«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 22 de março de 2015

NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS

PRIMEIRA VISÃO

No meio da multidão
 
Cristiano Navarro e Luís Brasilino
Editores do Le Monde Diplomatique Brasil
 
A partir de junho de 2013, o Brasil passou a conviver com a emergência e o protagonismo de formas inovadoras de mobilização social e ação coletiva que ultrapassam o espectro de influência do Partido dos Trabalhadores. Muitas são as dúvidas sobre essas novas expressões da luta popular: como surgiram, quais seus limites
Manifestação do MOVIMENTO PASSE LIVRE em 2013
 
"Recentemente a UNE [União Nacional dos Estudantes] e outras entidades tradicionais do movimento estudantil acamparam em frente à Prefeitura de São Paulo. Couberam em vinte barracas. No dia seguinte, o Movimento Passe Livre foi ao mesmo lugar com 10 mil pessoas. Não é muito se lembrarmos dos comícios dos anos 1980, mas o PT não colocaria 10 mil militantes na rua hoje, salvo se trazidos por profissionais para um showmício.” A comparação é de Lincoln Secco, historiador e autor do livro A história do PT. Ele se refere às barracas levantadas na vigília organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União Estadual dos Estudantes Secundaristas (UEES) em apoio ao projeto de gratuidade no transporte público do prefeito Fernando Haddad (PT), em contraposição ao Segundo Grande Ato contra o Aumento promovido pelo MPL durante o mês de janeiro.
 
A partir de junho de 2013, o Brasil passou a conviver com a emergência e o protagonismo de formas inovadoras de mobilização social e ação coletiva que ultrapassam o espectro de influência do Partido dos Trabalhadores, hegemônico nas manifestações de rua progressistas do país desde o início dos anos 1980.
Muitas são as dúvidas sobre essas novas expressões da luta popular: como surgiram, qual é seu perfil e quais são seus limites. Operando por fora das instituições políticas oficiais, além do MPL [Movimento Passe Livre], notabilizado pela revolta de junho de 2013, outras organizações, como Levante Popular da Juventude, Marcha da Maconha, Frente Independente Popular, Ocupe Estelita, Marcha das Vadias, Território Livre, Massa Crítica, Reaja ou será Morto(a), Mães de Maio, Rede Dois de Outubro, passaram a conquistar seu espaço em debates políticos ao evidenciar realidades antes pouco tratadas, ligadas sobretudo à vida urbana, por meio de ações diretas.
Esse movimento insere o Brasil em um processo global de contestação iniciado a partir dos impactos gerados pela crise econômica de 2008 e que passa pela Primavera Árabe, os diversos Occupies, os Indignados, as manifestações estudantis no Canadá e no Chile, as ocupações da praça grega Syntagma e da turca Taksim, entre outras.
Ruy Braga - sociólogo - Professor da USP
 
O sociólogo Ruy Braga, autor do livro A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista, destaca que em comum os militantes desses países vivem a precarização das condições de vida e do mundo do trabalho. “São jovens, escolarizados, que têm uma trajetória escolar superior à geração que os antecede e que se depara com condições de inserção do mercado de trabalho que geralmente estão bastante aquém daquelas mesmas condições que os pais encontraram no passado. E esse tipo de desajuste, de desencaixe, de tensão é que pode ser considerado a grande força motriz dos atuais movimentos de contestação.”
 
Há ainda outro fator geracional. O maior acesso a redes de informação e o intercâmbio nas redes sociais ajudam a potencializar diferenças de conceitos políticos entre as gerações. Braga chama atenção para o que alguns analistas denominam choque democrático. “Talvez estejamos assistindo a um choque entre duas culturas políticas que entram em atrito. De um lado essa cultura política mais verticalizada e refratária à participação popular, do cidadão comum e principalmente dos jovens, e por outro lado uma cultura política mais democrática, horizontal, estruturada em torno de redes, que efetivamente tem servido como espaço de mobilização e estruturação de demanda.”
 
