«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 17 de março de 2015

A batalha de Francisco, entre poder e misericórdia

Vito Mancuso*
La Repubblica
13-03-2015

O que aconteceria se o Papa Francisco fracassasse?
O fracasso do papa que veio do fim do mundo marcaria o fim da Igreja hierárquica e institucional.
Não sei se é isso que querem os inúmeros cardeais, bispos e curiais que se opõem a ele, mas acho que é bom que eles saibam disso.
Um dos afrescos de Giotto na Basílica Superior de Assis (Itália)
A um amigo argentino, Bergoglio teria confidenciado que "não está seguro de que vai conseguir", pretendendo, evidentemente, adiar o processo de reforma iniciado há dois anos, quando foi eleito e, para a surpresa geral, optou por se chamar Francisco. Na época, a mente de muitos correu para o afresco de Giotto na Basílica Superior de Assis, com o Papa Inocêncio III, que vê em sonho um frei que sustenta uma igreja que está prestes a ruir [veja foto acima].

Há dois anos, a Igreja estava nestas condições, como certificou a corajosa renúncia de Bento XVI: abalada pelos escândalos, no nível mínimo de credibilidade moral, cada vez mais desprovida do favor popular. E, naquele contexto, perfilou-se um novo Francisco para assumir a tarefa de sustentar o edifício periclitante, desta vez não mais simples frei, mas Pontífice Máximo. À distância de dois anos, o que restou daquela intenção reformadora?

Hoje, assistimos a um fenômeno paradoxal. Assistimos ao crescimento contínuo do favor popular em relação ao Papa Francisco e, contextualmente, ao crescimento igualmente contínuo da oposição interna contra ele, particularmente dura entre os cardeais, a Cúria Romana e alguns episcopados.

Essa é a radiografia perfeita da separação de boa parte da hierarquia eclesiástica em relação à vida real, aquela separação da qual o cardeal Martini falava dizendo que "a Igreja ficou 200 anos atrás".

No primeiro ano, Francisco talvez acreditasse que poderia converter a mente dos prelados [cardeais, bispos, abades, provinciais etc.], mostrando com o seu estilo o que significa ser autoridade na Igreja.

No segundo ano, porém, teve que reconhecer que é preciso outra coisa, porque, enquanto ele vive em cerca de 70 metros quadrados, há cardeais que não renunciaram em nada ao luxo e, acima de tudo, há muitos totalmente contrários a segui-lo nas reformas.

Explica-se, assim, a sua insistência contra os vícios do clericalismo, que culminou na pregação à Cúria do dia 22 de dezembro do ano passado, com a denúncia dos 15 males da burocracia vaticana, resumíveis em um só: a identificação com o poder.

A batalha, de fato, é entre misericórdia e poder, entre a Igreja "hospital de campanha", funcional às necessidades das pessoas, e Igreja suma autoridade à qual as pessoas devem obedecer, entre Igreja dos pobres e Igreja poderosa entre os poderosos.

Ninguém sabe como vai terminar essa batalha que se iniciou há dois anos, mas, certamente, os cardeais e os curiais que se opõem a Francisco são a expressão daquilo que, durante séculos, foi o papado, de modo que reformar a sua mentalidade significa reformar o papado como poder absoluto.

Ora, esse poder absoluto, porém, está nas mãos de Francisco e, se ele quisesse, poderia utilizá-lo justamente para decretar a sua reconversão: de fato, bastaria uma assinatura sua para mandar de volta para as suas respectivas paróquias de origem os prelados que mais se opõem à sua ação reformadora e escolher outros mais alinhados com o estilo evangélico. Por que não agir assim, já que o que está em jogo é enorme?

O que está em jogo consiste no direito dos batizados de terem uma Igreja na qual confiar, onde os bispos sejam escolhidos pelas efetivas qualidades e não por jogos de poder, e sejam sóbrios como os apóstolos, e não opulentos como os magnatas, onde o banco vaticano do IOR seja, ao menos, no nível ético de um banco comum, onde não haja a sujeira denunciada no seu tempo por Bento XVI, onde os homens e as mulheres de hoje se sintam em casa, por serem também entendidos nos seus erros, e não julgados por uma mentalidade friamente doutrinal, onde escândalos de pedofilia não sejam escondidos e os culpados, encobertos.

