Espiritualidade que salva
Seis
dicas espirituais para uma transição ecológica
Élisabeth
Marshall
La Vie
(França)
22-05-2020
Entrevista
com William Clapier
Teólogo
e escritor francês
Como agir e fazer uma conversão de vida, na
perspectiva da
encíclica Laudato Si’?
Devemos começar por uma revolução interior em
nossas estruturas de pensamento, que combine contemplação e ação cidadã
WILLIAM CLAPIER |
Seu livro
era premonitório. Em meados de março, o ensaísta e teólogo William Clapier
anunciou, em um ensaio bem documentado, o fim de um mundo e lançou um apelo a
um despertar espiritual. Ao explorar os caminhos da resiliência humana diante
das mudanças socioecológicas necessárias, ele agora propõe fundamentar o nosso
compromisso na contemplação, duas maneiras inseparáveis de realizar uma mudança
de vida. Para La Vie, ele oferece seis passos para aliar ação e
tomada de consciência.
William
Clapier nasceu para a fé em contato com as espiritualidades orientais,
aprofundou na vida religiosa a oração carmelitana antes de se envolver na
pastoral, no diálogo interespiritual e na transição ecológica. Teólogo, ele é
autor de vários ensaios, entre os quais está Effondrement ou révolution
(tradução livre: Colapso ou revolução – Le Passeur, 2020).
Eis o texto:
1. Observar e circunscrever os sinais de
depressão
Estou
impressionado com a correlação dos diferentes aspectos da questão ecológica.
Absolutamente tudo interage, porque tudo está ligado: clima, poluição,
biodiversidade, recursos naturais. A crise atual nos faz redescobrir essa
unidade e a interdependência interna do ecossistema Terra. Não podemos resolver
o problema do aquecimento global sem proteger a biodiversidade, nem reduzir o
impacto da poluição sem rever completamente nossa maneira de explorar os
recursos naturais e nosso modo de vida consumista.
De fato, “a
deterioração do meio ambiente e da sociedade afeta de maneira especial os mais
necessitados do planeta”, enfatiza corretamente o Papa Francisco na Laudato
Si’. Além disso, o ritmo acelerado da vida e a pressão que essa aceleração
exerce tornaram-se um dos estresses mais devastadores da nossa sociedade. Esse
fenômeno esgota nossas capacidades de recuperação e de reflexão. Nossa
sociedade está cansada, exausta. Uma das urgências, tanto para a saúde
pessoal como para a coesão social, é desativar essa engrenagem disruptiva, que
joga uma grande parte da população para fora do circuito da vida em sociedade.
Tradução do título: "Colapso ou revolução: fim do mundo ou fim de um mundo... Um apelo ao salto espiritual" |
2. Modificar nossas estruturas de pensamento,
principais obstáculos à mudança
Isso
demanda tempo, determinação e, sobretudo, uma mudança de consciência. A parábola
do filho pródigo é emblemática a esse respeito. O Evangelho especifica que,
após a experiência de sua queda, o filho pródigo “caiu em si”. Começa
então uma conversão de vida e seu retorno para a casa do pai. O início de uma
mudança de vida é muitas vezes realizado em meio a turbulências e numa situação
em que nossas certezas são postas à prova.
A crise da
Covid-19 é talvez um momento favorável para mudar a estrutura de pensamento e
entrar em “conversão ecológica”, conforme fala
o Papa Francisco. Encontramo-nos, talvez, diante de uma oportunidade aguardada
para reconhecer a caducidade de nosso software existencial. Tomar
consciência de um modo de vida e de um ritmo que não quero mais, de
uma mudança dos padrões consumistas e poluentes aos quais não adiro mais
é o primeiro passo para reconstruir nosso estilo de vida e a organização da
vida comum.
Nos últimos
quatro ou cinco anos, notei um aumento das conversões de vida. O movimento Cidades
em Transição, apolítico e muito emblemático dessa evolução, já se espalhou
por todo o planeta. Em Nîmes, onde comecei a fazer um trabalho há um ano,
existem quase quarenta associações à escolha para assumir um engajamento
prático, desde o “desperdício zero” a bancos alternativos, passando pela moeda
local ou pela horta compartilhada.
