Solenidade de Pentecostes – Ano A – Homilia

Evangelho: João 20,19-23

Clique sobre a imagem, abaixo,
para assistir à narração do Evangelho deste Domingo:


José María Castillo
Teólogo espanhol

CREMOS, DE FATO, NO ESPÍRITO?

No conjunto do Novo Testamento, fica patente que a vida e a salvação, que Deus concede ao mundo, são antes de tudo, iniciativa do Pai. Porém, esse projeto não se realiza somente por meio de Jesus. Além da ação de Jesus, essa é uma obra, também, do Espírito. Por isso, o evangelho Segundo João, ao relatar a morte de Jesus, diz que este, quando tudo já estava “consumado”, “inclinando a cabeça, entregou o Espírito” (João 19,30). E no domingo, mesmo, da Páscoa, como nos recorda o evangelho hoje, o Ressuscitado entrega de novo o Espírito aos discípulos (João 19,22).

No Quarto Evangelho, o Espírito é fruto da vida, morte e ressurreição de Jesus.
O Espírito é prolongamento e plenitude da obra de Jesus.

No livro dos Atos dos Apóstolos, relatam-se três vindas do Espírito.

A primeira, no dia de Pentecostes (Atos 2,1-11), que produz como fruto o efeito contrário do que sucedeu no mito da torre de Babel (Gênesis 11,1-9): a divisão de linguagens expressa na incomunicação dos humanos, enquanto que a vinda do Espírito faz com que aqueles que falam línguas distintas, se entendam.

A segunda vinda, quando os apóstolos saem do cárcere e se reúnem com a comunidade (Atos 4,31): a presença do Espírito produz a “livre audácia” ou “valentia” (parresía) para anunciar o Evangelho.

A terceira vinda, produziu-se no dia em que Pedro admitiu os primeiros pagãos na Igreja (Atos 10,44-46): o Espírito não está associado a uma cultura, a uns ritos ou a uma religião, mas transcende todos os limites que os seres humanos intentam pôr a Deus.

A Igreja fala, com frequência, do Espírito, porém, na prática, dá a impressão que crê mais na eficácia do poder e do dinheiro que na força do Espírito. Não acontece isso a todos nós, que cremos? Isso se nota, sobretudo, nos tempos de crise de fé. E em situações de crise econômica e política. É exatamente a experiência que estamos vendo e apalpando, agora mesmo, na sociedade e na Igreja.

 
José Antonio Pagola
Biblista e Teólogo espanhol

VIVER DEUS A PARTIR DE DENTRO

Há alguns anos, o grande teólogo alemão Karl Rahner atrevia-se a afirmar que o principal e mais urgente problema da Igreja dos nossos tempos é a sua “mediocridade espiritual”. Estas eram as suas palavras: o verdadeiro problema da Igreja é “continuar com resignação e tédio cada vez maiores pelos caminhos habituais de uma mediocridade espiritual”.

O problema não parou de se agravar nessas últimas décadas. De pouco serviram as intenções de reforçar as instituições, salvaguardar a liturgia ou vigiar a ortodoxia. No coração de muitos cristãos está se apagando a experiência interior de Deus.

A sociedade moderna apostou pelo “exterior”. Tudo nos convida a viver a partir de fora. Tudo nos pressiona para nos movermos com rapidez, sem pararmos em nada nem em ninguém. A paz já não encontra fendas para penetrar até o nosso coração. Vivemos quase sempre na superfície da vida. Estamos esquecendo o que é saborear a vida a partir de dentro. Para ser humana, à nossa vida falta uma dimensão essencial: a interioridade.

É triste observar que tampouco nas comunidades cristãs sabemos cuidar e promover a vida interior. Muitos não sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé a partir de dentro. Privados da experiência interior, sobrevivemos esquecendo a nossa alma: escutando palavras com os ouvidos e pronunciando orações com os lábios, enquanto o nosso coração está ausente.

Na Igreja fala-se muito de Deus, mas onde e quando escutam os crentes a presença silenciosa de Deus no mais fundo do coração? Onde e quando acolhemos o Espírito do Ressuscitado no nosso interior? Quando vivemos em comunhão com o Mistério de Deus a partir de dentro?

Acolher o Espírito de Deus quer dizer deixar de falar só com um Deus a quem quase sempre colocamos longe e fora de nós, e aprender a escutá-lo no silêncio do coração. Deixar de pensar em Deus apenas com a cabeça, e aprender a percebê-lo no mais íntimo do nosso ser.

Essa experiência interior de Deus, real e concreta, transforma a nossa fé. É surpreendente, como se pôde viver sem descobrir isso antes. Agora se sabe por que é possível acreditar, inclusive, numa cultura secularizada. Agora se conhece uma alegria interior nova e diferente. Parece-me muito difícil manter por muito tempo a fé em Deus no meio da agitação e frivolidade da vida moderna, sem conhecer, ainda que seja de forma humilde e simples, alguma experiência interior do Mistério de Deus.

Traduzido do espanhol por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fontes: CASTILLO, José María. La religión de Jesús: comentario al evangelio diario – 2020. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2019, páginas 195-196; PAGOLA, José Antonio. La Buena Noticia de Jesús – Ciclo A. Boadilla del Monte (Madrid): PPC, 2016, páginas 123-125.

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