Você tem isso?

“Psicologia” da Negação e do Pânico em tempos
de coronavírus

Joelmar F. C. de Souza
Psicólogo Clínico, Filósofo e Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília – UnB

Que não nos neguemos a conhecer!
Pois só o conhecimento pode nos ajudar a suportar e superar
o que há de ser
Por que negamos fatos que contrariam as nossas crenças | Nexo Jornal
Desde que o Governo Federal, em conjunto com o Ministério da Saúde, informou à população brasileira sobre os riscos da pandemia do COVID-19 e a necessidade de isolamento social como, até então, o método mais indicado para o combate a essa condição epidemiológica, têm-se notado o aumento das incertezas em relação ao futuro e uma sensação sempre recorrente de um risco iminente à saúde pública.

Duas atitudes equivocadas: negação & pânico

Se por um lado, os brasileiros parecem adotar um senso de recusa ao aparecimento de tal vírus, como se isso fosse por si só, suficiente para nos deixar imune a um problema mundial real e que vem afetando, pelo menos, desde o ano de 2019, diversas comunidades; por outro lado, há os que deslumbram a pandemia como o mais novo holocausto potencializado por um inimigo “invisível” e minúsculo, apto a destruir sociedades inteiras e realizar o apocalipse tão aguardado das Sagradas Escrituras.

Oscilante entre a negação e o pânico, o Brasil precisa ainda descobrir uma forma genuína de lidar com o acaso – com o imprevisto da vida. Daí a importância de tenta          rmos, o máximo possível, aceitar e elaborar dialogicamente soluções para uma condição que se apresenta como uma demanda sobre nós.

Como sabido desde Freud, o mecanismo de defesa da negação é um recurso inconsciente para afastar de nós tudo aquilo que se mostra indesejável e/ou insuportável para o Eu. Já provido5gv  de um mecanismo assim, não seria difícil encontrar alguém disposto a afirmar que: “O coronavírus não é um problema: é apenas uma gripezinha”.

Contudo, negar a realidade tal qual ela se configura diante de nós pode trazer efeitos drásticos à obtenção de informações necessárias para suportarmos e superarmos o momento atual. Além disso, a negação na medida em que se mantém, pode também propiciar consequências desastrosas àquele que nega – pois, ao negar e não se implicar com a sua própria angústia, essa angústia não cessa por inteiro, mas retorna (podendo, inclusive, voltar de forma altamente destrutiva contra o sujeito defendido na sua negação).

A negação brasileira é tão diversa quanto a sua própria população. Ela se esquiva da dor pelo riso, pelos memes, pelas piadas sempre prontas a trazer um traço de ironia perante o desabrochar da incerteza e do risco.
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O brasileiro que diz que “todo dia é um 7 a 1 diferente” precisa, mais uma vez, lidar com o seu palco da vida lotado de festas e expectativas, interrompido, momentaneamente, por mais um visitante indigesto: agora, um vírus. A negação num momento em que precisamos estar todos cônscios e colaborativos, fazendo jus mais que nunca do conceito de coletivo, está longe de ser a melhor alternativa para nos fortalecer quando estamos, como nunca antes, vulneráveis a nossa própria vida.

Precisaríamos, inclusive, nos interrogar se manter-se em estado de negação, agora, não seria (desde já ou posteriormente) facilitar uma atitude perversa 
em relação aos mais fragilizados e em grupos de riscos.

De toda forma, a negação não tem o poder de reconfigurar o Real – apesar de sim, de conseguir ser muito eficiente em nos fornecer uma realidade muito mais “acomodada” a nossa imaginação. Alguns que negam o coronavírus querem apenas negar a morte ou a sua possibilidade. E isso é comum, já que para mantermo-nos na vida, precisamos sublimar a morte – fazer do Real um “impossível”.

A negação chega como um postulado: “Não, não precisamos entrar em pânico com isso”. Mas, o que se diz na verdade, é: “Não, eu não quero e não posso entrar em pânico com isso e, por isso, negarei a tudo isso”. Assim, o Brasil segue dividido entre a negação (dos que não querem entrar em pânico) e o pânico (dos que já o presume).

Vivemos em um momento que pode potencializar o desenvolvimento de crises psiquiátricas, como a síndrome do pânico. Isto, porque, atualmente, muitos estão submetidos a pelo menos três fatores de risco:
a) situações de estresse extremo,
b) mudanças radicais no estilo de vida e
c) morte e/ou enfermidade de alguma pessoa próxima do nosso convívio.

Com isso, alguns sintomas podem ser produzidos, como:
* sensação de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento,
* medo de não conseguir manter o controle,
* medo de morrer ou de viver alguma tragédia,
* impressão de estar vivendo fora da realidade,
* aceleração do batimento cardíaco, tontura, entre outros.
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Com as crises de pânico, pode ser comum, que alguns pacientes com este diagnóstico psiquiátrico apresentem um medo excessivo de repetir o episódio de pânico – o que desenvolve o acometimento de novas ansiedades patológicas. Nestes casos, é importantíssimo que quem sinta algumas destas alterações procure por profissionais especializados, como psicólogos e/ou psiquiatras, para que estes possam acolher e iniciar o tratamento destes pacientes. Aos que já se encontram em terapia ou atendimento psiquiátrico ambulatorial, a recomendação é que se fale com os referidos trabalhadores da saúde acerca de como tem sido para estes pacientes, lidar com a condição humana frente a uma situação atípica como esta.

De modo geral, é preciso que elaboremos o nosso pânico e todos os medos que têm pairado sobre a existência – seja ele o medo do contágio, da morte, do desemprego, da recessão. Problematizar as razões que nos colocam em pânico já é dar sentido a ele. E, dando sentido ao nosso medo, podemos torná-lo factível, decifrável e disposto a análise da consciência. Afinal, quando elaboramos o nosso sintoma, atingimos também, aquilo que o fundamenta. Ou seja, nossos medos são fundamentados pela nossa história pessoal e pela forma como, discursivamente, damos sentido à realidade que nos cerca.

Fundamentar os nossos medos, hoje, é partir do medo enquanto uma tomada de consciência e ir em direção a uma ética do cuidado de si que seja também uma resistência perante uma ameaça exterior chamada de COVID-19. Isso quer dizer que o medo e o pânico não precisam ser o destino final ou paralisante diante da pandemia que vivemos. Pelo contrário, devemos, a partir do medo criar condições de aprofundarmos o nosso senso de cuidado pessoal e coletivo. Devemos e, assim se espera, fazer da ameaça e dos riscos que estamos sujeitos, um movimento subversivo de fortalecimento e reinvenção da vida.

Certo dia, Baruch de Espinosa, em sua obra disse: “Não rir, nem lamentar-se, nem odiar, mas compreender”. Em paráfrase, podemos dizer: “Não negar, nem desesperar, mas entender”! E compreender, implica necessariamente, aumentar a nossa potência através do conhecimento racional. Em tempos de coronavírus, a negação e o pânico, só nos roubam a grata possibilidade de passarmos por tudo isso, podendo nos reinventar e sermos melhores do que já fomos. Que não nos neguemos a conhecer! Pois só o conhecimento pode nos ajudar a suportar e superar o que há de ser.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 30 de abril de 2020 – Internet: clique aqui.

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