Além do fator econômico, o desencantamento com o sistema político institucional ajuda a compreender a emergência desses novos movimentos. Para João Berkson, militante do Coletivo Juntos (movimento de luta ligado à juventude do Psol) no Ceará, ao negarem o modelo tradicional de fazer política, os novos movimentos sociais passam a resistir ao caminho de cooptação do Estado. “Acredito que esses novos movimentos, ao empoderarem os novos sujeitos políticos e sustentarem que o lugar onde nossas vitórias podem ser alcançadas é na rua, e não nos ‘podres poderes’, ganham a confiança do povo”, afirma.
 
A marca da independência com relação às instituições tradicionais se soma ao intenso desejo de participação política. Para o sociólogo Leo Vinicius, autor do livro Antes de junho: rebeldia, poder e fazer da juventude autonomista, as mobilizações de rua trazem consigo um claro impulso de negação das representações e mediações políticas, o que se expressa por meio, por exemplo, do rechaço ou da desconfiança em relação a partidos políticos e entidades oficiais de representação. “O desejo de participação. Uma participação não no sentido de ser ouvido ou de dar opinião, mas que é desejo de constituição, que é um poder constituinte, que é desejo de controle da própria vida, que excede e vai contra os limites do instituído”, comenta.
 
Contra a hierarquia
 
Essa combinação está fomentando o surgimento de uma diversidade imensa de organizações, estruturadas em coletivos, redes e frentes que vêm sendo chamados de novos movimentos sociais, ou movimentos autônomos (como a maioria costuma se identificar). É possível, inclusive, que existam mais diferenças do que semelhanças entre os militantes dessas organizações. No entanto, podemos apontar um rol de semelhanças e princípios que sustentam essa rede solidária.
Isabel Loureiro - Filósofa - Professora da Unicamp
 
Em meio à multiplicidade de pautas, Isabel Loureiro, professora da Unicamp e organizadora de uma antologia de Rosa Luxemburgo publicada pela Editora Unesp em 2011, destaca em comum o fato de estes serem “movimentos de jovens urbanos, caracterizados pela horizontalidade, pela descentralização e independência em relação a partidos, sindicatos, Igrejas, o que impede sua cooptação; dominam as novas mídias, funcionam em rede e têm uma linguagem criativa em comparação com a da esquerda tradicional; muitos se atêm a reivindicações locais; outros têm alcance nacional”.
 
Ruy Braga faz uma relação das principais características dessa nova dinâmica:
1) mais horizontalizada;
2) autorrepresentada;
3) focada no que podemos chamar de demandas concretas;
4) protagonizada por jovens;
5) [jovens] que se apropriam dos mecanismos de mídia social;
6) jovens que são mais escolarizados do que a geração anterior;
7) a despeito de serem mais escolarizados, têm trajetórias sócio-ocupacionais muito mais erráticas, encontram-se subempregados”.
 
De fato, a primeira característica elencada por Braga é a mais lembrada quando se trata desses novos movimentos. “A grande fortaleza desses novos movimentos que têm surgido é o seu profundo caráter democrático, ou seja, como são organizados de maneira horizontal, acabam sendo permeáveis e sensíveis à participação popular no sentido amplo. Assim, tendem a, num primeiro momento, se ampliar. Isso é muito positivo porque eles oferecem vazão para aquele estado de inquietação social latente que de outra maneira não se expressaria de forma democrática, e poderia, por exemplo, se expressar de maneira mais violenta por meio de quebra-quebras ou algo do estilo. No entanto, não, esses novos movimentos oferecem a oportunidade de esse estado de inquietação latente que vem se acumulando no país nos últimos 14 anos se expressar de forma democrática.”
 