O que está em jogo é uma Igreja digna da paixão dos inúmeros sacerdotes honestos que lhe dedicaram a vida. É por uma Igreja desse tipo que o Papa Francisco trabalha, insistindo:

·        no primado da consciência,
·        na abertura à modernidade,
·        na consulta aos fiéis sobre temas de moral,
·        no novo crédito à teologia da libertação,
·        na preferência pelos pobres,
·        em uma linguagem capaz de chegar a todos.

Bergoglio sabe que o primeiro passo da Igreja é voltar a acreditar no Evangelho, acima de tudo na sua cúpula, ou seja, ele sabe que a evangelização diz respeito à hierarquia eclesiástica, bem antes do que ao mundo.

Além do enorme favor popular, o Papa Francisco, nesses dois anos, conseguiu outras notáveis aquisições:

·        Penso no processo sinodal que culminará no próximo mês de outubro, com o segundo capítulo do Sínodo sobre a família,
·        no fato de ter evitado a intervenção militar ocidental na Síria e
·        no fato de ter favorecido a histórica reconciliação entre Cuba e os Estados Unidos da América,
·        os passos de aproximação à China,
·        o fato de ter se tornado um farol para o Sul do mundo e para os pobres.

Mas, como disse no início, parece que ele confidenciou a um amigo que não está seguro de conseguir isso, por causa da crescente oposição interna. Portanto, é preciso perguntar o que aconteceria se Francisco fracassasse.

Eu acho que, para o catolicismo, seria um golpe terrível, porque as enormes esperanças que esse papa está despertando se transformariam em uma desilusão igualmente enorme, e o contragolpe sobre a credibilidade da Igreja poderia ser devastador, se não fatal.

Não morreria a espiritualidade, que está enraizada desde sempre no coração humano, bem antes do nascimento do cristianismo. Não morreria nem mesmo o cristianismo, que encontraria outras formas para se expressar, como fez em outros lugares do mundo.

Vito Mancuso - teólogo italiano
Ao contrário, teria início, irreversivelmente, a morte da Igreja Católica hierárquica, assim como a conhecemos, porque ninguém poderá e quererá ter mais confiança em uma estrutura que se mostrou relutante a seguir um cristão sincero e um homem bom como Jorge Mario Bergoglio.

O fracasso do papa que veio do fim do mundo marcaria o fim da Igreja hierárquica e institucional. Não sei se é isso que querem os inúmeros cardeais, bispos e curiais que se opõem a ele, mas acho que é bom que eles saibam disso.

* Vito Mancuso é um teólogo italiano. Foi professor de Teologia Moderna e Contemporânea da Faculdade de Filosofia da Universidade “San Raffaele” de Milão de 2004 a 2011. Seus escritos suscitaram grande atenção por parte do público, em particular: L’anima e il suo destino (trad.: A alma e o seu destino – Raffaello Cortina, 2007); Io e Dio: una guida dei perplessi (trad.: Eu e Deus: um guia para os perplexos – Garzanti, 2013); Il principio passione – La forza che ci spinge ad amare (trad.: O princípio paixão – A força que nos leva a amar – Garzanti, 2013). Desde 2009 é editorialista do jornal diário “La Repubblica”, Roma. O seu último livro é Io Amo. Piccola filosofia dell’amore (trad.: Eu Amo. Pequena filosofia do amor – Garzanti Editore, setembro de 2014). Desde março de 2013 é docente de História das Doutrinas Teológicas na "Università degli Studi" de Pádua, Itália. No Brasil há, por enquanto, somente uma obra traduzida: Eu e Deus – Um guia para os perplexos (Edições Paulinas, 2014).

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Para acessar a versão original deste artigo, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 17 de março de 2015 – Internet: clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.