A quem interessa a cloroquina?
Pergunta
em busca de resposta!
José Álvaro
Moisés
Cientista
Político e Professor da USP
Bolsonaro em nenhum momento deu ouvidos aos
seus ministros
sobre a necessidade de isolamento social como
meio de impedir
o colapso do sistema de saúde
NELSON TEICH Ex-Ministro da Saúde - Médico oncologista |
Nelson
Teich não é mais ministro da Saúde. Sua entrevista não deu pistas claras sobre
as razões que levaram o governo a perder dois auxiliares em área estratégica de
políticas públicas em pouco mais de um mês. A perda ocorre quando o número
de mortes causadas pelo coronavírus está perto de ultrapassar 15 mil e o de
contaminados da mais grave pandemia experimentada pelo país – e talvez pela
humanidade – está quase superando 220 mil casos. O que levou dois
colaboradores tidos como competentes a abandonarem o barco em tão curto espaço
de tempo, e em meio a um auge da crise?
A primeira
resposta é conhecida: Bolsonaro em nenhum momento deu ouvidos aos seus
ministros sobre a necessidade de isolamento social como meio de impedir
o colapso do sistema de saúde. Em alguns momentos, foi mais longe e humilhou
seus auxiliares em público. Nos últimos dias, contudo, os indícios
apontaram em outra direção: sem que haja qualquer comprovação científica de sua
eficácia, o presidente pressionou os ministros a adotarem o uso da
cloroquina. Mandetta já tinha feito ressalvas a isso em protocolo que
irritou o presidente, e Teich, ao ser supostamente forçado, não aceitou manchar
a sua carreira. O governo, então, ficou acéfalo na área da saúde.
O foco são
políticas públicas fundamentais, que deveriam envolver decisões e procedimentos
transparentes, em especial diante da ameaça à vida das pessoas. Na ausência,
não é de estranhar que em alguns meios surjam perguntas duras:
* a quem
interessa a adoção desse medicamento sem a certificação devida?
* Que laboratórios
produzem ou têm interesse na sua adoção?
São
questões de evidente interesse público que aguardam esclarecimento.
O
medicamento preferido pelo chavismo
Redação
Regime venezuelano ameaça interrogar
cientistas críticos ao uso
da cloroquina contra a covid-19
NICOLÁS MADURO Presidente da Venezuela em pronunciamento no Palácio Miraflores no dia 9 de maio Foto: Marcelo Garcia / Venezuelan Presidency / AFP |
O
presidente venezuelano, Nicolás Maduro, parabenizou pelo Twitter os
funcionários das áreas científica e de saúde da Venezuela por proteger a saúde
do povo e avançar na produção da cloroquina difosfato, medicamento que,
segundo o chefe de Estado, seu país utilizará no tratamento da covid-19. A
decisão de Maduro vai contra recentes estudos científicos que questionam a
eficácia da cloroquina para o tratamento da covid-19 e apontam para efeitos
colaterais.
[...]
O governo
Maduro diz já ter conseguido conter a propagação do novo coronavírus no país,
mas prorrogou o “estado de alarme” decretado em 13 de março para até o dia 12
de junho. Os relatórios oficiais citam apenas 10 mortes pelo vírus no país,
com apenas 455 casos de contágios.
Felicito al personal científico de la salud de nuestro país, quienes trabajan con buena fe y amor para proteger la salud del pueblo. Con ellos avanzamos en la producción de Cloroquina Difosfato, fármaco efectivo para el tratamiento contra el Covid-19. ¡Sí Se Puede Venezuela!
4.107 pessoas estão falando sobre isso
No entanto,
ainda ontem, a Academia de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais
da Venezuela entrou em confronto com o chavismo ao publicar um
relatório científico sobre os casos de covid-19 no país, que põe em dúvida
os números oficiais publicados até agora. A reação do governo veio em tom
de ameaça.
“Li este
artigo e li as referências, isto é um convite para que os órgãos de segurança
do Estado convoquem estas pessoas. Estão causando alarme”, disse o número 2 do
chavismo, Diosdado Cabello, durante seu programa semanal.
Cabello, que
também é presidente da Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela, colocou
em dúvida o documento da academia, que também alerta para um possível
cenário de emergência sanitária, com um pico de até 4 mil novos casos por dia
de contágio de coronavírus em junho.
Segundo o
relatório, a Venezuela tem um subregistro de casos sintomáticos que “no
melhor dos casos poderia ser de 65% e no pior, de 95%” até 23 de abril.
“Os testes
realizados até agora na Venezuela são insuficientes para estimar de forma
adequada o tamanho real desta epidemia”, destacou o estudo, que estimou em
5.969 as testagens realizadas no país - números que atribui ao Escritório das
Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários -, cerca de 213 por
milhão de habitantes.