No início da noite do dia 23 de janeiro, ao ver o Quarto Grande Ato contra o Aumento da Tarifa passar pela região central de São Paulo, o operador de telemarketing João Paulo dos Santos decidiu atender ao chamado do protesto e foi para a rua contra o aumento. Não demorou muito, ele e os outros cerca de 15 mil manifestantes foram atacados pela Polícia Militar com bombas de estilhaço, de gás e bala de borracha. Morador do bairro de Itaquera, Santos cursa Administração na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e todos os dias toma cinco conduções entre sua casa, seu trabalho e a faculdade. “Pelo aperto, desconforto e o custo de vida alto, é um absurdo o preço do ônibus e do metrô subir de R$ 3 para R$ 3,50.”
Armando Boito - Cientista Político - Professor da Unicamp
 
De acordo com Braga, outro segredo do poder de mobilização desses movimentos é essa capacidade de atender a demandas concretas da população. “Elas são críveis para as massas. É possível baixar a tarifa. É possível conquistar a moradia, a casa própria. É possível conquistar uma creche ou uma escola pública na periferia onde ela não existe. Essas vitórias são possíveis”, ilustra.
Ligada a isso, está outra característica, destacada por Armando Boito, professor titular de Ciência Política da Unicamp: trata-se de movimentos reivindicativos, que objetivam melhorias nas condições de vida de setores populares, mas não têm um programa de luta pelo poder de Estado. “Não estou dizendo que esses movimentos estejam fora da política. São movimentos que se explicam pelo contexto político atual e têm repercussão muito grande na conjuntura política, inclusive no processo eleitoral. Porém, não têm, eles próprios, o objetivo de alcançar o poder de Estado.”
 
Um movimento de jovens
 
O segundo aspecto mais lembrado a respeito dessas organizações é a presença de jovens. Em seus estudos, o sociólogo Leo Vinicius observa que uma das fontes de poder dos movimentos autônomos se encontra na própria condição material que faz existir o “juvenil” socialmente, isto é, na vivência de um período de maior liberdade e autonomia em relação a alguns imperativos econômicos e sociais. Contudo, “ao mesmo tempo, a juventude é uma fragilidade para movimentos sociais se manterem no tempo, por ser essa uma condição transitória. Utilizando conceitos sociológicos, esse poder tem como base importante a moratória vital e a moratória social que dão forma à juventude”.
 
Para Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, a horizontalidade e o uso de ferramentas virtuais é que favorecem esse diálogo com a juventude, “que não tem familiaridade nem interesse por organizações políticas e sociais mais estruturadas. Permitem canalizar um sentimento difuso de insatisfação com a política, para o bem e para o mal. Porque junto com esse sentimento pode vir muita coisa velha, conservadora e direitista”.
 
De acordo com ele, a principal novidade que surgiu após junho não foi exatamente “novos movimentos”, mas a utilização central das redes sociais como convocatória. “Embora o MPL tivesse um trabalho de base, que foi o que lhe permitiu desencadear as mobilizações de junho, a convocação maciça se deu pelo Facebook. Depois de junho, várias mobilizações tentaram repetir o modelo e demonstraram tanto seu potencial como seus limites. As ferramentas virtuais passaram a ser hoje indispensáveis para a luta social, mas são insuficientes. Sem o bom e velho trabalho de base, enraizamento territorial contínuo, os movimentos não conseguem sustentar grandes mobilizações.”
 
Leo Vinicius, no entanto, destaca que a força dos movimentos está também no trabalho de base e nos vínculos sociais concretos constituídos. “Ao contrário da ideologia tão difundida que procura explicar ações coletivas e movimentos sociais com base nas mídias digitais, é a velha militância cara a cara, cotidiana, os vínculos reais que estão por trás de qualquer movimento social. O que essa ideologia das ‘redes sociais’ (virtuais) quer esconder é justamente isso: que as pessoas precisam fortalecer seus vínculos reais se quiserem ter algum poder”, conclui.
 
Concordando com o sociólogo, Isabel Loureiro indica a ocupação desse espaço pelos movimentos autônomos como parte do seu sucesso. “São movimentos que fazem trabalho de base, que se organizam localmente, algo que o PT fazia antigamente, mas que deixou de lado para virar um partido puramente eleitoreiro. Eles ocupam novos espaços de atuação política, para além da viciada política institucional, que, com razão, é vista com descrédito cada vez maior.”
Guilherme Boulos - formado em filosofia pela USP,
professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST
 
Qual é o futuro?
 