3. Procurar também nossa própria solução
interior
É urgente descer
ao fundo de si mesmo para fazer repousar a mente, para clarear o próprio
pensamento. Perguntar-se a si mesmo para quem e para que vivemos, e não
somente contra quem e contra o quê. Eu dirijo, em Nîmes, uma oficina de
meditação e oração sobre a Laudato Si’; percebo que a motivação é a
mesma para todos: os participantes vêm para tomar um tempo para si, para se
recolher para refletir sobre o que estão vivendo, o que não conseguem mais
fazer em suas vidas. Pode-se meditar e rezar, mas também existem muitas outras
portas de entrada para alimentar essa “ecologia interior”: respirar na
natureza, fazer uma horta, praticar uma arte...
Sem um trabalho
interior, dentro e sobre si mesmos, dificilmente evitaremos cair em
uma forma de militância ideológica, fadada ao fracasso. Da mesma
forma, sem um compromisso externo, a serviço dos outros e da vida
da cidade, nossas convicções pessoais permanecerão no estágio das
ideias. Em outras palavras, não existe ecologia externa
sem ecologia interna. Nem ecologia
interna sem ecologia externa traduzida por um compromisso cidadão associativo,
dentro de um movimento local ou nacional.
4. Sair da materialização dos valores do
espírito
A guardiã
dos valores do espírito é a aptidão à gratuidade do ser e da vida, na
busca do bem comum. Isso requer vigilância em relação à nossa cultura interior,
como é descrita na parábola evangélica do semeador, contada por três dos
evangelistas. A semente, caindo em quatro solos diferentes, ilustra a
dificuldade que a pessoa humana experimenta ao fazer frutificar suas escolhas
em sua vida. Seja por desatenção (“caiu à beira da estrada”), incapacidade
de enraizar as coisas (“caiu em terreno pedregoso”) ou por uma propensão
às riquezas e prazeres que sufocam a busca de sentido em nós (“caiu no meio
dos espinhos”). A falta de aprofundamento ou a sufocação do ser pela
preocupação com o mundo ilustram bem nossas dificuldades contemporâneas de
entrar em uma cultura interior de mudança. Esses textos falam de nossa
responsabilização com uma extraordinária modernidade.
Cataratas do Iguaçu - Foz do Iguaçu (PR) |
5. Contemplar para restaurar nossa relação
vital com a natureza
Devido à extrema
urbanização, experimentamos uma anemia, uma atrofia: não vemos mais
vegetação, nem árvores ou animais suficientemente. Nossos sentidos, muito
estimulados pela tecnologia digital, perderam a gramática da natureza.
Portanto, temos que reintegrá-la, como vemos fazer com a criação de bairros
ecológicos ou de jardins compartilhados em muitas cidades. Mas contemplar a
natureza não é simplesmente olhá-la, é também ouvi-la com o coração através de
todos os sentidos do corpo, ser receptivo ao que ela nos comunica sobre sua
beleza e diversidade e ouvir a mensagem que ela nos dirige: “Como todos os
seres humanos, você também faz parte dos seres vivos”. O fruto da
contemplação da natureza é redescobrir essa relação vital que nos une a ela
para começar a amá-la. Este é o núcleo central da ecologia integral.
6. Abrir amplamente o acesso ao espiritual em
cada um de nós
Além dos
preconceitos difíceis de superar que cercam na França a palavra
“espiritualidade”, tomada muitas vezes apenas no sentido religioso, a
gravidade da crise cria um choque existencial que nos reenvia às raízes
do nosso ser, à falência do comportamento humano e à consciência
do que nos une a todos os seres vivos. Acessar o espiritual significa
abrir-se à percepção dessa unidade, dessa fraternidade até a intuição de sua
origem misteriosa.
Levar em
conta a dimensão espiritual da megacrise, o que vemos hoje na maioria
dos líderes ambientais, é um motivo de esperança. Yann Arthus-Bertrand
chega a falar em “Revolução Espiritual”. A
partir desta crise, tenho uma fé crescente na beleza preciosa e frágil da vida,
de toda vida. A dor também de uma lucidez refinada sobre os ataques que ela
sofre. Finalmente, estou convencido de que estamos atingindo um umbral, uma
encruzilhada da história, um ponto de inflexão na civilização. E que
juntos, devemos agir sem mais delongas. A salvaguarda da vida, da nossa vida,
está aí, em nossas mãos e nas nossas consciências.
Traduzido
do francês por André Langer.
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