Cloroquina
já vitimou dois ministros
Sergio
Cimerman
Médico
e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia
Considerada uma droga que poderia ajudar a
combater a doença,
hipótese por enquanto afastada em pesquisas,
ela já “matou” dois ministros
NELSON TECH & LUIZ HENRIQUE MANDETTA Os dois Ministros da Saúde que caíram sob Bolsonaro |
A sociedade
e a comunidade médica receberam nesta sexta-feira mais uma triste notícia: a
demissão do Ministro Nelson Teich em meio a uma crise de saúde jamais vista no
País. Menos de um mês a frente da pasta e, sem habilidade e força para
dialogar com nosso presidente, a gota d’água foi provavelmente a cloroquina.
Considerada
uma droga que poderia ajudar a combater a doença, hipótese por enquanto
afastada em pesquisas, ela já “matou” dois ministros: um que falava e
brigava incansavelmente. Caiu por causa da ciência. O outro ministro ainda
desenhava algo apesar das dificuldades desde o primeiro dia. Importante neste
ponto informar:
Nenhuma sociedade médica cientifica e muito
menos a Organização Mundial da Saúde (OMS) embasam a administração da
hiroxicloroquina.
Neste momento, já existem estudos clínicos
mais robustos que
não notaram qualquer benefício com seu uso.
Não se
verificou melhora da mortalidade ou pelo menos menor tempo de internação. O
uso da cloroquina está submetido a protocolos clínicos de pesquisa e
administrada com consentimento dos familiares, apesar de inúmeros centros
adotarem como uma linha de tratamento para a covid-19.
Uma
questão médica transformada em disputa política
O
ex-ministro, agora, apesar de falta de ânimo em brigar por inúmeras questões,
não suportou que a ciência fosse superada pela política. Fizeram valer seus
anos de aprendizado na faculdade de Medicina, não se curvando a decisões
meramente políticas. A questão que ronda nossas cabeças: quem virá? Sem dúvida
alguém que tenha este mesmo viés do presidente em acreditar que a
hidroxicloroquina resolverá todos os problemas, independentemente do quadro
clínico: de leve a grave sendo usada em larga escala. Estamos, agora, fazendo
um paralelo com a nossa maior paixão nacional: o futebol. Como ele está parado,
todos só comentam da cloroquina, com torcida a favor e contra. Tínhamos 200
milhões de técnicos de futebol e agora temos 200 milhões de infectologistas.
Caixa do remédio sulfato de hidroxicloroquina, conhecido como Reuquinol Foto: Márcio Pinheiro/SESA |
Não
existe isolamento vertical
Se este não
fosse o único problema, iremos voltar à discussão do isolamento vertical.
Este modelo não existe. Nada foi
publicado como essa recomendação. Certamente iremos ceifar vidas nas
próximas quinzenas a partir do início desta medida. A economia vai
retornar, porém, não sabemos o pior que poderá estar por vir.
Temos de atentar que países que modificaram
suas condutas do
isolamento/distanciamento social colheram
resultados péssimos
no tocante à mortalidade tendo que esta medida
ser revista em caráter de urgência.
E isso
levou ao fechamento por completo (lockdown). Aí sim iremos viver
dias obscuros: agressividade por parte da população, ordens de prisão, roubos,
entre outras situações. Precisamos ter uma concordância entre os governos
federal, estadual e municipal em protocolos de ação conjuntas. Não se pode
fazer da cabeça de cada governante um tipo de isolamento. Preocupa-me em
demasia que vamos perder as rédeas e assim a curva só tenderá a subir levando
de vez a um colapso do sistema hospitalar, sobretudo as unidades de terapia
intensiva.
Perfil
de um novo Ministro da Saúde
O novo
ministro deveria ser escolhido como um cargo técnico e
temo que isso não será levado em consideração neste momento. O general
Pazuello estará de modo interino até que se acalmem os ânimos. Precisamos de
um gestor neste momento. Alguém de pulso e não uma marionete que
possa atender a interesses políticos após escolha. Alguém que conheça o Sistema
Único de Saúde (SUS) a fim de trazer consigo uma equipe para construir algo
inovador e de resolutividade. Difícil não é. Existem vários médicos altamente
capazes de fazer este serviço à pátria.
O novo
ministro deverá propor uma testagem laboratorial ampla para visualizarmos nossa
real situação epidemiológica. Claro que existem inúmeras dificuldades, mas
temos de realizar ações. Começar nas favelas seria o ideal. Nesses
locais onde pode estar a ponta do iceberg. Pessoas que moram em espaço
reduzido com seis, sete pessoas juntas. Como isolar um caso se for covid-19
positivo? Seria um rastro de pólvora. O governo deverá pensar em usar
escolas públicas para que funcionem como atenção primária tirando estes
indivíduos do convívio e oferecendo cuidados necessários.
Enfim, perdemos um mês de combate adequado à pandemia.
Espero que sejamos contemplados com algo que seja efetivo para a nossa
população. Que a escolha do cargo seja técnica e que possa trabalhar com
liberdade. Vamos a mais uma luta. Somos um povo que não foge à luta.
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