É tempo de solidariedade!
A
pandemia expõe as desigualdades
Editorial
O
Estado de S. Paulo
Quanto mais a epidemia avança,
mais as disparidades vêm à tona
Apesar dos
sentimentos generalizados de interdependência e das mensagens inspiracionais do
tipo “estamos todos juntos”, a verdade é que o atual choque sanitário e
econômico será muito mais devastador para os cidadãos mais pobres de cada nação
e para as nações mais pobres da comunidade global. A crise pode comprometer
décadas de esforços dos países em desenvolvimento para tirar as pessoas da
miséria e deve intensificar a tendência à desigualdade nos países
desenvolvidos, que vinha crescendo desde a crise financeira de 2008. Quanto
mais a pandemia avança, mais as disparidades vêm à tona.
Dados do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud)
mostram que, apesar dos avanços na redução da pobreza,
1 em 4 pessoas vive na pobreza,
e mais de 40% da
população mundial não tem qualquer proteção social.
Em média,
os países mais desenvolvidos têm, para cada 10 mil habitantes, 55 leitos
hospitalares, 30 médicos e 81 enfermeiros, enquanto os países menos
desenvolvidos têm 7 leitos, 2,5 médicos e 6 enfermeiros. O confinamento
provocou uma aceleração brusca da digitalização global, mas mais de 85% da
população mundial não tem pleno acesso à rede digital.
A Organização
Internacional do Trabalho estima que 195 milhões de empregos serão pulverizados
e 1,6 bilhão de trabalhadores informais sofrerão “danos massivos”, com
quedas médias de 60% em sua renda. O Banco Mundial advertiu que a pandemia pode
lançar entre 40 milhões e 60 milhões de pessoas na extrema pobreza.
Segundo o Programa Alimentar Mundial, 135 milhões de pessoas estão
sofrendo algum nível de fome e 135 milhões estão à beira da inanição.
Os países ricos estão despendendo
proporcionalmente muito mais que
os pobres no combate ao vírus e seus efeitos.
Pelos
cálculos do FMI, enquanto os sete países mais industrializados do mundo
gastam cerca de 6% do PIB com estímulos econômicos, os integrantes do
G-20 gastam 3,5%. O pacote japonês, por exemplo, chega a 20% do PIB e o
americano, a 10%. Já no Brasil ou na Malásia não chega a 3%.
Segundo a
Pnud, “sem apoio da comunidade internacional os países em desenvolvimento
correm o risco de uma reversão massiva nos ganhos das duas últimas décadas
e de toda uma geração perdida, quando não em vidas, em direitos, oportunidades
e dignidade”.
O FMI está
disponibilizando US$ 1 trilhão em empréstimos – 4 vezes mais do que na
crise financeira. Seu pacote de ações inclui US$ 100 bilhões para desembolso
rápido; alívio da dívida de US$ 1,4 bilhão aos 29 países mais pobres; um fundo
para redução da pobreza de US$ 17 bilhões (até agora foram captados US$ 11,7
bilhões); e a criação de uma linha de liquidez de curto prazo. Além disso, o
FMI concertou com o Banco Mundial e o G-20 a suspensão das dívidas bilaterais
para os países mais pobres em 2020, totalizando US$ 12 bilhões. São medidas
que podem ser emuladas e adaptadas por instituições financeiras globais e
nacionais.
Mas uma crise sem precedentes exige respostas
sem precedentes.
O Papa Francisco, por exemplo, afirmou
“que este talvez seja o tempo de considerar uma
renda mínima universal”.
Programas
como o Bolsa Família, por mais imperfeitos que sejam, podem servir de modelo a
muitos países. Uma dúzia de nações está experimentando algo do gênero. A Espanha
caminha para implementar um programa permanente para os mais pobres, e
mesmo os Estados Unidos estão distribuindo cheques de US$ 1.200 aos mais
vulneráveis. “Se os países pobres devem visar uma renda mínima universal
além da crise é uma questão em aberto”, disse em editorial o jornal Financial
Times. “Implementá-la temporariamente dará informações úteis para fazer a
escolha depois. Mas, acima de tudo, os governos devem aos seus cidadãos mais
pobres um salva-vidas incondicional já.” A comunidade internacional deveria
pensar de maneira análoga em relação aos seus membros mais pobres.
A verdade é
que, na crise, não estamos “todos juntos”, mas, se indivíduos,
organizações e governos seguirem a máxima moral – “aja como se estivéssemos
todos juntos” –, talvez saiam dela menos separados.
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