de Alexandre Ramagem para a
diretoria da PF, fez a molecagem de nomear seu segundo — que imediatamente
desocupou a superintendência do Rio de Janeiro (aquela em defesa da qual Sergio
Moro caiu), ato que foi interpretado como confirmação da denúncia de Moro.
E agrediu, aos gritos, jornalistas.
JAIR BOLSONARO Cria uma crise atrás da outra, de propósito! |
Bolsonaro
cria uma crise atrás da outra (sobrou até para Regina Duarte!), e
cada nova crise alimenta a crise principal, a da governabilidade. O
desgaste aumenta, a popularidade cai, fica mais difícil barrar o impeachment,
o preço do apoio do Centrão sobe, o desgaste aumenta mais, a popularidade cai
mais… É um círculo vicioso. Já vimos o filme com Collor e com Dilma, sabemos
que acaba em impeachment.
A
diferença, agora, é que o capitão tem uma fieira de generais, a quem
trata como se fossem o sapo da anedota, que não percebe a temperatura da
água subindo e morre cozido. Bolsonaro tenta envolver os generais em suas
confusões, de maneira que sua eventual queda os arraste junto. E que, para
não serem arrastados, os generais virem a mesa e o mantenham no cargo.
Em breve,
haverá a oitiva determinada por Celso de Mello: se os generais quiserem escapar
da água quente, a hora é essa. [Pelo visto, não souberam aproveitar a ocasião!
Confirmaram as mentiras do chefe!]
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