Em um horizonte recessivo com indicação de cortes de gastos públicos e elevação de juros e tarifas por parte dos governos, crescem as expectativas sobre intensos conflitos sociais. Na mesma proporção aumenta também a curiosidade sobre os rumos, limites e possibilidades desses novos movimentos sociais na conjuntura de acirramento das tensões.
 
Isabel Loureiro julga que a esperança que se pode ter nesses movimentos é que, para além das explosões espetaculares, que vêm esporadicamente à tona, sigam na surdina fazendo seu trabalho de base subterrâneo, se reunindo e se organizando. “Ao adotarem a tática da revolta de rua e serem bem-sucedidos, como foi o caso de junho de 2013, eles não deixam receita. São explosões maravilhosas e efêmeras, que incendeiam a imaginação, mas aparentemente não têm continuidade. É como se a cada momento fosse preciso reinventar a roda, o que esperamos ver acontecer novamente em 2015.”
 
Reticente quanto à possibilidade de um protagonismo maior por parte dos novos movimentos, Armando Boito destaca que eles podem representar um novo ciclo na luta popular por melhores condições de vida e fortalecer os partidos e organizações socialistas, mas reforça que são movimentos “reivindicativos, não lutam pelo poder. Entre eles predomina, inclusive, um desprezo pela organização política e pela luta pelo poder de Estado”. De acordo com ele, o limite é “o culto do espontaneísmo, da luta reivindicativa supostamente separada da organização e da luta política e a sua atitude de desconfiança diante das organizações socialistas e marxistas”. Boito identifica uma falta de consciência política mais desenvolvida, que não deixa perceber que as demandas dos movimentos, para serem atendidas, demandam outra política urbana, econômica e social que exigiria, para ser aplicada, o abandono do modelo capitalista neoliberal.
 
Guilherme Boulos acrescenta que as virtudes dos movimentos apontam também seus limites. “A horizontalidade é atraente para uma juventude indignada, mas também dificulta uma organização mais consistente a longo prazo, com condições de construir respostas unitárias.” Além disso, ele alerta para o fato de que, apesar do sentimento antipolítica ser mobilizador, ele também pode gerar frankensteins como no pós-junho.
 
A necessidade de unificar essas lutas em torno de demandas que são sentidas por todos, e não exclusivamente por aqueles que fazem parte desses movimentos, é vista por Ruy Braga como um dos principais obstáculos a serem superados. De acordo com ele, o caminho é descobrir “o que o movimento de luta pelo passe livre tem em comum com a luta dos metroviários por investimento no sistema de metrô, o que o investimento no metrô tem em comum com a luta pela casa própria, o que esta tem em comum com a luta pela creche, o que esta tem em comum com o investimento na escola pública, o que a escola pública tem em comum com os baixos salários... e assim sucessivamente”. No entanto, Braga reitera que, no atual momento, o aspecto positivo desses novos movimentos ultrapassa “em muito” as carências organizativas, “que tendem a se superar ao longo da trajetória de cada um deles”.
 
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 8 – Número 92 – Março 2015 – Pgs. 12-14 – Internet: clique aqui.
 
SEGUNDA VISÃO
 
O governo vai ter de ouvir
 
Entrevista com Rogerio Chequer
 
Pedro Dias Leite
 
O líder do “Vem pra Rua” diz que protestar ajuda a formar uma geração mais exigente e promete que, ao contrário de 2013, “o gigante acordou e não vai dormir mais tão cedo”
Rogerio Chequer - engenheiro e empresário - líder do movimento "Vem pra Rua"
 
No dia 4 de outubro do ano passado, véspera do primeiro turno da eleição presidencial, o engenheiro e empresário Rogerio Chequer, de 46 anos, era uma das cinco pessoas presentes a um protesto convocado por ele contra o governo da presidente Dilma Rousseff em frente ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
 
Menos de duas semanas depois, eram 300 os manifestantes que compareceram a um segundo ato. No domingo 15, Chequer estava entre mais de 1 milhão de pessoas que tomaram a Avenida Paulista na maior manifestação política em trinta anos de democracia no Brasil.
 
