Engana-me que eu gosto!
Canais
de fake news sobre Covid-19
no
YouTube são vistos quase 3 vezes mais
que
os de dados reais
Patrícia
Campos Mello
Estudo mostra alcance de redes de teoria da
conspiração
e tratamentos médicos não comprovados
Fuja disso ! ! !
Canal no YouTube do médico BELMIRO D'ARCE - até Bolsonaro compartilhou!!! |
“Uma
aula para toda a vida. Como conseguir a sonhada imunidade.” Usando essa
frase, o presidente Jair Bolsonaro compartilhou no sábado (16 de maio), em suas
redes sociais, um vídeo do médico Belmiro D’Arce, de Presidente Prudente
(SP).
“Pior do
que a contaminação pelo coronavírus é a fragilidade do corpo, é a falta de
imunidade, e é isso que precisa ser combatido”, diz o médico no vídeo
disponível no YouTube. “Tome banho de sol, onde entra o sol, sai a doença. Fuja
do envenenamento mental de notícias que criam tensão e evite o açúcar, leite de
vaca, industrializados. Eles criam no corpo ambiente propício para
multiplicação dos vírus.”
O “Belmiro
D’Arce” foi um dos canais de desinformação e fake news no YouTube analisados
no estudo “Ciência Contaminada - Analisando o contágio
de desinformação sobre coronavírus via YouTube”, de pesquisadores do Centro
de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da USP, do Centro
de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) e do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), sediado
na Universidade Federal da Bahia.
O estudo ao
qual a Folha de S. Paulo teve acesso identificou as principais redes
que se disseminam informações falsas sobre o coronavírus no YouTube a
partir da análise de 11.546 vídeos na primeira fase do levantamento, entre 1 de
fevereiro e 17 de março, e 12.775 na segunda, entre 18 de março e 1 de maio.
Na primeira
fase do estudo, as redes com grande circulação de desinformação sobre a
doença tiveram quase três vezes mais visualizações do que as redes com
informações verdadeiras sobre a Covid-19 — 73.429.098 visualizações contra
27.712.722 visualizações.
O maior
canal em que foram identificadas informações falsas é o Desperte - Thiago Lima, com 1,02 milhão de
inscritos.
O canal é
4,3 vezes maior que o do Ministério da Saúde (233 mil inscritos) e tem
“temáticas conspiratórias religiosas, misticistas e de cunho geopolítico”. Há
desde acusações de que a Rede Globo agiria para implantar chips de controle na
população até ataques à China.
“Associam o
pangolim, suspeito transmissor do novo coronavírus, ao filme 'Sonic', um filme
que veio ao ar em 2019 tendo como protagonista um porco-espinho. Evoca-se essa
similaridade estética entre o animal e o protagonista do filme como prova cabal
de uma trama política que ocorreria nos bastidores da geopolítica mundial”, diz
o estudo.
Mais um canal no YouTube de teorias da conspiração, fake news etc., mas que muita gente assiste e... acredita!!! |
Consumo
de vídeos online cresce no Brasil
Com
audiência brasileira de cerca de 120 milhões usuários, o YouTube detém 15%
de participação dos vídeos assistidos no Brasil, atrás apenas da TV Globo
(18%), segundo o levantamento Video Viewers/Provokers de 2018. O consumo de
vídeos online no Brasil cresceu de 8,1 para 19 horas semanais entre 2014 e 2018,
enquanto o consumo de vídeos na TV apresentou um crescimento dez vezes
inferior, de 21,9 para 24,8 horas semanais. Esses vídeos também alimentam
boa parte das trocas de mensagens pelo WhatsApp.
As
principais redes de difusão de mentiras
Os
pesquisadores identificaram QUATRO REDES PRINCIPAIS com conteúdo relativo à
epidemia de coronavírus.
[1ª]
Uma delas é a rede de canais de teorias da conspiração, como o Desperte.
Ataques ao “socialismo” e ao “comunismo” e termos como “Partido Comunista
Chinês” e “arma biológica” são recorrentes. Outro canal da rede de teorias da
conspiração, o “Questione-se”, que tem
658 mil seguidores, aposta na narrativa política, dizendo que os
governadores estão ao lado da China, “dando um golpe no Brasil” e que têm
um “esquema de caos desenhado”.
[2ª]
Há também canais que formam a rede de discurso religioso. Em
alguns, rejeita-se a ciência e a pandemia é tratada através de ótica religiosa.
Mas outros, como o do pastor Silas Malafaia,
usam dados científicos de forma seletiva ou enviesada para corroborar suas
teses.
[3ª] Também
pródiga em desinformação é a rede de pretensas informações médicas.
Segundo a pesquisadora Nina Santos, do INCT.DD, cerca de 30% dos vídeos com
mais de 100 mil visualizações nessa rede são de médicos que associam seus
conteúdos digitais à venda de produtos. [Mascates
digitais! Aproveitadores da desgraça alheia!]
Adicionar legenda |
Os vídeos
listam dicas de como aumentar a imunidade com o consumo de determinados
alimentos e vitaminas e raramente mencionam fontes oficiais ou recomendações
das autoridades sanitárias.
“A estética
e apresentação do conteúdo dão a entender que o consumo de produtos
'saudáveis', indicados por eles mesmos, são suficientes para combater a
epidemia do coronavírus, o que induz o receptor à confusão. As ações de lavar
as mãos, manter a distância social ou evitar de tocar na boca, nariz e olhos,
oficialmente indicadas pela Organização Mundial de Saúde, raramente aparecem
nos vídeos”, diz o estudo.
O médico Jea Myung Yoo, por exemplo, declara com todas
as letras: “Coronavírus, esse novo que apareceu, não é problema nenhum. Sua
imunidade é que realmente determina se você vai ser infectado ou não”.
Segundo ele, “se as suas células do sistema de defesa estão funcionando bem,
você pode ficar deambulando nos shoppings, em qualquer lugar, você pode abraçar
aquele que está com esse vírus, não importa, gente, não tem problema nenhum”. Seu
vídeo já foi visto mais de 765 mil.
Autoridades
frequentemente colaboram para amplificar a desinformação, segundo o estudo. O
canal do médico Belmiro D'Arce tem cerca 2,4 mil inscritos e a média dos últimos 20
vídeos é de cerca de 374 views. Já o vídeo de Belmiro divulgado por
Bolsonaro já soma 113 mil visualizações.
[4ª]
A quarta rede reúne os canais jornalísticos e de informação
e agrega a maior parte das notícias legítimas. Entre os vídeos com mais
de 100 mil visualizações, apenas 4,8% continham algum tipo de desinformação.
Outro canal de informações incorretas, perigosas e falsas!!! |
Segundo
Caio Vieira Machado, pesquisador do LAUT e Cepedisa, esse é o primeiro de uma
série de estudos sobre desinformação como forma de “debilitar o sistema de
peritos, atacando universidades, mídia, entidades públicas, ciência”. Aí se
encaixam campanhas antivacinação, revisionismo histórico e questionamentos às mudanças
climáticas. [É o reino do atraso, da ignorância
pura e simples!]
“No caso da Covid, sem hipérbole, a
desinformação pode afetar o futuro econômico do país e pôr em risco milhares de
vidas”, diz Machado.
“Não existe
vacina nem tratamento específico para a Covid-19. Todo enfrentamento da
epidemia agora depende de medidas comportamentais, que estão ligadas
diretamente a informação”, diz Daniel Dourado, do Cepedisa.
“A única coisa que comprovadamente pode
conter a epidemia é
informação correta
chegando às pessoas.”
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