Líder de um dos grupos que organizaram o protesto, o Vem pra Rua, Chequer afirma que as manifestações de domingo, e as que estão por vir, não repetirão 2013. “Agora o gigante acordou e não vai dormir mais tão cedo”.
Eis a entrevista que ele concedeu.
 
Antes da marcha, os organizadores mais otimistas falavam em 100.000 manifestantes em São Paulo, mas, no fim, mais de 1 milhão de pessoas compareceram. No país todo, foram mais de 2 milhões. O que levou tanta gente a aderir aos protestos?
 
Rogerio Chequer: As pessoas que foram às ruas queriam mostrar a sua indignação diante da corrupção, da ineficiência dos serviços públicos e da falta de honestidade no discurso de quem está no poder. Mas ficou muito claro para mim que, se existe algo que une tudo isso, é a sensação que as pessoas têm de estar sendo desrespeitadas pelos que estão no poder. Essa recusa do governo em assumir seus equívocos, a insistência em tomar decisões apenas para beneficiar a sua turma e não a população, isso tudo provoca nas pessoas uma tremenda sensação de que elas não estão sendo respeitadas. O que acho que aconteceu foi que muita gente percebeu que, a partir do momento em que se junta a um grupo, a uma multidão, deixa de estar solitária na sua indignação. E começa a acreditar que pode brigar contra esse desrespeito.
 
Mas não é a primeira vez que os insatisfeitos se juntam em grupos. O Cansei, em 2007, foi uma iniciativa com proposta parecida. Por que agora a reação tem sido diferente?
 
Rogerio Chequer: Primeiro, porque o número de insatisfeitos nunca foi tão grande. Em outubro passado, como demonstraram as urnas, nós já somávamos pelo menos 51 milhões de pessoas. Desde então, isso só aumentou – não apenas em quantidade, mas em intensidade também. Mas acho que o fato novo é que antes as pessoas não sabiam o que fazer com a indignação e agora sabem.
 
Como assim?
 
Rogerio Chequer: A sensação de indignação é uma força poderosa, mas as pessoas não sabem o que fazer com ela. Acabamos reclamando com os outros – para o colega de escritório, para a mulher. Só que, em geral, nos queixamos a quem está indignado também, o que faz com que o efeito da reclamação seja nulo. Vira uma flagelação coletiva – todo mundo sofre e nada acontece. Então, sinto que agora começamos a descobrir como canalizar essa energia. Quando marcamos um lugar para encontrar outras pessoas que querem expressar essa mesma revolta, nossa voz passa a ser escutada por quem está na rua, pela imprensa, pelo governo. Ou seja: em vez de reclamarmos para o nosso colega de trabalho, passamos a reclamar para quem tem de receber essa reclamação. E agora o governo via ter de escutar.
Mas o movimento já existe há algum tempo, o que significa que, mesmo com toda essa indignação, os protestos demoraram a engrenar. Por quê?
 
Rogerio Chequer: O brasileiro é acomodado, dificilmente se engaja, sobretudo politicamente. Mas penso que isso é consequência principalmente de uma descrença generalizada na política e nos políticos e na capacidade da sociedade de alterar esse quadro. Quando você cresce acomodado, deixa de acreditar que é possível mudar e passa a achar que nada pode ser feito. Uma das frases mais comuns que ouço quando digo que quero tentar mudar alguma coisa é: “Não adianta”.
 
E como acabar com esse conformismo?
 
Rogerio Chequer: Nós, do Vem pra Rua, decidimos pelo seguinte caminho: em vez de tentarmos enumerar todos os erros do PT, apenas chamamos as pessoas para manifestar sua indignação. Conseguir pôr esse sentimento para fora já é fascinante. Agora, precisamos trabalhar para que não ocorra o que se deu em 2013, quando “o gigante acordou”, mas logo dormiu de novo. Não queremos apenas despertar o gigante, queremos que a força da sociedade ordeira, construtiva se incorpore à cultura brasileira e ajude a, de fato, melhorar o país.
 
E o que o leva a crer que esse movimento agora será mais duradouro do que foi o de 2013?
 
Rogerio Chequer: Talvez o fato de que, desta vez, as pessoas estão bravas, mas, ao mesmo tempo, se sentindo realizadas. Essa sequência de manifestações está criando uma nova geração de brasileiros. Você viu a quantidade de crianças que havia nas manifestações de domingo em São Paulo e nas outras cidades? Elas vão crescer com outra cabeça, com uma tolerância muito menor do que a nossa para esses abusos do governo. Elas não vão aceitar um décimo do que a nossa geração tem aceitado há anos.
 
Outra característica que chamou atenção em protestos como o de São Paulo foi a relação amigável que se viu entre as pessoas que foram às ruas e os policiais militares.
 
Rogerio Chequer: É verdade. Uma das muitas falsas premissas que a gente ouve por aí é que a Polícia Militar é parcial, é “do mal”, está sempre “contra o povo”. Mas o que foi que se viu no domingo? Nenhuma vitrine quebrada, tudo acontecendo em plena ordem, e tudo isso, em grande parte, graças à PM, inclusive em estados de administração petista. Diante dessa constatação, muita gente começa a pensar: então é possível fazer uma manifestação e a polícia estar na rua para garantir a nossa segurança? Isso é algo que deveria ser óbvio, mas não é. Crescemos com paradigmas errados, e aí, quando a gente passa para a normalidade, estranha.
 
Apoiadores do governo disseram que os últimos protestos representam um movimento da “elite branca”. O que o senhor acha dessa afirmação?
 
Rogerio Chequer: Em primeiro lugar, quem fala isso não esteve nas manifestações para ver o que aconteceu. Porque, se tivesse ido, teria visto brancos, pardos, negros, gente mais velha, gente mais nova. Uma hora, de cima do caminhão, comecei a chamar: “Quem são as pessoas da periferia da Zona Sul de São Paulo?”. E grupos enormes levantavam a mão. “E da Zona Leste? Guarulhos? Osasco?” Mais grupos levantavam a mão. O governo tenta, de forma enviesada e injusta, uniformizar as pessoas. Quanto mais o movimento cresce, mais ele aumenta nas classes C, D e E. No começo, era mesmo bem mais elitizado. Mas isso nunca me incomodou.
 
Por quê?
 
Rogerio Chequer: Porque as coisas têm de começar de algum jeito, e não tem um jeito certo ou errado para isso. Por que a elite vale menos, ou tem menos voz, ou deveria ser menos considerada? Se o movimento começou com a elite, que bom que alguém começou. Dizer o contrário é uma forma de preconceito. Somos iguais ou não? Isso é inacreditável vindo de um partido que hasteava a bandeira da igualdade e agora prega o conflito de classes, entre ricos e pobres, empresários e trabalhadores. O interessante é que ricos e pobres, empresários e trabalhadores, todos, têm uma coisa em comum: eles pagam impostos. E, nesse caso, quem está do outro lado é o governo, que recebe o dinheiro.
 
O senhor diz que o Vem pra Rua é um movimento suprapartidário, mas vocês apoiaram o candidato Aécio Neves, do PSDB, nas eleições presidenciais de outubro.
 
Rogerio Chequer: Deixe-me fazer um pequeno retrospecto. Nossa primeira manifestação foi em 4 de outubro. Apareceram quatro pessoas – cinco, contando comigo. No dia 16, na segunda manifestação, já reunimos umas 300. Só que todo mundo se identificou tanto com aquilo que começou a chamar mais gente. É claro que as eleições ajudaram, porque, sendo o protesto contra o governo, ele se confundia com a campanha. Da nossa parte, como éramos contra a candidata Dilma Rousseff, não havia alternativa a não ser apoiar a oposição, fosse quem fosse. Se a Marina Silva tivesse ido para o segundo turno, nós a teríamos apoiado. Mas foi o único momento em que o movimento apoiou um candidato.
 
E isso não se repetirá?
 
Rogerio Chequer: Nós somos críticos do governo, e só. O movimento é suprapartidário. A partir do momento em que nos aliarmos a algum nome ou sigla, criaremos conflitos de interesse. Precisamos ter a prerrogativa e a liberdade de poder monitorar ou criticar políticos e governantes de qualquer partido.
 
Isso quer dizer que se um político do PSDB, por exemplo, fizer algo de vocês discordam, vocês também irão para a rua protestar?
 
Rogerio Chequer: Sim, mas é preciso tomar cuidado. A quantidade de coisas erradas que os governantes fazem é tão grande hoje que, se começarmos a atacar a tudo e a todos, perderemos o foco. Para ficar claro: de onde devemos começar a mudança? De cima, é o que achamos. Como diz o ditado: escada se lava de cima para baixo. Depois, quase todos os nossos colaboradores têm uma atividade profissional, precisam trabalhar oito, dez, doze horas por dia. Ninguém aqui vive disso. Temos de ter foco.
 
Como se organiza uma mobilização como a de domingo [dia 15 de março] em São Paulo?
 
Rogerio Chequer: Pode ser difícil de acreditar, mas não temos uma estratégia azeitada. O que temos são canais em todas as redes sociais. No WhatsApp, por exemplo, o Vem pra Rua tem um grupo que reúne mais de 8.000 integrantes. Essas pessoas acabam repassando as informações aos seus amigos, por meio de seus próprios grupos, e a partir daí a coisa vai se disseminando. No Facebook, o indicador mais interessante para medir o nível de engajamento das pessoas é o total dos que curtiram, comentaram ou compartilharam o conteúdo do Vem pra Rua: na semana anterior ao 15 de março, 1 milhão de pessoas fizeram ao menos uma dessas três coisas. E, quando elas fazem isso, esse material aparece na timeline de alguns dos seus amigos. Então, pelas nossas contas, o chamado do Vem pra Rua atingiu mais de 11 milhões de pessoas só nessa rede social, o que ajuda a explicar por que tanta gente foi às manifestações.
 
Como vocês se financiam?
 
Rogerio Chequer: É importante esclarecer que nenhum dos cerca de cinquenta colaboradores do Vem pra Rua recebe um centavo. Além disso, os custos de uma manifestação são muito mais baixos do que você pode imaginar. Na de 15 de março, gastamos em torno de 20.000 reais. Só com a venda de camisetas arrecadamos perto disso. Metade desse valor foi para o aluguel de um caminhão de som ultrapotente e o resto foi gasto com cartazes, faixas, balões. É muito menos do que todo mundo imagina. Esse equívoco de avaliação é um dos motivos que fazem com que muita gente fique tentando encontrar um partido ou uma organização empresarial por trás do nosso movimento. Não tem.
 
Vocês hoje são contra o impeachment. Podem mudar de ideia no futuro?
 
Rogerio Chequer: Não somos contra o impeachment. O correto é dizer que não somos a favor dele agora. É algo que ainda não tem sustentação jurídica, já que até agora não se conseguiu provar o envolvimento da presidente no petrolão [escândalo de corrupção na Petrobrás]. A possibilidade sempre vai estar no nosso radar, mas não queremos desperdiçar a energia das pessoas. Mesmo porque, se tratarmos o impeachment como meta e ele não ocorrer, a sociedade vai ficar com a impressão de que não adianta fazer as coisas. Temos assuntos mais urgentes: um dos mais importantes é fiscalizar para que todo os processos de investigação e denúncia dos políticos e de todo mundo que fez mal uso do dinheiro público sejam feitos sem interferência, sem pressões. Precisamos começar a mudar o Brasil mesmo com esse governo que está aí.
 
Fonte: Revista VEJA – Edição 2418 – Ano 48 – nº 12 – 25 de março de 2015 – Páginas 17, 20-21 (edição impressa).

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